Brincadeira de embrulhar bosta

Crianças brincando com um barquinho de papel na água da chuva que escorre na beira da calçada, quando ela para de cair, gritando alegres penduradas em balanços feitos com um pedaço de corda e pneus velhos, jogando bolinhas de vidro no terreno vazio em frente á casa em que morava, deixavam o seu Damião cheio de nostalgia e saudoso dos seus tempos de menino. Na verdade gostava delas, mas como ele era um velhinho muito rabugento e intolerante, elas não tinham o mesmo sentimento por ele e sempre o escolhiam como vítima de suas brincadeiras maldosas.

Abigail e Zezé eram irmãos e se davam muito bem. Duas crianças, que como é costume dizer, do chifre furado.

Era difícil dizer qual era o mais peralta entre os dois e se ela não merecia ser chamada de moleque. De sua mente saiam à maioria das peraltices terríveis que aquela turminha aprontava.

A mãe dela vivia ralhando com ela pelo seu comportamento e pelo hábito que tinha de usar as roupas do seu irmão. Não adiantava comprar um vestido novo, para ela, que ele ficava jogado no guarda roupa e ela só usava se fosse forçada.

Por sua vontade estava sempre de calça jeans, camiseta, tênis e usando um ridículo suspensório que era a sua marca registrada.

Vestida dessa maneira é que ela se sentia bem e vivia no meio daquela molecada travessa, que liderava.

Seu Damião era o Cristo crucificado por aquelas crianças. Ele era um velho aposentado, que morava sozinho em uma casa velha na mesma rua em que aquela criançada vivia, bastante ranzinza e que passava o tempo todo implicando com eles.

Essa era a grande razão dele ser a maior vítima das brincadeiras mais cabeludas que aquela garotada aprontava.

Três dos meninos daquela turminha estava jogando picova, em um terreno abandonado, quando o Zezé chegou perto deles e disse:

- Oi turma. Como é, vamos fazer alguma coisa mais interessante do que jogar bolinhas de vidro uma nas outras?

- Fazer o que cara? A gente ta aqui porque não tem o que fazer. Você tem alguma idéia legal?

- Eu não, mas a Abigail teve uma de valente. Daqui a pouco ela vem até aqui pra falar pra vocês.

A molecada ficou se coçando de curiosidade e assim a Abigail chegou todos se sentaram em sua volta, no chão do terreno, para ouvir a mais nova de suas idéias.

Ela explicou pra eles a mais nova peraltice que bolara e todos ficaram eufóricos para aprontar mais uma, pondo a idéia dela em prática. Foram fazer os preparativos necessários.

Um deles, quando chegou em sua casa, foi até o armário de remédios do banheiro e tomou um golaço de purgante. Outro pegou um copo de leite, que era uma bebida que não gostava, misturou nele uma colher de óleo comestível e o tomou todinho. Todos comeram ou beberam alguma coisa que causou um tremendo desarranjo em suas barrigas e ficaram com desinteira.

Algumas horas depois estavam reunidos de novo. Chegara à hora de por em prática o plano da Abigail.

Um de cada vez foi para trás de um velho barracão, que tinha no fundo do terreno, e defecou sobre um monte de folhas de jornal que a Abigail tinha trazido. Quando o último deles tinha feito a sua parte – dado uma cagada sobre o jornal - eles pegaram aquelas folhas de papel e as dobraram, fazendo um pacote fofo cheio de bosta.

Foram então até a casa do seu Damião, colocaram o pacote em frente à porta, atearam fogo nele e apertaram a campainha.

Quando o pobre velho, ainda vestido de pijama e descalço, abriu a porta para ver quem era, as crianças tinham corrido e estavam todas escondidas.

Tudo o que ele viu foi um monte de jornal em chamas e a sua reação foi pisar sobre ele para apagá-las. Pisou nele com força e o seu pé ficou cheio de merda, que espirrou pra todo lado.

Não via ninguém, mas cheio de raiva ouviu a gargalhada da criançada e uma voz fininha dele caçoando:

- Seu Damião pisou na bosta e ficou com cara de babão.

Atrás dela um coro de vozes também fininhas e cantantes repetia:

- Velho bobão... Velho bobão... Velho bobão...

Ele falou pra si mesmo, chocado com a crueldade da brincadeira das crianças, com o coração cheio de desconsolo e mágoa:

- É, não faltava nada pra essa criançada aprontar comigo! Desta vez me encheram de bosta.

CARLOS CUNHA o Poeta sem limites
Enviado por CARLOS CUNHA o Poeta sem limites em 31/08/2007
Código do texto: T631814
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