Já  passava do meio dia. Na feira popular já estavam começando a desmanchar as barracas. Os menimos que com seus carrinhos improvisados de madeira, faziam um trocado, carregando as compras das senhoras, também estavam iniciando suas retiradas com algum trocado do bolso.
     Nos dias de feira, Mariana saia mais cedo do colégio onde cursava a quarta série
do  ginasial e ao subir a rua, comprava mantimentos de uma pequena lista que sua 
mãe lhe dava para  levar para casa. 
     Naquele dia se atrasara porque estava em provas e saiu um pouco mais tarde, atrasando-se para as compras na feira.
     Mesmo assim, passou na biblioteca e pegou alguns livros de ciências , para uma
pesquisa de sua próxima prova na semana seguinte..
Com seu porta-cadernos e os livros, já estava com as mãos ocupadas mas mesmo assim resolveu comprar a listinha, para que sua mãe não tivesse que sair, pois fazia de tudo para poupá-la de trabalhos cansativos.
     Fez as compras e ficou difícil de levar tudo. Foi quando surgiu um menino franzino, alto, magro, de olhos e cabelos negros, seus olhos brilhantes e um sorriso de alegria no rosto, demonstando alegria de viver. 
     - Oi, moça, posso levar sua compras? Eu cobro baratinho ou a senhorita pode me dar o que  quiser.!!
Mariana olhou para ele e pensou?
     - Puxa que bom...já não aguento mais tanta coisa pra carregar . E então respondeu.
-     - Está bem, mas eu moro no final da rua, tudo bem?
     - Não tem importância, depois eu vou pra casa, e é na rua seguinte. Respondeu o menino.
     Enquanto subiam a rua, foram conversando e como não sabia o nome dele, ao chegar a casa, Mariana deu a ele uma moedas e agradeceu, chamando-o de "meu amiguinho".
     Toda vez  que  fazia as compras Mariana dava preferência a seu amiguinho e assim sempre subiam a rua conversando, ela dava sempre mais um pouco de moedas e ele ia embora.
     Numa dessas conversas na subida da rua ele foi contando a sua vida e sobre sua familia. O pai era alcoólatra , a irmã menor nao estudava  ainda. O pai nem sempre voltava para casa, o que para eles era uma alegria, mas quando acontecia de chegar era brigas  violentas, batia em todos, por qualquer razão, principlamente da mãe dele. Ele não podia com o pai, um homem grande, alto,  forte, então saía de casa independente do horário. Ou ficava na rua, ou fazia algum serviço na casa das senhoras que já o conheciam e elas lhe davam um trabalho , uns trocados e um lanche...quando era muito tarde, dormia no banco de uma pracinha junto com outros amigos que tambem fugiam de casa.
     Mariana ficou revoltada com aquela situação e disse-lhe:
     - Olha, meu amiguinho, quando isso acontecer, não fique no banco da praça ao relento, bata lá em casa que nós lhe daremos um lanche e você poderá dormir na varanda que é fechada, Não fique na rua.  E lá em casa sempre terá um serviço para você fazer. Pode dar banho no cão, limpar o jardim, lavar o quintal, e te daremos um dinheiro, além do almoço ou lanche. Não esqueça, bata lá em casa.
Mas ele não ia muito,  de vez em quando ia ver um serviço, comia, recebia seu pagamento e esperava na feira por Mariana.
     Com a ajuda de uma professora, Mariana conseguiu que "seu amiguinho" fosse estudar numa escola perto da casa dele e assim fez o primário e o ginásio.
     No decorrer desse tempo, Mariana também fo crescendo, formou-se e começou a trabalhar. Já com melhor situação, mudaram-se para o outro lado do bairro com casas melhores e mais conforto. Assim deixou de ir naquela feira, até porque abrira um grande mercado bem próximo da casa onde foram morar. 
     Antes de mudarem-se , ela deu o endereço para o "amiguinho" cujo nome já sabia, mas continuava a chamá-lo assim. Avisou para ele ir sempre lá fazer uns serviços no jardim e sempre lembrar que se precisasse, mesmo não estando em casa, a mãe dela lhe daria um bom pedaço do bolo gostoso que fazia melhor do que ninguem. Ficaram acertados.  Mariana ficou sossegada, sabendo que sempre poderia ajudá´lo e na saída da escola ele poderia ir lá , ajudar sua mãe, almoçava, ganhava seu dinheirinho e iria para a casa das outras senhoras trabalhar. Já pensava em como ajudá-lo quando terminasse o ginasio. 
