UM VELHO NUM CASEBRE ABANDONADO
Em uma velha pintura, numa lasca de madeira, sentado sobre um cepo a meio palmo do chão, um velho vegeta na pobreza extrema e completo abandono.
Pode ser um moço. Sofrimentos, tanto quanto os vícios, geram velhos.
Que é um velho se advinha em razão das carnes flácidas nos braços e no peito descobertos pela estopa encardida e áspera com que protege as costas. Ele parece observar resignadamente algumas poucas brasas que ainda aquecem o montinho de cinzas no chão batido do casebre, que também se encontra em decomposição.
Trata-se de um náufrago.
Pouco importa se marujo ou capitão. O mar imita os deuses dos destinos, implacáveis justiceiros aos quais nós cristãos apelidamos de Divina Providência.
Ele é um náufrago. Pouco importa quais tenham sido as correntes que o arrastaram. Pouco importa qual tenha sido o mar que o quis tragar. Sabendo-se que tudo se esgarça, oceanos também podem ser de areia. Correntes e mares, quaisquer que tenham sido, o despiram de seus rótulos.
Ele é agora um farrapo quase sem poder e sem vontades. Vegeta destituído de orgulhos e vaidades. Fenece despido de seus ódios e rancores. Alheio a teorias e saberes, é inerte às gulas e aos odores.
Mas, não está morto.
Ele ainda vive!
E a prova de que vive é seu olhar. Esmorecidos por si mesmos, brilham seus olhos refletindo a luz das brasas que se apagam lentamente.
Ele ainda ama. E, porque ama, sobrevive a todas as desditas.
A fogueira é a fonte do calor que ainda resta.
A fogueira, no que de mais perene ainda palpita, simboliza a mãe, a família de onde veio.
Há de sobreviver!
Sobreviverá por certo enquanto houver um resto de calor nessa fogueira.