SAPO PAIXÃO? (Infantil)

Como? Uma história começa assim, com uma interrogação? Pois é, para você descobrir a história, leitor, vai precisar ler até o final, e olhe não vale pular o começo e o meio para ir ao fim. Dessa maneira você vai perder uma história de arrepiar!

As construtoras queriam, porque, queriam comprar aquela parte de terra. Terra? Um pouco molhada, por sinal, conhecida por todos como: brejo. Queriam tirar toda a água e fazer ali um daqueles prédios, altos, que, de tão altos; parecem entrar nas nuvens.

O desmatamento seria um arraso! Arraso de fato! Mataria toda a fauna e a flora do brejo Paixão.

Uma família inteira mudou para lá. Eram os sem-brejos. Foram expulsos do brejo, onde viviam há várias gerações. É que já estavam começando a construir uma catedral moderna, diferente daquela em que o povo entra para fazer oração. A catedral do Brejo da Cruz é feita para o consumo. No mundo todo ela é conhecida como shopping Center!

A família de anfíbios não conseguia ficar fora d'água. O pai conhecido no Sapy society do brejo, como Bufo Ictericus tinha o apelido de Cururu, já a mãe, pequena, magra, com bem cuidadas e pintadas membranas entre os dedos, de nome pomposo, Osteocephalus Taurinus! Para os íntimos, Senhora Perereca!

O casal estava criando muitos filhotes. Dentre todos os sapos e pererecas um irmão se destacava. Com dois chifres na cabeça, uma boca enorme, um rabo pontudo que insistia em crescer. Sempre faminto era ridicularizado por todos por sua feiúra. Parecia ameaçador, mas era uma figura! E que figura!

Bonachão, carinhoso, feliz. Nossa! Como ele era feliz! Não se importava com o que falavam dele. Parece que tinha encontrado, a tal da felicidade, residente no interior do seu corpão desajeitado.

 Fora abandonado ainda nenê, embrulhado numa trouxa de musgo amarelado. E quando falava ninguém o entendia. Sem duvida, falava uma língua estranha! Não, não era saponês!

Perereca, como toda mãe que se preza, ao olhar naquela figura, tão medonha, mas ao mesmo tempo, tão carente, o adotou! A sapaiada vocalizava:

_É louca!

_Não é!

_É louca!  

_Não é!  

As horas, dias e meses corriam e os sapinhos e pererecas iam se tornando aborrecentes. Ops! Adolescentes!

  De todos os irmãos um se tornou o melhor amigo de Paixão.

Bufo Marinus tinha uma cara de poucos amigos, e, armava uma briga a cada piada ou insulto feito ao irmão esquisitão. Os dois não se largavam.

Bufus um dia se deu conta do perigo que passava ao lado do irmão. Paixão, definitivamente não era como ele ou qualquer outro da classe Amphibia. Todo dia sofria uma metamorfose. Seu peso e sua altura acima da média assustavam a todos. E como comia; insetos, caramujos, anfíbios, macacos, cobras, porcos, veados, javalis, tudo ele abocanhava!

_Paixão, Paixão! Você comeu a sua manta de musgos. Aquela, que eu guardava de recordação. Sua primeira roupinha de bebe.

_ Mamãe não fale assim, ele a comeu sem querer!

_Como? Sem querer! Buffus, ela estava bem guardada sobre a rocha dos cristais.

_Deixa prá lá, mamãe, agora a manta já virou refeição.

Um dia um homo imbecilis atirou em um Morphnus guianensis. Foi só pena que voou da perna do Mophnus, ou no bom português, “Gavião de Penacho”. E ele caiu no brejo Paixão. A população brejeira fugiu correndo por todos os lados.

  Sabe leitor, as aves de rapina, alimentam-se de insetos como gafanhotos, percevejos, vespas. Também comem répteis, roedores e anfíbios. Mesmo desmaiado o gavião botava medo em todos.

Ninguém queria socorrer o gavião. Bufus chamou Paixão e pediu gesticulando com as pernas, através da linguagem de sinais, que ele inventou para comunicar com o irmão.

Gesticulava para ele socorrer e não comer a ave.

Paixão correu por cima da água parecia até que ia alçar vôo. Pegou o doente pela boca e o levou em terra firme. Enrolou o gavião em um monte de algas para aquecê-lo. O tiro passou de raspão e o desacordou. Quanta maldade!E ainda eles se denominam homo sapiens. De homem, esse tal, que atirou no gavião não tinha nada!

Depois de algum tempo a ave acorda! Quase morre de susto quando dá de cara com Paixão o olhando nos olhos.

_SScomos sstas!

O gavião não entendia e tremia as penas, agoniado, com tudo o que lhe estava acontecendo.

_SScomos sstas! SSmachucous ssas ssuas sspernas!

O gavião abriu o bico e escondeu a cabeça de tanto medo.

O grandalhão se afastou e deixou a ave secando ao sol.

Três dias se passaram e o gavião já pulava pra lá e pra cá, com uma perna só. A bicharada resolveu em assembléia que já estava na hora do bicho ir embora.

_Estamos nadando por de baixo de um barril de pólvora.

_É verdade ele me olha esfomeado como estivesse pronto a explodir e me engolir!

Os lambaris tinham razão em tudo que falavam.

_Quem vai pedir prá ele ir comer em outra freguesia?

_Você pode ir falar com ele, Siriema? Você entende o dialeto do gavião!

_Até entendo, mas..., se ele me comer? Quem vai cuidar da minha ninhada?

