A VIÚVA INCONFORMADA - II PARTE

A ViÚVA INCONFORMADA - II PARTE

Perante o quadro sombrio de um futuro afectivo como desejaria, Felizbela acordada do sono e do sonho, vezes sem conta recordaria o que havia memoriado. Para se tranquilizar e desviar as atenções, decidira não visitar o MSN. A custo, o fez. A lembrança de Rodrigo não se afastava e as conjecturas que formalizava, tinham-no sempre como ponto central. Artur Jorge, poderia ser o antídoto para o esquecimento e numa reflexão em que a cabeça funcionaria mais e melhor que o coração, decidira dar continuidade aos encontros com o empresário. Os muitos encontros suceder-se-iam um após outro e em cada um, parecia haver mais proximidade, mais intimidade. A ponderação que fazia era levada à exaustão e incidia sobre a situação financeira, a disponibilidade pessoal, a conduta social, as questões afectivas e íntimas que Artur Jorge poderia dar-lhe. Felizbela não é uma mulher de decisões fáceis e levianas e a decisão de aceitar namoro parece ainda estar longe. Quer ter mais certezas.

As referências de um casamento feliz, abrupta e injustamente interrompido fazem-lhe ter fundados receios de que as coisas boas, serão irrepetíveis. Talvez resida na memória a dificuldade para abraçar novo projecto de vida a dois e a existir, a exigência seria exponenciada. Não se quer ver vítima mas, glória da sua escolha. De Rodrigo guardará memória e gratidão e pontuais encontros no MSN ocorrerão para se cumprimentarem e saberem das suas vidas. A sua condição impeditiva e consciencialização, parecem fazê-la mudar o rumo aos seus objectivos e tudo leva a crer, A. Jorge entrará nessas contas.

Perante a insistência do empresário em firmarem namoro, Felizbela cederia, mesmo na ausência de química, em razão desta nem sempre ser indicadora certa de felicidade no casamento. Lembra-se de tantos casos conhecidos pessoalmente, de amantes que quimicamente se cruzavam, e que na prática, não souberam corresponder às expectativas. E, também conhece casos de casamentos de conveniência, de várias conveniências, que com o passar do tempo se revelariam firmes, sólidos e garantes de felicidade nos pressupostos fundamentais de uma vida a dois.

A. Jorge, visto sob o lado material e conveniente do contrato social de casamento, tem sobejos argumentos para Felizbela ceder ao seu repto e mais ainda, porque sabe que é ou poderá ser amada por ele. A única certeza ou incerteza que a condiciona reside no que ela pode dar para a realização do homem que a quer amar. No amor, a dádiva é ou deverá ser mútua, recíproca, diz para si quando reflecte sobre o tema e acrescenta: “no amor não há lugar ao egoísmo”. Das suas ponderações, conclui: amor é sinónimo de dádiva mas também de recepção e a consolidação e beleza de um amor apaixonado, feliz e duradouro não poderá nunca abdicar desse binómio.

A relação com Artur Jorge reflecte inicialmente metade da sua filosofia e pensamento do que é o amor: alguém que dá, mas não recebe e alguém que recebe e não dá. A relação dos namorados, se para A. Jorge é a valer, para Felizbela é experimental e o tempo e o modo farão a devida avaliação.

Estas interrogações não se poriam se o candidato ao seu coração fosse Rodrigo, mas a inoportunidade de um amor proibido, fez deitar por terra ilusões forjadas fantasiosamente numa mente carente e solitária. Por consequência, o afastamento aconteceria cautelosamente para que não causasse danos psicológicos e os contactos MSN aconteceriam esporadicamente, sendo que no último, Felizbela daria conhecimento de ter um namorado.

- Tenho novidades para te dar…

- Sim? E são boas?

- Não sei se são boas ou más, mas que são novidades, lá isso são. Arranjei um namorado…

- Óptimo. Os meus parabéns…Oxalá te possas ver e sentir feliz.

- É aí que residem as minhas dúvidas. Será que poderei ser feliz, e dar felicidade ao homem que nem sei, se vou amar?

- Também não te sei responder. Sei de muitos casamentos que embrionariamente pouco diziam a um dos namorados e depois se consolidariam e terminariam em amores felizes e realizados e também conheço casos de namorados que se amavam apaixonadamente e depois foram um fiasco de todo o tamanho e que não terminaram saudosamente no cemitério, mas na barra dos tribunais, em divórcios cheios de rancores, ódios, azedumes e arrependimento.

