Os Homens Também Choram

Os Homens Também Choram

( in cor venenum )

o veneno está nos corações

Existe um edifício... o edifício possui poucos andares. Nos poucos andares existem apartamentos que servem de abrigos. Em tais abrigos muitas coisas acontecem... pais brincam com seus filhos; casais se amam; irmãos riem e amigos se abraçam.

Mas, no mesmo edifício, existem áreas geométricas que não poderiam ser chamadas de apartamentos... bem, não podemos deixar de denominá-los de apartamentos pelo simples motivo de não existir fome ou sede de viver. Façamos cumprir o que determina a geometria e chamemos de apartamentos os simples quadrados mortos por falta de sentimentos humanos. Mesmo que de apartamentos só possuam a sua formação geométrica, são apartamentos e mesmo obedecendo ao padrão da geometria, nos tais apartamentos existem grandes anormalidades, além de paredes mofadas, velhas janelas com suas vidraças que além de trincadas, estão sujas. A sujeira não é por acaso e sim, pelo abandono, solidão e poeira gerada pela falta de vida. O que deve-se lembrar é que aqueles vidros nem sempre foram sujos, muito menos, trincados, como agora estão. E, se nada for feito, ficarão assim ... até quando um forte vento os estraçalhem em pequenos cacos onde poderão sujar todo o chão de cada um dos quadrados que, infelizmente, temos que chamar de apartamentos...

Quanto às vidas...

Se nos primeiros apartamentos havia brincadeiras, amores, abraços e risos... há também apartamentos onde só servem para guardar corpos, segredos e desencantos. E esses apartamentos são cópias de tantos outros.

Já que vimos os apartamentos onde as pessoas são felizes, os que as pessoas vivem, vamos observar algo anormal... vamos observar, só um dos espaços geométricos...

... Nele não há nada além de uma compassada respiração e olhar perdido...

Se ao menos houvesse sonhos, teria a chance de surgir sentimentos, esperanças, vidas quais os primeiros apartamentos!

Nesse recinto não há móvel, além de uma velha cadeira, e, sobre a cadeira, um traseiro que serve de base a um cansado corpo que absorve a nicotina, misturada ao ar de mofo e a respirar tristeza com sabor de desprezo, solidão e morte. No tal apartamento não há nada de excessivo, a não ser, a vontade de não viver!

...Dentro do apartamento, a mirar por entre a velha vidraça, um par de olhos viola um mundo totalmente desconhecido. Um velho... que expira a fumaça que sinuosamente sobe infectando o ar. Tão morta quanto a vontade de vida do homem, está a fumaça, que antes mesmo de abandonar o dono e o recinto, faz uma coreografia e ultrapassa a velha e suja vidraça

O velho que vegeta...

... Depois de passar a trêmula mão, de unhas amareladas, sobre os cabelos, levanta-se da cadeira e olha o mundo e...

– Garoto miserável! –Resmungou o velho.

O velho nada mais faz a não ser xingar.

Indiferente às críticas e resmungos, o garoto transborda a vontade de viver: está feliz com o seu brinquedo, e, ao perceber que o velho está a observá-lo, pára de brincar com a peteca e sorri. O garoto coloca as duas mãos sobre o seu pequenino rosto, acena para o homem e dá-lhe língua enquanto foge, correndo.

Nos outros espaços geométricos que realmente podem ser chamados de apartamentos, onde há vidas... O garotinho também estava sendo observado e palavras são proferidas a ele...

– Que lindo! Aquele menino, tão pequeno e já sabe brincar com peteca. Vou comprar uma peteca para vocês, meus filhos!

– Nosso bebê deve ser assim, tão esperto quanto aquele garotinho!

– Vamos pedir a ele para nos ensinar a jogar peteca?

E, por fim, no apartamento onde amigos se abraçam...

– Podemos comemorar a nossa amizade, organizando um campeonato de peteca!

E, pela velha janela de trincado vidro...

– Esses pestinhas não deviam existir!

E o infeliz homem, ainda se põe a resmungar, à toa, pela careta e língua que o garotinho lhe presenteou... e os seus resmungares continuam enquanto vai-se embora a tarde e a noite chega rapidamente.

Diferentes mundos...

Nos apartamentos, tão próximos e tão distantes do velho que resmunga, os pais aconselham aos pequenos para que durmam e sonhem com os anjos; o casal que fizera amor, exausto, se abraça e sorriem mirando-se nos olhos antes que o sono lhes surpreenda; os irmãos, se aconselham para que durmam cedo para irem à escola na manhã seguinte; os amigos, depois de mais uma vez se abraçarem, se despedem antes de falarem que se verão o mais breve possível;

... E o solitário e miserável ser... bem, o ser não pode dizer a ninguém durmam com os anjos, meus filhos...

Se não tem com quem fazer amor, não se exausta...

... Se não tem parentes, não pode aconselhar aos irmãos para irem ao colégio na manhã seguinte...

Se nem mesmo amigos possui, não pode se despedir na certeza ou vontade de revê-los...

E o vidro do quadrado geométrico perdurará trincado por muito tempo, pois, mais velho e mais frágil que o trincado vidro, está o ser que não tem filhos; que teve medo de amar na vida, e a vida; o mesmo velho que não possui irmãos, muito menos, fez amigos em toda a sua existência! E a sua única certeza, é que as noites serão longas e a solidão, fazendo justiça, baterá à sua porta onde a tristeza faz morada no seu miserável coração, e no silêncio do mesmo quadrado, que por estética da geometria, temos de chamar de apartamento, o homem, que tão cego, NÃO PERCEBERÁ QUE SUAS LÁGRIMAS CAEM.

Carlos Alberto de Carvalho(Carlos Carregoza)

carlos Carregoza
Enviado por carlos Carregoza em 20/09/2006
Código do texto: T244800