O Maior Espetáculo da Terra

A passagem de ano em cidade de litoral não seria novidade para mim. Lembro-me que já presenciara passagens de Ano Novo em Salvador, Aracaju, Fortaleza e até mesmo Copacabana, no Rio, onde a famosa cascata de fogos a escorrer do terraço do Meridien já faz parte da cena.

Também lembro-me de outra passagem de ano onde não fui tão feliz. A maior decepção, dentre várias que não devam ser lembradas, foi a chegada do ano 2000, quando passei enclausurado num ônibus, ocasionado por um louco engarrafamento em Iguaba Grande, RJ. Mas todos os momentos, bons ou ruins fazem parte da vida. Os bons devem ser lembrados para sempre; os ruins, não devem ser lembrados além dos tristes momentos sentidos na pele.

Dia trinta e um de dezembro; mais um fim de ano que parecia ser comum, resolvi, convidado por um amigo, passar na Praia do Forte, em Cabo Frio, já que a distância de São Pedro da Aldeia até aquela cidade não é superior a quinze quilômetros.

Bem, pensava eu que, seria tudo igual ... céus iluminados pela queima de fogos. Exibicionismo de políticos entre nós, pobres contribuintes, depois suaríamos a pagar mais impostos. (risos)

Assim que chegamos à Praia do Forte, deparei-me com uma multidão e, nas fachadas de belos edifícios, uma enorme exposição de luzes que mais pareciam transatlânticos. Todas aquelas imagens me fizeram perceber (desejaria estar enganado), uma disputa em decoração ... frutos da vaidade humana.

No mar, três balsas estavam posicionadas a uns quinhentos metros da orla onde estava o público (para evitar acidentes), como ocorrera em 1999 pra 2000, em Copacabana, onde um homem, atingido por fogos (que eram lançados da areia), veio a falecer.

Na areia, sobre um palanque, uma emissora de rádio a anunciar que dentro de dez minutos o Ano Novo chegaria. E à distância, várias embarcações iluminavam o mar, porém distantes das balsas. Enquanto em terra, a euforia das pessoas era uma verdadeira excitação.

Na praia, a cada momento, o espaço parecia reduzir-se ... havia um aglomerado de moradores e turistas que fundiam-se em cores e empolgação e minha felicidade era estar ao lado da minha filha, de doze anos.

Quando foi anunciado faltarem cinco minutos, as luzes da orla foram apagadas, iniciando-se a contagem regressiva.

As pessoas, creio eu, serem mais de quinhentos mil, pareciam ter combinado. Se antes pareciam estar em feira livre, depois da informação de que faltavam cinco minutos, ficaram em silêncio total.

Era algo surpreendente e não se ouvia quase nada, além da voz metálica do alto-falante a anunciar, atropelando a contagem regressiva, que sessenta toneladas de fogos seriam acionada por controle-remoto.

Eu, acompanhando a contagem, a faltar um minuto para a meia-noite, coloquei a minha filha sobre os ombros para que assim ela tivesse o privilégio de assistir ao espetáculo por completo.

Assim que o número dez deu origem aos demais números em ordem decrescente, até chegar ao esperado e tão desejado número UM, os primeiros silvares e estampidos transmitindo luminosidade aos céus de Cabo Frio foi o sinal de que os fogos foram acionados.

Dos conveses das balsas saíam fogos em forma de palmácias coloridas que nem mesmo em Copacabana eu presenciara anos anteriores. Fogos e a euforia das pessoas que pareciam ter feito complô de silêncio por vários minutos antes da contagem regressiva, a partir daquele último número, tornou-se uma explosão unidos aos estampidos dos pirotécnicos.

Explodiam fogos dos terraços dos edifícios, das embarcações que estavam em alto-mar, e fogos que eram expostos por braços estendidos para ainda mais abrilhantar a festividade.

Fiquei mais impressionado ao perceber que os pirotécnicos acompanhavam os ritmos de músicas clássicas ...Bolero de Ravel (Maurício Ravel); As Quatro Estações (Vivaldi); Danúbio Azul (Strauss) e outras músicas que não consigo lembrar seus nomes.

O contraste dos fogos, a iluminarem os céus, com a escuridão das montanhas, era a cena a fascinar todos os presentes.

Eu parecia hipnotizado, ludibriado por todos aqueles fogos; por cenas que jamais vira em toda a minha vida. Os sons das músicas, os zunidos dos fogos, e, até mesmo os estampidos. Todos aqueles artefatos faziam com que nós mortais, ficássemos fascinados, confusos.

A minha filha, sobre meus magros ombros, tentava dizer-me algo ... alertar-me para o que estava acontecendo bem próximo de nós...mas eu, e todas multidão à nossa volta, extasiados, e não desejando perder nem um segundo, não dei-lhe a atenção que deveras merecia. Toda aquela cena da comemoração de passagem de ano, durou exatamente dezessete minutos.

Pude acompanhar a cadência dos fogos que saíam paulatinamente das embarcações e até mesmo cronometrei todo aquele fascínio que não só me envolvia mas, a todos os presentes.

O êxtase tomava conta do público que boquiaberto assistia a tudo. Assim que as luzes foram acesas, uma salva de palmas a saudar o Ano Novo que surgira a dezessete minutos antes. A saudação de um público que, inconsciente saudava uma Luz que surgira na chegado do Ano Novo. Saudava uma luz que surgira com o intuito de iluminar não só os céus mas, o Universo! Luz aquela que não era artificial, que viera no seu silêncio interior, sem alarde não para nos iludir. Viera para nos fazer refletir.

Era uma Luz que surgira à meia-noite, de maneira sutil, não aos olhos do mundo...mas, para o Mundo! E a luz permanecia ali ...em forma de bebê, ainda sujo pela gosmenta placenta, ao seu lado, uma mendiga, morta, como que em protesto por não termos ouvido seus gritos de desespero (se é que houve gritos e choros), pois, a loucura da multidão a celebrar, sem mesmo saber o que celebrar. Assustei-me com a cena...e percebi que a Vida e Morte são irmãs gêmeas e andam sempre de mãos dadas...

Como pôde uma Luz de tão grande intensidade ter surgido aos nossos olhos sem a termos notado? E refleti...nós, tolos homens, iludimo-nos por artefatos, iludimo-nos por produtos artificiais que só serviram ou servem para nos enganar... para fantasiarmos preces momentâneas, sem meditar sobre o verdadeiro futuro de paz, harmonia e saúde? Não. Fazemos reflexões e agradecimentos momentâneos, automatizados, pois são desejos que não levamos em frente durante todo o ano.

Mas, a frustração que me fez ver a mulher morta, logo se desfez; senti uma onde de paz invadir-me a alma e a refrescar meu coração, quando vi que outra mulher, de branco, em forma de bruma, elevava o recém-nascido para o alto, como que a dizer-nos que, mesmo atrasados, tivemos a chance de presenciar O Maior Espetáculo da Terra, o nascimento de uma criança, e quem sabe, não seria a chance de vermos, PARA CONFIRMAR A HISTÓRIA, O NASCIMENTO DO MESSIAS!

carlos Carregoza
Enviado por carlos Carregoza em 21/09/2006
Código do texto: T245512