- Também tenho pensado nisso. Ao analisar esses casos, constato que o amor se consolida na aprendizagem diária e aqueles que resultam da química muitas das vezes, não dão nada, por serem estruturados na fantasia ou ilusão.

- Isso mesmo. Brilhante reflexão! Sabes perceber que o amor pode acontecer, mesmo entre pessoas que inicialmente não pensaríamos acontecer. O nosso coração plastifica-se e amolda-se a diversas pessoas, situações, meios…de tudo se pode esperar quando um coração se abre, e a prova é de que onde residiu amor poderá residir ódio, onde residia indiferença poderá residir confiança e amizade…o coração é uma permanente caixinha de surpresas. Atenta a esta realidade e verás que o teu coração também não se afasta destas características. Dá-lhe oportunidades e verás que ele te poderá conduzir à felicidade, mesmo com um homem com quem não supunhas.

- É a pensar nessa plasticidade, que eu irei dar uma oportunidade ao meu coração e ficar a conhecê-lo melhor. Realmente, acho que cada um de nós não conhece o coração que lhe bate dentro do peito e não sei se alguma vez o conhecerá…

- Bem verdade… O coração dá-nos lições permanentes de adaptação a realidades tão diversas. Na vida não há, nem haverá certezas de nada. O nosso coração reflectirá isso mesmo e cada”badalada” dentro do peito é como o pêndulo do relógio em que para além do último balanço, nunca se saberá o que poderá acontecer…

- Bonita figura de estilo! No teu falar me prendi. Não queiras reacender-me a chama da paixão…Sonhei para mim um homem assim, como tu: ponderado, reflexivo, bom conselheiro…

- Certo. Homem como o que acabas de descrever, eu chamo de normal. É isso que eu sou, um homem normal. Não queiras ver, o que não existe. Não te deixes enganar pela ilusão, fantasia ou aparência.

- Até na humildade, me fascinas Teu jeito singular, é cativante…

- Ok. Não te quero contrariar, mas…

- Mas?

- Mas, serei obrigado a dizer-te que há alguma alucinação nas tuas palavras.

Adiante, terminariam o diálogo que doravante se repetirá cada vez menos. Rodrigo faz questão de se afastar e permitir que Felizbela se volte por inteiro para o novo namorado, de modo a cultivar e consolidar o idílio. Às insistentes mensagens para o convidar para o MSN, Rodrigo, ou não responde, ou responde evasivamente. A sua estratégia visará ajudar Felizbela a sair da ilusão em que havia mergulhado, por conta de um amor proibido. A sua conduta não irá de encontro ao que a jovem pretenderia, mas reflectirá uma vez mais o seu elevado sentido de responsabilidade. Não alimentar um amor proibido é algo que Rodrigo quer e deseja veementemente. Ele apareceu na vida de Felizbela numa altura em que ela se achava mergulhada na solidão e carecida de afectos e que por filantropia, Rodrigo se disponibilizaria para ajuda solidária e amiga. Encerrariam deste modo uma aproximação frequente, para dar lugar a episódicos encontros.

Com um vazio por preencher, a Artur Jorge ser-lhe-ia dada a oportunidade para namorar com a mulher que tanto desejava. Venceria a inércia de Felizbela e o namoro ganharia empolgamento no seu coração. Na jovem nem tanto. O “fantasma” do passageiro do comboio continuará muito presente por algum tempo mais, o qual retira, o entusiasmo esperado de um namoro. Seja como for, a satisfação de A. Jorge é por demais evidente. Não é todos os dias que um homem tem diante de si, uma mulher tão interessante quanto Felizbela. A vaidade e o ego cresciam desmesuradamente e esse testemunho fazia-se à custa de frequentes presentes que A. Jorge dava à namorada. Além das habituais saídas para jantarem em restaurantes de boa qualidade e ambiente, o primeiro e mais significativo presente seria um relógio de pulso, de marca. Esta surpresa aconteceria no intervalo de tempo que antecedera a sobremesa. Felizbela, acolheria com satisfação a oferta e uma lágrima de emoção rolaria lentamente, alojando-se no canto da boca. A seguir, estenderia os braços e daria as mãos na direcção de A. Jorge, que as afagaria com especial carinho. No fim, um sentido beijo seria trocado entre eles…

Aparentemente, o namoro parece ter todos os ingredientes esperados e à certeza de não poder contar com Rodrigo, a jovem vira-se para A. Jorge, criando a expectativa de que o amor ainda iria surgir. Multiplicar-se–iam os encontros entre eles, uns mais plenos de entusiasmo, outros nem tanto e alguns poder-se-iam considerar frios. Até aqui, nada de anormal. Felizbela compreendia melhor que A. Jorge o porquê desta inconstância. O seu estado de espírito e a sua cabeça nem sempre estavam presentes e não respondiam às expectativas criadas pelo namorado, levando-o a questioná-la se estaria doente, sempre que se apercebia de frieza da jovem. Invariavelmente, desculpava-se do modo mais convincente e Artur Jorge acabaria por compreender e até manifestar vontade para querer ajudar dentro das suas possibilidades, que Felizbela recusava sempre, dizendo que seria passageiro o aborrecimento.

