ACONTECEU NUMA NOITE DE AMOR
 

 
            Terminava o verão, tempo de calor.
          Lá no céu infinito uma estrela passava apressada, iluminando os cantos escuros para as almas que seguiam ditosas rumo ao paraíso. Dos olhinhos da estrela caiu uma gotinha de luz, que ao chegar à atmosfera recebeu as boas vindas do orvalho e chegou finalmente a Terra pousando sobre uma das pétalas de uma rosa vermelha.
          Atento a todos os mínimos sucessos que ocorriam no jardim, o girassol piscou um olho para a rosa vermelha que corou baixando os olhos, contente, feliz. Era recatada demais aquela rosa tola. Mas o girassol a amava e, por isso, guardou silêncio. E a gotinha de luz permaneceu ao abrigo da pétala vermelha.
          Por aqueles dias o principal assunto entre os seres do jardim era a ausência do jardineiro. Nos últimos dois dias não viera colher as flores para os adornos das mesas nos salões de festas, ou para os pés da Santa. Talvez estivesse doente.
          -- Precisamos chamar a bruxinha. Em dois tempos ela prepara uma poção de saúde para o jardineiro. - disse o raminho de alecrim.
          -- Estou achando que ele não está doente. - disse o botão de rosas. 
          -- Terá deixado o emprego? - perguntou o girassol interessado em animar a prosa para que ninguém notasse a alegria incontida da rosa vermelha que abrigava oculta a gotinha de luz, vinda dos olhinhos da estrela.
          -- A! Isso eu não sei. - disse o botãozinho de rosas com uns trejeitos que sempre enchiam de ciúmes o cravo vermelho.
          -- Ontem mesmo o jardineiro estava em pé na soleira da porta do escritor. Acho que interessado em pôr os olhos nos contos, ou nas ilustrações, sei lá!
          -- Como sabe que ele esteve em pé na soleira da porta do escritor? - grunhiu o cravo com chamas nos olhos sobre o botãozinho de rosas.
          -- Calma! - sentenciou o anãozinho de jardim. - Não vamos recomeçar com cenas de ciúmes no jardim. A informação que nos traz o botãozinho de rosas é bem vinda. Tomara que o jardineiro não esteja mesmo doente. Tomara que esteja apenas bisbilhotando por aí, interessado nos contos ou nas ilustrações. O nosso problema é outro. Alguém precisa colher as flores para os enfeites de mesa e para os pés da santa.
          -- Que não seja um principiante! - gemeu o botão de rosas.
          A lesminha riu dizendo:
          -- Imaginem! Chega um principiante e leva o botão de rosas para enfeitar mesas de bailes.
          -- Deus me livre! - esconjurou o botãozinho de rosas -. Minha vocação é outra.
          -- Seguindo sua vocação – resmungou o cravo – você vai acabar em salão de boate.
          -- Bem que você gostaria de estar na lapela do escritor. Pensa que não sei?- disse o girassol em defesa do botãozinho de rosas que fez uma carinha ressentida.
          -- Calma! - voltou a dizer o anãozinho de jardim. Todos somos enfeites. Não há demérito algum para as flores que ornamentam as mesas, os pés da santa, ou as salas de boates, ou mesmo as lapelas de paletós de escritores sonâmbulos e casmurros. O nosso problema é que, sem o trabalho do jardineiro, não há quem venha colher as flores.
          -- Oche! Oche! Oche! Quache! Quache!- fez o sapo de olhos grandes chamando a atenção de todos os habitantes do jardim para um acontecimento inusitado. Aproximava-se uma garota linda, que vinha descalça, surgindo não se sabe de onde. Tinha orvalho brilhando em seus cabelos e usava uma roupa longa que parecia feita de véus. Era assim uma representação perfeita da deusa do amor.
          Vinha em paz, mas como não sabia que os seres do jardim também falam não lhes disse nada. Apenas entrou com cuidado para não machucar raminhos ou flores e tendo acariciado a cabecinha do anão de jardim, quedou-se diante da roseira de rosas vermelhas.
          Seus dedos longos acariciaram a rosa vermelha que imediatamente corou. 
          Usando uma tesourinha que parecia ser de ouro, a moça cortou o cabinho da flor vermelha e a conduziu com todo o carinho para enfeitar seus seios. Queria estar bonita e com cheiro de rosas para fazer amor com seu amor que, adormecido, sonhava com ela.
          E foi assim que a moça bonita levou para casa, na pétala da rosa vermelha, a gotinha de luz que caindo dos olhinhos da estrela dsceu dos céus.
          E foi assim que nasceu da gotinha de luz, uma linda menina que veio a ser chamada de Maria Vitória.
          As pessoas não sabem que a mãe de Maria Vitória a colheu num jardim. E a mãe de Maria Vitória imagina que a filha seja uma flor comum, ainda que muito linda. Mas o botãozinho de rosas segredou aos ouvidos do escritor:
          -- Aquela menina é uma estrelinha que veio do céu, numa noite de amor
.
 
 
Um conto para uma amiga dileta.
Lucas Menck
Enviado por Lucas Menck em 23/03/2009
Reeditado em 30/10/2009
Código do texto: T1502373
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.