Por unanimidade o escolhido para espantar a ave do brejo foi o Paixão.

E na língua do S logo deu a notícia para o seu agora amigo Mophnus. Que compreendeu a situação, e alçou vôo dando adeus à bicharada, com o seu grito estridente.

Palmas ressoaram por todo o brejo. E, Paixão foi conclamado, o herói brejeiro!

As folhas caíram, esparramaram o húmus pelo chão, chegou à estação das águas e ninguém mais vivia em paz no brejo. Paixão, agora tinha se tornado inimigo NÚMERO UM da população brejeira.

Como? Inimigo NÚMERO UM, e o que aconteceu com o herói?

Cresceu tanto, mas tanto, que ninguém sabia o que fazer com ele. Desprezado, mal tratado, sentia-se cada vez mais só, até mesmo Buffus tinha medo de chegar muito perto dele.

Um dia Paixão resolver ir embora procurar um lugar, onde pudesse encontrar bichos do seu tamanho.

Quanta desilusão, as florestas e os brejos estavam desaparecendo engolidos pelas queimadas. Atravessou o país escondido nas cargas dos caminhões. À noite, ele aproveitava para dormir, de dia procurava as florestas para caçar. Ele gostava muito de ficar a luz do sol tomando um bronze enquanto digeria a comida.

Muito tempo depois e centenas de quilômetros rodados, se deu conta que uma floresta com árvores de mais de cem metros de altura o envolvia. Assustado e sentindo sozinho, sentou e pela primeira vez chorou. Chorou de saudade de sua infância no brejo Paixão, junto à sapaiada, a sua mãe Perereca e do seu irmão Bufus!

E ainda soluçando dormiu sem pensar nos riscos que podia correr neste ambiente estranho. Acordou; pisoteado, empurrado, amarrado, jogado em cima de uma das toras cortadas do que um dia foi uma árvore, sendo carregado num daqueles caminhões das madeireiras.

Foi vendido para um zoológico. Sorte sua! A sua vida começaria a mudar radicalmente.

_Nossa! Como é que um varanus komodoensis, veio parar no Brasil?

_Que palavrão é esse, veterinária?

_Não é palavrão Henrique, é o nome cientifico do dragão.

_Dragão? A senhora pare de brincar. Todo mundo sabe que os dragões existem somente nos contos de fada.

_Esse é um verdadeiro Komodo Dragon. Ele lembra os extintos dinossauros, e acredite o dragão de Komodo, já vivia na Terra muito antes do aparecimento do homem. Pode ser encontrado em uma ilha de nome Komodo, fica lá na Indonésia, e também em algumas ilhotas do arquipélago. Ele é o maior de todos os lagartos atuais. Chega a ter 3,5 metros de comprimento, seu peso atinge até 130 kg, sua cor varia entre marrom e acinzentado, e pode viver até 50 anos. Em cada pata tem cinco garras enormes.

_Espere vou pegá-lo para a senhora o estudar.

_Nãããããããão! Não faça isso Henrique. Não ponha a mão nesse animal sem proteção!

_Ué! Não estou entendendo nada, Drª Berenice!

_ O dragão é um carnívoro voraz, ele, e os da sua espécie caçam com muita habilidade. Podem matar utilizando sua cauda, garras e mandíbulas poderosas. Quando a sua vítima escapa das suas garras, acaba morrendo por infecção, causada por bactérias presente na boca do dragão. Essas bactérias são tão poderosas, que se um dragão morder a si mesmo morre por infecção das bactérias presentes na própria boca.

_Nossa! Esse bicho é assim poderoso? Veja; Drª Berenice, como ele está assustado.

Os outros empregados do zoológico prepararam um local arejado, limpo, com um córrego artificial e uma arvore de pequeno porte, que assombreava o cativeiro. E, assim soltaram Paixão.

A tristeza tomou conta do animal. Ficava todo o dia olhando para fora das grades, imóvel, nem sequer comia as iguarias lançadas por seu tratador. Preocupados com a sua inanição. a diretoria do zoológico movimentou-se para conseguir uma namorada para o dragão.

Procura de cá, procura de lá e nada! Até que, o zôo de Chester, no norte da Inglaterra, avisou que doaria uma fêmea da espécie, para se acasalar com o macho brasileiro. Passado alguns dias toda a documentação foi enviada.

Os preparativos para a chegada da noiva de Paixão estavam sendo tomadas. Ela ficaria em um espaço dentro da área do macho, mas sem contato físico. Primeiro, os dois tinham que se conhecer para depois ser liberado o encontro deles.

Chegou o grande dia! Era uma jovem fêmea de quase dois metros, pesando 70 quilos. O namoro teria que continuar pela grade até a fêmea ganhar peso e tamanho.

Paixão não continha a alegria, algo inesperado aconteceu para o espanto de todos os que acompanhavam a movimentação.

Através da tela o dragão fez contato com a fêmea, primeiro ele chegou bem perto dela, depois ele foi se esticando, engordando, esticando, engordando..., sua pele foi ficando esbranquiçada, transparente, o seu coração foi visto por todos. Pulsando, vermelho, pulsando, batia descompassado. Uma luz intensa emanou de Paixão e cobriu a fêmea.

O esplendor desse momento foi filmado pelo celular de um dos funcionários. O tempo parou, a natureza silenciou, a paz ficou refletida nos olhos de todos que nunca imaginaram vivenciar uma paixão tão apocalíptica.

Os dragões se tornaram um único ser por frações de segundos para depois voltarem como os animais de antes, isto é, dragões de kômodo.