A NOSSA AVÓ FOI A SEMEAR…

PARA SE COLHEREM FLORES NA PRIMAVERA…

Beja, 22 de Maio de 1992

Velha sentada olhando o MAR...


‑ Ó Dade, chama a avó. Vamos comer...São horas. ‑ Isto diz a mãe Cristina chamando da cozinha, a pensar nas aulas e na escola...

 

‑ Não sei dela mãe. Inda agora estava aqui! (A Dade chama do quarto para o escritório.) ‑ Ó Rita, chama a avó. Vamos comer. O pai está a chegar...

 

‑ Já vou. É só arrumar estes papéis... A avó está na sala com certeza, sentada no sofá a fazer alguma coisa… a ver o campo..., as flores...

(A Rita olha pela janela...)

‑ Olha, o pai já vem aí... E parece que a Diana vem também.

Afinal o pai dela não está melhor...

 

(A Diana e o João chegam quase ao mesmo tempo.)

‑ OH! A Diana,... Vem mais uma vez ver a avozinha... ‑ ri o João que vem das voltas, do trabalho. ‑ Deve estar a fazer renda no seu canto. Vamos meninas. Para a mesa... Temos visitas e temos que fazer...

 

(Quase não se dava conta dela.

Cozia umas meias... Remendava...

Dava uma mão aqui e outra além...

Já quase não saía...)

 

(‑ Ah! se fosse como há uns tempos! Quando podia!..., não se ensarilhava esta meada... Meninas, ajudem aqui a avó. Puxa este fio, Dade. E tu, ó Rita, puxa este aqui... É preciso desenriçar este novelo que ficou todo enleado... neste estado!... Agora, já não posso!... Já me falta a vista!... E o jeito!... E a paciência!... ah! a paciência e o tempo? agora até devia ter de sobra! – isto dizia ela a rir... ‑ às·vezes fico aqui a ver os campos que se estendem até à Vidigueira... Até perder de vista!...)

 

‑ Mas onde foi a avó? Está sempre aqui! Onde foi que ela se meteu, desta vez? – perguntam agora todos já um tanto aflitos, intrigados da demora...

 

‑ Ah! a avó Cristina? Vocês procuram a avó que dizia que eu tinha uns olhos lindos!?...

Ah!, se calhar eu vi-a. Quando vinha da escola, ao passar a rua, eu vi passar uma velhinha que ia a colher flores por aqueles campos...

aqueles..., ali em baixo... Mas não colhia muitas. Não havia!... – isto dizia a Diana. ‑ Mas pensei que não era ela! Ela nunca saía!!!

 

 Jardim com banco

 

Era Primavera!

São vinte e dois de Março de noventa e dois.

Mas este ano, com a seca,

o Verão chegou mais cedo,

e as searas ficaram louras de maduras,

muito pobres, enfezadas, quase sem grão!...

Não sei que aconteceu!...

 

‑ A avó, disse o meu pai que às vezes é poeta,

e às vezes se põe a divagar... ‑ isto dizia a Diana a rir! ‑

ele disse que a avó,

cansada, de tanto procurar

as flores que não havia,

sentou-se à sombra duma árvore a descansar....

Ele é um tonto, sabem, não lhe liguem.

eu conto só o que ele me contou...

Então ‑ continuou a Diana a contar ‑

a avó cansada, sentou-se a descansar… Já descansada, começou a dormitar

e a sonhar

começou a contar histórias

naquele jeito que as avós têm de contar a fantasia

como se fosse uma verdade

ainda mais verdadeira que a realidade!...

e contava...

contava que ela era uma semente pequenina

que andava perdida ali no campo

por já ser a Primavera

e este ano haver tão poucas flores…

e andava a procurar

a ver se a encontrava

a Primavera...

Como não a encontrou,

(o Verão veio mais cedo, o manganão),

cavou uma cova ao pé da sombra

daquela árvore muito grande para a proteger...,

nem se lembrava que só estava

a contar uma história de fingir, o faz de conta,!

meteu-se nela,

e ficou ali, à espera de nascer!...

Só que desta vez a fantasia, era mesmo verdade,

como ela nos dizia, nas histórias de fadas de encantar...

"Isto é tão verdade, como eu estar aqui e tu aí,

mais verdade que o que vemos com os olhos e os sentidos..."

 

E era mesmo verdade.

‑ Acreditas, Rita? Acreditas, Dade?

Que será aquela semente? O que não será?

O que irá nascer naquele jardim

daquela semente tão original

que nasceu dentro dum conto só da fantasia?...!

 

Vamos esperar para ver...

Agora, todos os dias de manhã,

muito em segredo, sem ninguém dar conta,

da varanda da casa sobre os campos e as searas

vamos espreitar para o jardim

à espera que chegue a Primavera...

 

Transformada em semente, a nossa avó,

vai dar com certeza uma flor muito bonita

que vai encher o Mundo de mil cores,

na próxima,... e noutras Primaveras...

As flores mais belas,

são tão efémeras!

duram tão pouco!.

mas quando morrem desfazem-se em sementes

aos milhares

que depois se multiplicam em mil flores

de muitas cores...

 

Como não sabia o que fazer,

nem tinha nada para agradecer o

terem dado uma avó para a Diana e

uma família, quando adoeci,

aí mando essa história que sonhei, ou vi,

para que a morte, que às vezes é tão negra

e causa tanta dor,

seja uma esperança de que

a Primavera vai chegar, mesmo este ano de seca...

Não tarda mesmo aí.

É semear. Depois... é só esperar.

 

Zé do PENEDO

Penedo Gordo, Beja

22 de Maio de 1992

mulher viúva caminha sobre as nuvens