Fantasmas da noite

-Apenas fantasmas. Reflexos nítidos de uma vida que não existe. Imaginações. Seres que só vivem na sua cabeça, porém, são mais do que reais. Até quando vai a realidade e onde começa o sonho? Ou seria um pesadelo? Eu gostaria muito de acordar, mas já estou acordada!

Palavras sem nexo. Sonhos perdidos. Promessas quebradas. Sentimentos em decomposição.

-Bem-vindo ao mundo cruel. Ao meu mundo. Ao mundo dos vampiros. Conheça o pesadelo, ele caminha ao teu lado. Aqui não se pode discernir o sonho de realidade, porque, de fato, a realidade é um pesadelo. Aqui não se respira, mas não se sente falta de ar. Não existe frio, nem calor. Nem dor, nem alegria. Embora eu, viva em eterno sofrimento e desespero. Tudo que se tem de fazer é sobreviver, da maneira mais fútil que existe. Sangue… porque, aqui, só existem traidores, sórdidos e cretinos. Bem-vindo ao mundo de esperanças em ruínas. Mate e faça sofrer. É o que todos fazem. E, divirta-se, se puder.

Anariel sussurrou estas palavras no ouvido de Pedro, enquanto ele ainda estava inconsciente. Assim que ela terminou de pronunciar as últimas palavras, e as ultimas gostas de sangue caíram nos lábios dele, Pedro abriu os olhos. Estavam vermelhos e ele estava branco como giz. Apesar de não ter ouvido as palavras de Anariel elas estavam gravadas no coração dele.

-E então… a vida nunca mais será a mesma. E você abre os olhos sobre um mundo nunca visto por olhos humanos, ao lado de uma cretina, que não merece mais nada – ela completou sem olhar para ele. Levantou-se do chão. – levante-se e venha comigo. Peço que me perdoe por tê-lo feito, mas foi necessário. Eu preciso da sua ajuda. – ela se desculpou mesmo sabendo que ele não a perdoaria, mas sabia que ele a ajudaria a conseguir o que queria: vingança, sangue, morte e redenção.

Séculos e eras se passaram desde que a guerra terminara e Anariel nem se dera conta de que talvez o local já estivesse destruído. Apenas precisava desesperadamente achá-lo.

Os elfos já não mais existiam. Ela não acreditava que houvesse algum por aí e se houvesse, nunca o encontraria. O fato era que os elfos haviam perdido a guerra, há séculos. Como ela previra. Como ela planejara. Sentia-se cruel por isso. Suja. Tinha ânsia de vômito, só de lembrar o quanto tinha sido cretina com seu povo, seu verdadeiro povo. Agora, os elfos não mais existiam e ela estava sozinha no meio de monstros. Ela era uma deles. E, como eles, vivia com medo do verdadeiro monstro. Aquele que crescia dentro dela, que se alimentava do resto de alma que ela tinha. Se preparando para dominá-la. Destruí-la. Às vezes ela sentia-se oca e se perguntava quando finalmente reencontraria os olhos de seu sonho. Ela temia esse dia, mas ansiava por ele. Agora, devia apenas parar de pensar nisso e se concentrar em salvar Pedro… ele simplesmente não merecia aquilo tudo. Ele não merecia o egoísmo descontrolado de Anariel e ela reconhecia isso. Mas ele não sobreviveria muito tempo se ela não tivesse feito o que fez. Se não tivesse transformado ele em um deles. Se houvesse alguma maneira de livrá-lo daquilo tudo, ela o faria. E ela sabia que ele também faria tudo para livrá-la do perigo. Os dois possuíam um laço forte.

Caminhavam em direção ao lugar em que deveria estar a Floresta Negra, mas, Anariel temia que não houvesse mais nada. Ela temia que não houvesse um projeto de proteção ambiental para a Floresta, temia que houvesse cidades sobre o templo sagrado dos elfos.

Anariel não se sentia muito bem. Não se sentia mais uma elfa, afinal, não era mais uma há séculos. Mas, ela nunca se sentiu uma, e, não era. Caminhava, pensava e “sentia” como uma vampira. Tinha um vazio que nunca seria preenchido e uma dor inexplicável.

Ela e Pedro caminhavam, lado a lado, pelas ruas desertas de Arguên, a cidade perdida, a antiga cidade dos vampiros. Podiam-se ver as ruínas do antigo castelo. Ele ficara daquele jeito, agora, os vampiros tomavam as cidades, viviam mascarados e moravam em mansões. O sol não chegava mais naquele lugar. Só havia trevas no céu. Por séculos era assim. Por séculos seria assim. Lá no alto, no meio do céu negro, surgiu um dragão branco, Valin, ele desceu ate o chão e olhou para Anariel, depois, foi consumido pelo fogo. Anariel e Pedro não disseram uma palavra. Ela reparou o espanto no rosto dele.

- Não liga não… isso é um bom sinal. Em alguns dias ele volta. Isso é um bom sinal… A Floresta Negra…

Ele continuou olhando pra frente e caminhando como se não tivesse ouvido nada. Anariel calou-se e continuou andando, olhando pra frente. Não iria mais se humilhar na frente de uma cria, era isso que ele era.

O fim estava próximo? Anariel pensava que sim. Pedro ansiava por isso, mas, não estava. Talvez estivesse no fim do começo.

Chegaram ao sul da cidade. Havia uma velha construção de pedra na frente deles. Janelas e portas quebradas. Anariel e Pedro entraram. O teto era alto, as paredes frias. Havia apenas uma estante alta cheia de livros velhos e uma caixinha dourada. Anariel não tocou em nada, apenas observou.

- Nós podemos ficar aqui esta noite… - ela falou sem vontade.

Pedro jogou o punhal e o revolver no chão. Junto com a mochila cheia de armas e munição. Puxou o cobertor e se sentou chão.

Anariel também tirou o revolver e o punhal da cintura e deitou no chão frio e sujo. Um cobertor caiu pesadamente sobre ela.

- Eu não preciso mais disso. Fica. Não sinto mais nada! Muito menos frio! – ele alterou a voz. Anariel colocou o cobertor debaixo da cabeça e ficou observando o teto vazio.

Pedro puxou o revolver pra perto de si. Observava a dor nos olhos de Anariel. Estava com raiva, mas iria protegê-la, mesmo não sabendo como. Pedro não sabia. Já estava praticamente morto, não sentia mais. Somente um enorme vazio no peito. Quase morto.

- Embora quem quase morra esteja vivo… Quem quase vive já morreu. – ele sussurrou pensado alto.

- Nós estamos vivos... – Anariel disse bem baixo, mas Pedro ouviu. Uma lagrima escorreu do olho dele. Estava vivo. Deitou-se e adormeceu.

Anariel
Enviado por Anariel em 24/09/2007
Código do texto: T666835
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