Dentro do peito da jovem bate um coração triste, amargurado por um sonho irrealizável e que vê tardar o esquecimento definitivo do homem idealizado. A esta lembrança se devem as inconstâncias e inseguranças do efectivo namoro, este também idealizado por A. Jorge com a mulher que o traz alucinado por uma paixão que já vinha do tempo em que Felizbela ainda era casada.

Entregue a si mesma e perante o dilema de dar continuidade ao namoro ou alimentar expectante uma oportunidade de Rodrigo, a jovem, para se estribar numa decisão mais segura, confessaria a uma colega o seu quadro afectivo.

Ivone passaria a ser a dona das suas preocupações, a auditora certa e assertiva para a ajudar a tomar decisões ajustadas à realidade.

- Tenho andado mergulhada numa confusão…

- Confusão? Nunca me apercebi de nada. Aliás, até me parece que és uma mulher feliz e que soubeste superar muito bem, o revés por que passaste. Eu não teria a certeza de o ter feito tão bem, quanto tu.

- Esse eu superei, sim.

- Então, tens mais algum? Falta de saúde, de dinheiro? Nenhum destes me parece, mas só tu saberás quais são as tuas maiores preocupações. – Tens novo namorado e sabe-se que gostas dele, e tudo leva a crer que ele também gosta de ti, que mais queres?

- As aparências iludem…

- Não penses assim…Não tenho dúvidas de que ele gosta de ti. Porquê tanta desconfiança? E além disso, é boa pessoa e está bem na vida. A ti nada te falta para o fazeres feliz. Confia em ti, e ele certamente não duvidará do amor que lhe tens.

- Realmente, as pessoas nada sabem da vida de terceiros. Também já ajuizei muita gente e certamente fui muito injusta. Nem sempre ou quase sempre, o que parece é.

- Não entendi. Estás a dizer-me que não é notório que o amas? Alguém duvidará? E se alguém duvidar que mal tem, se ele tem a certeza?

- A certeza dele, será a minha dúvida…

- Não mulher. Não inventes. Ninguém duvidará do teu amor por ele e ele muito menos.

- Não percebeste…

- Percebi, percebi. E olha, não sou só eu a perceber. Toda a gente já percebeu que andas caídinha por ele e que estás apaixonada. A tua paixão é contagiante. Anda no ar…

- Serei obrigada a perguntar a mim mesma se sou amante ou actriz. Será que faço bem o papel e Artur Jorge não se apercebe?

- Porque falas assim? Até parece que nem o amas…

- Não compreendeste, onde queria chegar. Tentaste adivinhar pelo que te pareceu…Também já fiz julgamentos errados e o teu é também um bom exemplo de como não se devem ajuizar os outros pelo que nos chega através dos sentidos.

- Então, sê clara…Não pretendi ajuizar mal, mas confesso que os sentidos nos podem conduzir ao erro. Certamente, também já fui julgada pelo que pareci aos outros. Digamos, que é uma debilidade da mente humana, julgar pelos sentidos e não pela razão. Desfeito o equívoco, sê clara e verás que não me custa nada penitenciar-me do erro cometido.

- A confusão que te queria falar tem a ver com o facto de eu namorar com um homem e ter a cabeça noutro. Não sei se já te aconteceu o mesmo. Isto a mim está-me a fazer muita confusão…

- Nunca o disse a ninguém, contudo, e já que estamos numa conversa de intimidade e confiança, digo-te que já passei pelo mesmo. Quando namorava com o meu marido, tantas vezes fui assaltada pelo desejo de ter nos braços e nos lábios, Luís Carlos, um moço que apenas conheci fisicamente e de quem pouco mais sabia que o nome e com quem nunca tivera aproximação. Namorava ele com uma moça da escola, chamada Beatriz, e percebi que tinha inveja, mais inveja que ciúme dela, quando passava por eles. Até baixava os olhos no chão para não mostrar a minha cara comprometidamente invejosa. Essas coisas são normais na adolescência.

- Dizes bem: são normais na adolescência. Eu já não sou adolescente e estou a viver uma sensação dessas, uma sensação algo estranha. E sabes porquês?

