UM VELHO NUM CASEBRE ABANDONADO

 

Em uma velha pintura, numa lasca de madeira, sentado sobre um cepo a meio palmo do chão, um velho vegeta na pobreza extrema e completo abandono.

         Pode ser um moço. Sofrimentos, tanto quanto os vícios, geram velhos.

Que é um velho se advinha em razão das carnes flácidas nos braços e no peito descobertos pela estopa encardida e áspera com que protege as costas. Ele parece observar resignadamente algumas poucas brasas que ainda aquecem o montinho de cinzas no chão batido do casebre, que também se encontra em decomposição.

Trata-se de um náufrago.

Pouco importa se marujo ou capitão. O mar imita os deuses dos destinos, implacáveis justiceiros aos quais nós cristãos apelidamos de Divina Providência.

Ele é um náufrago. Pouco importa quais tenham sido as correntes que o arrastaram. Pouco importa qual tenha sido o mar que o quis tragar. Sabendo-se que tudo se esgarça, oceanos também podem ser de areia. Correntes e mares, quaisquer que tenham sido, o despiram de seus rótulos.

Ele é agora um farrapo quase sem poder e sem vontades. Vegeta destituído de orgulhos e vaidades. Fenece despido de seus ódios e rancores. Alheio a teorias e saberes, é inerte às gulas e aos odores.

Mas, não está morto.

Ele ainda vive!

E a prova de que vive é seu olhar. Esmorecidos por si mesmos, brilham seus olhos refletindo a luz das brasas que se apagam lentamente.

Ele ainda ama. E, porque ama, sobrevive a todas as desditas.
A fogueira é a fonte do calor que ainda resta.

A fogueira, no que de mais perene ainda palpita, simboliza a mãe, a família de onde veio.

Há de sobreviver!

Sobreviverá por certo enquanto houver um resto de calor nessa fogueira.

 

 

 

Lucas Menck
Enviado por Lucas Menck em 23/10/2008
Reeditado em 30/10/2008
Código do texto: T1243594