     Mas uma senhora para a qual trabalhava, arrumou um emprego para ele tomar conta dos carrros de uma grande empresa; teria um emprego certo, ganharia seu salário, estudaria a noite e depois poderia ficar na mesma empresa, onde o marido dela trabalhava.. Conversou com Mariana e as duas ficaram felizes pois estavam encaminhando bem o menino que agora ja´era um rapazinho.
     Mas as duas amigas, perceberam que nos olhos dele já não  havia mais aquele brilho e nem o sorriso era tão feliz..Notaram uma diferença e não  entenderam. Afinal,estava estudando, trabalhando, não dependia mais do pai, podia viver sua vida e ir em frente...Tudo fizeram para auxiliá-lo, aumentar sua auto-estima que nem havia, mas  viram algo de triste naqueles olhos que sempre brilhavam..
     Resolveram perguntar o que estava acontecendo pois notavam que ele estava diferente. Ele contou:
-     - Na minha casa está uma desgraça, minha irmã fugiu, ninguem sabe onde está, não  dá  noticias e o meu pai culpa a mãe e bebe mais que nunca.  
As duas  conversaram com ele, falando que ele nada podia fazer, pois seu salário era pouco e que ele tinha que procurar a irmã, mas não se prejudicar no emprego e no colégio. 
     Passaram-se alguns meses em que Mariana ficou sem contato com os amigos da rua onde morou...Trabalhando, estudando, estágios, tudo atarefado, e nos finais de semana quando não tinha algo para estudar, ia a um cinema, para distrair um pouco..
     Houve uma semana em que choveu demais e aconteceram desmoronamentos, sempre sacrificando aqueles mais pobres, principalmente os que moravam mais
perto do rio. 
     Preocupada ela foi até lá no domingo quando a chuva estava bem mais fraca e ficou sabendo do que houve com seu amiguinho.
     No temporal,  o rio encheu, invadiu casas,  e o pior é que o corpo de sua irmã apareceu boiando uns quilômetros da casa deles, que não foi invandida pela chuva, mas souberam da morte da mocinha.
     O amiguinho ficou tão desesperado, na sua casa houve tanta briga, tanta violência, que ele saiu desesperado e foi sentar-se na calçada da empresa onde trabalhava e por lá ficou bastante tempo. A luz da rua que já era escura, estava quebrada, e em determinado momento, o rapaz deitou-se no meio da rua, no lugar mais escuro e ficou imóvel..
     De repente houve um alvoroço, pessoas gritavam,.bombeiros foram chamados, para retirar o corpo do rapaz atropelado por mais de um ônibus ou carro. Seu enterro foi feito com a ajuda das senhoras para quem trabalhou mas apenas poucas foram a sua despedida. Mariana, ficou arrasada com tudo aquilo,  voltou para casa sem dar uma única palavra, sem saber o que pensar.
     Hoje em dia a gente quando vê aqueles meninos no sinal, a primeira coisa que fazemos é fechar rápido o vidro do carro....é claro do jeito que anda  a violência, não podemos ter mais confiança em nada. Porém fico pensando, de vidro fechado,  qual desses meninos será um "meu amiguinho"? Quantos poderiam sair dessa vida inútil e serem encaminhados num futuro melhor? Quando será que surgirá alguém com amor e vontade de ajudar essas crianças, as que ainda podem ser salvas e tirar dessa vida de desgraça, hoje pior com o uso de drogas.
     Será que poderá aparecer alguém que tenha vontade de realmente ajudar os pobres, dar-lhes dignidade, condições de vida, ao invés de fazerem promessas vâs em épocas de eleição? Nem se sabe mais se podemos acreditar nisso. 
     Como ouço dizerem de vez em quando: "..no mundo sempre ouve os oprimidos e os opressores, não dá para mudar, faz parte do destino de todos nós". 
     E eu me pergunto. SERÁ?

naja
Enviado por naja em 27/01/2008
Código do texto: T835336