- Diz.

- Conheci um homem numa viagem de comboio e deixei-me seduzir por ele. O seu falar, o seu físico, sei lá…tudo me fez sentir por ele um desejo de o possuir.

- Oh mulher, isso é passado. Só porque o viste no comboio uma vez, ficaste apaixonada? O Luís Carlos deixou-me “apanhada” porque o via todos os dias, senão nada teria acontecido. Agora tu…!!!

- Dizes bem. Se só o tivesse visto uma vez e naquele dia, certamente tudo já teria passado ao esquecimento. O problema é que o vejo todos os dias e com ele converso…

- Ai sim? Ele é daqui? Nunca me apercebi de nada!

- Ah, pois não. Nunca te apercebeste nem te aperceberias se eu não te dissesse. Ele está todos os dias na minha casa e vem à noite para estar comigo e só vai embora na madrugada…

- Hum…que homem é esse que não se assume? O mais certo é que seja alguém que te queira apenas para gozo. Tem cuidado…Que não seja necessário sentires arrependimento…

- Risos…É na Internet..

- Na Internet? Os homens da Internet não podem entrar nos nossos corações. Tudo é ficção, tudo é virtualidade…

- Se é ficção ou não, não sei, o que sei, é que me faz muito bem…

- Desculpa dizer-te: isso é postura de adolescente. – Pior ainda, é ser lunática… – Não pretendo ofender-te, tão só dar-te alertas…

Para se justificar e justificar a sua paixão, Felizbela trazia consigo uma foto de Rodrigo.

- Tenho aqui uma foto dele…Toma, vê…

- Que vês neste homem? Achas isto, um homem bonito? Desculpa, mas deves andar apanhadinha. Isto não passa de um homem igual a tantos outros…

- Seja…mas para mim não é…

- Posso-te fazer uma ou outra pergunta?

- À vontade. Responderei com sinceridade. Senão confiasse em ti, não estaria com esta conversa. Admito estar confusa, por isso te procurei, esperando de ti palavras sensatas e que me ajudem a tomar decisões assertivas.

- Não te parece que a Internet seja um veículo que conduza a um amor erróneo, sem saída e igualmente demolidor dos sentimentos? Em boa verdade, sei de pessoas que se apegaram e se apaixonaram na net, mas essas pessoas fizeram-no porque não viam alternativas sérias e concretas para a sua solidão e carência. Não é o teu caso. Tu tens quem te queira. É um caso concreto e palpável o que Artur Jorge tem para te dar. E entre o certo e o duvidoso, não tens como duvidar do certo e certificar o duvidoso…

- Estar no teu lugar é fácil ter opinião e é fácil dar conselhos. Aliás, percebe-se que há sensatez e equilíbrio no teu pensar. Não estou a duvidar de ti e do teu propósito. Só queria, era saber como sair disto. Como vencer esta paixão que me consome, que me amesquinha, que me faz sentir louca, tola e ridícula. Que devo fazer para o esquecer e tanto mais que se trata de um homem proibido?

- Homem proibido? Proibido porquê?

- Porque é casado e segundo sei, feliz e bem casado.

- Então, é mais fácil ainda. Se é como dizes, o bom-senso e a razão ajudar-te-ão a resolver.

- Pois…também pensei que seria fácil. Quando quis esquecer-me dele, já era tarde. Não havia equacionado o seu estado de homem casado. Esta condição não entrara nas contas e o coração ficara cego e tudo valia para conseguir o objecto do desejo. É um sentimento que queremos ver resolvido a nosso favor, nem que hajam perdedores.

- Diz-me uma coisa: esse homem dá-te razões ou promete-te amor?

- Não. Ele diz que só quer ser meu amigo.

- Ele diz-te isso? Parabéns a esse homem! É raro aparecer alguém na net que use de tanta seriedade! O normal é prometerem este mundo e o outro…- Façamos um ponto da situação: Homem proibido, só quer ter amizade contigo. – Perante este quadro, não há como não o deixares e voltares-te para A. Jorge.

Terminaria deste modo a conversa entre amigas, tendo Ivone o cuidado de deixar no ar matéria para reflexão.

Felizbela, veria reforçada pela amiga o lado racional para a resolução deste dilema, transformado em imbróglio mental. Quando em vez e liberta dos alucinantes pensamentos, concluía que A. Jorge até poderá ser a solução acertada, porque também ela acha que o amor se cultiva, qual semente lançada à terra. Se bem cuidada, cresce, floresce e dará fruto. O que será necessário é aprender esse cultivo.