Cabisbaixo e entristecido andava ele pela calçada.
    Estava um tanto curioso com o seu próprio comportamento.
    - O que está acontecendo comigo?
    Assim ele questiona já que muitas coisas estavam mudando em sua vida: valores, posições antes ambicionadas, fatos e acontecimentos pareciam que não mais atraiam tanto a sua atenção. Parecia que as portas iam sendo fechadas às suas observações sobre as euforias da juventude e seus inconseqüentes idealismos. Também o triunfo dos insolentes e/ou o sucesso dos ufanistas já não lhe causavam mais nenhuma inveja.
     Afinal, o Sr. Fábio não estava ainda assim tão velho para estar sentindo tão indiferente a tudo que acontecia ao seu redor e que antes muito lhe chamava a atenção. Ele foi se distanciando e chegou até confessar que não sentia aquela vontade imperiosa de ter a última palavra sobre qualquer assunto.
    A sua filha também observou algumas alterações e pergunta:
    - Papai, vejo que o senhor anda mudado, pois sempre tiveste uma vida marcada por contrastes e agora tudo está diferente!
    O Dr. Fábio formado em Medicina adquiriu em Porto Alegre, onde estudou o gosto por uma vida sofisticada. Vestia ternos elegantes, trazia na bagagem de variadas iguarias e na mente projetos de vida grandiosos. Mas frequentemente esse verniz se rompia e se revelava o típico macho gaúcho.
     Certo dia um amigo seu o procura para conversar, porque também tinha algumas colocações a fazer.
     - Oi Fábio onde está aquele homem confiante e superior que se julgava tão mais importante que os outros?
     - Aos poucos parece ceder o lugar para o homem amoral em que acaba se transformando. Desculpas pelas minhas comparações entre o retrato pendurado na parede idealizado por si mesmo no seu apogeu, e o homem que vai sendo transformado.
    Os grandes acontecimentos do século pareciam passar distantes, as notícias e as discussões políticas e filosóficas já não exerciam grande interesse. Começou esse processo de mudança quando teve que enfrentar uma crise de meia idade, por volta de seus quarenta e oito anos. Sua consciência o fez desistir de ser herói, conquistador, um homem especial, quase um semideus. Daí para cá tomou um caminho de maior conscientização sobre a vida. Percebeu que todo seu esforço de muito trabalho, levantando cedo, leitura intensa, às vezes varando a noite para aproveitar melhor o tempo, viu que era correr atrás do vento.
    Nesse ínterim, resolve:
    - Preciso fazer alguns ajustes.
    E assim tomou as seguintes decisões:
    Redirecionou a leitura do Livro Sagrado, bem como a leitura de muitos clássicos. Era interessante ouví-lo dizer:
   - Neste tempo em que já estou no outono da vida, a minha maior descoberta é que estou me tornando mais humano. Desejo estar aprendendo a ser mais generoso e sereno; viver com mais alegria; amar as pessoas; as coisas mais simples e contemplar a natureza.
   Nesta sua nova modalidade de vida desprendeu-se dos preconceitos sociais, perdeu o medo de se desnudar e mostrar-se vulnerável. Antes, quantas vezes impressionara as pessoas com palavras e discursos duros. Agora ele pede a Deus que segure a sua mão e o sustente em sua decisão. Quantas vezes o Dr. Fábio fugia de certos contatos sociais para não mostrar aos outros que já não era aquilo que demonstrava ser.
     Agora ele tem sentido liberdade e também humildade para dizer que ainda está em construção. Diz sempre:
     - Sou ainda um aprendiz. Quero ser e fazer aquilo que me dá prazer. Quando tiver vontade de rir, rirei e até dançarei de alegria. Não preocupo em parecer incoerente ou ser um político incomum. Continua sempre afirmando: Preciso estar alerta para não me tornar faccioso e cego por obstinação.
     Como o Dr. Fábio viveu muitas pessoas ainda vivem uma situação de irrealidade e quase sempre sem poder escapar dela. São suas palavras:
     - “Minha vida era irreal fiz de mim o que não soube, conheceram-me, me desmenti. Tirei a máscara, tratei as escaras. Agora, que surpresa, posso ver minha beleza! Não é preciso morrer para começar a viver”.