RETORNO À OUTRA DIMENSÃO

Eu estava cansado.

Além de cansado estava frustrado e, minha frustração crescia à medida que o tempo me obrigava a seguir um caminho que eu imaginava que já não era meu. Além disso, sentia saudades das viagens que empreendera já algum tempo, mas que haviam escasseado por motivos diversos.

Naquele dia, eu estava decidido a empreender novamente aquela viagem para recuperar-me em todos os sentidos e especialmente restaurar-me através das energias sutis daquela dimensão. Minhas forças se achavam combalidas pelo embate empreendido nos últimos meses. Uma luta sem trégua entre a razão e a emoção.

Precisava retornar ao mundo que eu havia deixado já há muito tempo e ainda não sabia quando poderia voltar em definitivo para ele. A saudade estava machucando e todas as vezes que me imaginava sentado à beira do lago, ouvindo o canto dos pássaros ou o canto “dela”, aumentava ainda mais minha saudade.

Os meses haviam passado entre uma luta e outra, as coisas mais importantes haviam sido esquecidas e relegadas apenas ao plano do mundo dos sonhos, que também haviam escasseado. Ainda me lembro das palavras dela: “Deixe de questionar, apenas sinta”. Tão poucas palavras pareciam evidenciar toda uma verdade escondida dentro de cada um e estas mesmas pessoas ainda não conseguem entender ou enxergar.

Não poderia dizer que era só saudade. Sentia uma necessidade que me cobrava todos os dias. Era como se outro Eu, dentro de mim, me instigasse à viagem e dizia a todo o momento. “Viaje”.

Eu precisava atender aos apelos do meu Eu maior, sob pena de continuar com um sofrimento que me marcava e tornava-me amargo, sem encontrar motivos para a alegria. Às vezes eu sorria, mas era como uma máscara, porque dentro de mim lágrimas caíam constantemente.

O preço que pagamos por assumir compromissos torna-se resgate e não são raras as vezes em que nos atormentamos com o sofrimento de um resgate que nem sempre compreendemos ou aceitamos. Somos frágeis, por isso tentamos fugir dele, como se resgate signifique sofrimento.

Por estas tantas razões e frustrações eu precisava tanto, viajar.

Enquanto andava, atravessando o trânsito caótico da cidade onde vivia, procurava nos rostos daqueles que passavam por mim uma resposta ao que eu tanto procurava nesta vida: Amor.

Nas viagens anteriores, tivera dela algumas respostas, porém outras haviam ficado como interrogação ao meu concretismo em querer saber e entender tudo de uma forma racional de acordo com o mundo onde vivo.

Além de procurar respostas, eu também queria entender, quando na realidade deveria apenas aproveitar a energia que fluía em tudo e de todos os lugares por onde passava. O racional me atrapalhara.

No mundo humano onde os valores vão caindo cada vez mais rápido, restava-me o consolo de saber que ainda teria minha hora e poderia voltar a viver no paraíso que eu mesmo como homem terreno imaginava. A única comparação humana que mais se aproximava daquele lugar era a cidade de Shangrilá em Horizonte Perdido.

Mas ali era ainda melhor, não tínhamos que ficar presos a desejos e necessidades, as energias do Criador nos supria em todos os sentidos. Não poderia, no entanto, encarar aquilo como uma fuga ou desejo de nada fazer mas sim, como uma recompensa por trabalho já executado em outros planos.

Talvez o sentido do céu, desejado por cristãos ou por religiões, pudesse encontrar ali uma referência para seus fiéis seguidores, que apenas vivem esperando uma recompensa após a morte por terem sido bonzinhos ou por terem seguido preceitos criados por suas igrejas. Ali, a energia do Criador era determinante, tudo era causa e efeito.

Eu não precisava valer-me de tais conceitos e tampouco desejava um céu prometido por igrejas, pela minha obediência cega e sem sentido. Eu queria estar lá, sem necessitar abrir mão daquilo em que eu acreditava. Diante de tais alternativas, continuava perambulando, atento, sem, contudo, deixar de estar ligado à necessidade de uma urgente passagem para que eu me restaurasse. Enquanto andava, a saudade cutucava-me a alma que, naquele momento, sofria.

Da última vez que viajei, consegui poucas respostas, porém voltei fortalecido. Mas, agora parecia que os caminhos estavam fechados, pois as horas transcorriam e apenas o suor ia-se acumulando no meu rosto, o que me obrigava a enxugá-lo sempre.

As calçadas por onde caminhava estavam lotadas de pessoas que transitavam, obrigando-me às vezes a desviar o rumo e me expor ainda mais ao calor sufocante do sol do verão que, segundo alguns cientistas, estava ainda mais quente este ano. Apenas agora eles admitem as mudanças que já vêm sendo anunciada há muito tempo.

O pedinte sentado sob a marquise, ao solicitar ajuda, vale-se de todo tipo de medidas e transfere ao Criador a responsabilidade de quitação do seu débito: “Deus lhe pague”. Esses tantos absurdos vão deteriorando as relações reais da família humana, devido aos excessos que são perpetrados em todos os momentos na nossa jornada em prol de manutenção da própria vida.

Enquanto alguns estendem as mãos com a esmola, procurando com isso enganar um deus interesseiro, outros apenas se esquivam e olham com indiferença a maioria dos pedintes que não passam de profissionais do ramo. Eles abriram mão de sua dignidade por alguns trocados. Os verdadeiros necessitados deveriam estar amparados pelo Estado. Eles sobrevivem como se fosse necessário prolongar ainda mais o sofrimento. Mas como sempre digo, “ninguém é inocente”.

As manchetes dos jornais e revistas expõem as mazelas humanas como se fossem chagas que sangram. Enquanto estas se apresentam como mazelas de uma sociedade desigual, aqueles que têm o poder se divertem em suas orgias como mandatários do poder. O pior de tudo é que a maioria aceita e aplaude as orgias destes.

Depois de ler com atenção as manchetes que falavam do desvio das verbas por corruptos que depois de alguns dias presos são soltos, a dor me bateu o peito e novamente meu Eu diz “até quando?”. As respostas só virão com o tempo e talvez nesta vida eu não as tenha.

Mas o processo evolutivo das sociedades humanas, que necessita de tudo, vai aproveitando mesmo devagar as experiências que são vivenciadas por todos aqueles que vão passando pelo físico e deixando às vezes mais erros do que acerto, embora saibamos que tudo é necessário.

Em vários planos evolucionais as energias com suas nuances de mais ou menos densidade vai dando o tom evolucional de cada espécie em qualquer lugar do universo manifestado. Aquele mundo onde a energia é mais sutil, a densidade é quase nenhuma e só pode ser vista por quem estiver na mesma freqüência vibracional.

Andava bem devagar, tentando ir sob as sombras das marquises de lojas que se encontravam abertas, mas que estavam vazias e dentro delas os vendedores expunham suas dores através de rostos sombrios. Alguns se contentam em comentar algum fato, dentro de conceitos que mantêm e com isso as religiões, os políticos e o futebol são quase que assuntos exclusivos e motivos para conversas. Eles não conseguem sair da rotina de mediocridade.

O carro de som anuncia ofertas que parecem servir de castigo para me torturar, uma vez que não consigo transpor o portal das duas realidades, que parece distante, embora tão perto uma da outra. As lembranças das outras viagens torturavam-me ainda mais.

Atravessei a última rua que me conduzia ao destino final da minha caminhada. Logo mais à frente estava o carro que eu havia deixado fechado. Eu sabia que o calor dentro dele deveria estar insuportável naquele momento. No mundo que habito não se pode deixar de proteger os objetos que pensamos possuir. Ao chegar ao veículo que se encontrava sob a sombra de uma árvore, vi que três jovens haviam feito dele assento e ali conversavam despreocupadamente.

Quando me aproximei e abri a porta do carro, eles levantaram-se e entre uma reclamação e outra, ouvi um dizer:

- “Que saco! Veio tirar o conforto da gente”.

Ao ouvir aquela infeliz observação, ignorei, pois não queria polemizar com crianças e tampouco perder a calma que eu tentava ter, para conseguir transpor-me de um para outro local. Naquele momento, o que mais me importava era minha viagem e não seriam aquelas palavras que iriam impedir-me.

Quando entrei no carro, tive que abandonar a idéia de viagem naquele momento, tinha que estar atento e consciente ao trânsito e atenção ao volante, senão teria que pagar caro, por tentar livrar-me daquele estado de coisas.

Eu poderia deixar a viagem para outra ocasião ou ficar parado dentro do carro, esperando a ocasião para o pulo. Depois de segundos analisando as alternativas, ouvi uma voz que falava dentro de mim, mas que eu sabia que não era o meu outro Eu. Era uma voz de mulher, que em numa comunicação telepática, dizia:

“A viagem será efetuada depois, os campos de energia estão dispersos” e complementou: “Depois entenderá”.

Era ela, que em outras vezes também se comunicara comigo.

Sorri com a mensagem, ela demorara a chegar, mas indicava que o caminho ainda existia e poderia ser trilhado.Eu apenas deveria aguardar o momento certo.

Respirei fundo e, aliviado, coloquei a chave na ignição do carro e girei-a e alguns segundos depois parti.

16/11/06-VEM

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 20/10/2007
Reeditado em 14/08/2008
Código do texto: T701995