O ESPALHA BRASAS - II PARTE

Cerca das 17.00 horas, dirigir-se-iam para aeroporto internacional de Vancouver. Lá chegados, Franklim fez o check-in, não tendo Cidália nem por um segundo largado a mão do namorado. Cada um, seria saboreado na plenitude pelos jovens comprometidos, sob o olhar de pais que interiorizavam felicidade na felicidade da filha. As últimas conversas trocadas apontavam para o próximo encontro em terras Lusas. À hora da partida, despedir-se-iam, não tendo D. Inês sustido as lágrimas, enquanto Julião se mostraria aparentemente calmo e Cidália buscaria energias para aguentar firme as lágrimas, porque não queria contagiar de emoção o namorado. Estas, só rolariam quando já da escada Franklim acenava com os dois braços, num dizer de adeus frenético.

A viagem decorreria muito bem e à hora prevista, pisava solo pátrio. Deu conhecimento por telefone à namorada de que havia chegado e ainda mais determinado para em conjunto alimentarem o sonho reforçado durante a estada no Canadá.

A vida regressaria à normalidade, com sonhos ainda maiores do

que na hora da partida e só no dia seguinte, Franklim abriria uma das malas para dar arrumação aos pertences e qual não foi o seu espanto ao encontrar o ramo de rosas vermelhas, ainda viçosas e perfumadas, tendo nele enterrado o nariz e aspirado o aroma delas emanado com o pensamento mergulhado na imagem de Cidália, testemunhado por um beijo sonoro num botão, por o mesmo não poder ter sido nos lábios rubros da namorada. Cuidou-o com inusitado esmero e entregou-o à mãe, tendo-lhe dito que foi uma surpresa que Cidália lhe havia preparado e que ele, como prova de afecto filial, lhe oferecia.

A mãe agradeceria e beijou o filho na testa, em sinal de respeito.

A última mala aguardaria abertura só no outro dia. O seu conteúdo não era suficientemente tão importante. O estojo de barbear, o after-shave, o desodorizante e outros de higiene pessoal e roupas íntimas estavam na mala já aberta e daí a explicação para que esta última aguardasse a sua oportunidade. Franklim é extremamente cuidado com as roupas e não quis protelar por mais tempo a abertura, para que as mesmas não se amarrotassem. Nunca deixava calças, camisas ou casacos, sem que ficassem no seu devido lugar. Este hábito foi-lhe incutido pela irmã mais velha e Franklim cuidava-o em nome do seu atavio.

Aberta a mala, cada peça seria retirada uma a uma e logo tomariam o seu lugar. Debaixo de uma camisa, “jazia” uma folha de papel voltada ao contrário. Franklim tomou-a, virou-a e deu com os olhos num singelo poema, assinado: Cidália Ribeiro. Leu-o, releu-o e só parou pelo descambar de uma lágrima que, solta se haveria de precipitar sobre o nome da namorada, deixando nele a sua marca. Franklim ficou deveras emocionado e não respondeu ao chamamento que a mãe por ele fazia, por a voz se sentir embargada para a resposta. Desta surpresa não daria conta a ninguém e nos primeiros dias ao deitar, era de leitura obrigatória. Este, era mais um sólido testemunho de amor recebido de Cidália que o faria sentir seguro da conveniência em abreviar o casamento, para obviar à separação de dois corações apaixonados. Cada um em seu lugar, cogitaria muito sobre o futuro e a conclusão seria unânime: protelar o casamento seria protelar a felicidade e ambos sentiriam a prioridade do casamento. Desta meditação, Franklim daria conhecimento à namorada em telefonema que trocaram e Cidália confessaria que também ela veria uma inutilidade prolongarem o namoro. Desta comunhão de ideias e interesses se iria reprogramar a data inicialmente aventada para o casamento. Acertada esta comunhão de interesses, quer um quer outro começariam a divulgar entre familiares, o propósito. Este seria bem recebido e até aplaudido. O casamento daria os primeiros e seguros passos.

Após as duas semanas de encerramento do Espalha Brasas, toda a sua actividade regressaria à normalidade. Franklim deu conta através da imprensa local da reabertura, com promessa de um serviço melhorado.

Julieta e o Sr. Sousa após as inesperadas férias, vieram cheios de entusiasmo em participar no projecto sonhador do patrão e revelavam-no, perante algumas evasivas que Franklim soltava em relação ao futuro. Quer um quer outro reconhecem-lhe mérito e pertinácia nos projectos em que se envolve e participaram-lhe toda a disponibilidade. Julieta, além de fazer o que sempre gostou, ela mesmo sugeriria a Franklim participação em acções de formação nas diversas vertentes da gastronomia e muito particularmente na estrangeira, com especial destaque para a culinária Chinesa e Japonesa, tão em voga. O Sr. Sousa, embora cozinheiro de reconhecido mérito não tinha conhecimento aprofundado sobre a confecção de pratos orientais e nem motivação para aprender. A culinária para ele era mais um passatempo que uma obrigação profissional e o facto de ainda não estar definitivamente retirado da actividade se devia à consideração que tinha por Franklim, em nome e respeito do falecido Vasco Sanches. Julieta soube aproveitar a onda de entusiasmo do patrão e este, por sua vez também soube tirar partido da motivação profissional da jovem cozinheira, e encaminhou-a para uma formação intitulada: A culinária, segredos e transversalidade cultural. Assim, e durante um mês, Julieta frequentaria este curso de componente teórica e prática, com resultado final de aprovado com distinção e menção honrosa, que superou as melhores expectativas criadas pelo patrão, e que ficou a dever-se à ambição, gosto e motivação com que se ofereceu para frequentar a acção, quem sabe, salvaguardando qualquer sonho futuro.

Doravante, o cardápio do Espalha Brasas passaria a inserir pratos de exotismo incomum para a tradição local, tais como: sashimi, sushi, raiscaré, yakimeshi, todos de origem Japonesa e ainda, o arroz chau chau, Galinha com amêndoas, porco agridoce inspirados na cozinha chinesa.

Franklim, é um sonhador nato e pensa adiante vinte anos ou mais, sendo que não se lhe esgotam as formas e os meios de os atingir. Agora, e em paralelo com os sonhos de constituição de família, os profissionais trazem-no ainda mais utópico e neste campo tem dado passos tendentes a afirmar-se como empresário no ramo da restauração, sendo que o seu objectivo último, passará por ser o maior, entre os maiores. A sua juventude não o inibe, antes pelo contrário, catapulta-o e a sua audácia está a ser acompanhada pelos concorrentes directos, sendo que uns aplaudem, outros põe reservas a tanta audácia, a que chamam aventura. A mãe e as irmãs não apoiam deliberadamente nem hostilizam, porque segundo se ouve da boca delas, não querem sentir o ónus da responsabilidade se algo não correr como projectado.

Quem apoia abertamente a iniciativa e promete empenhamento total, é a jovem Julieta, que aqui e ali sugere outras iniciativas e uma destas últimas foi a de em cada dia da semana, haver um dedicado à gastronomia de diversos países, dando cobertura planetária. Assim, a África, Ásia, América e Europa, teriam um dia específico em paralelo com a gastronomia portuguesa das diferentes regiões. Esta iniciativa gastronómica iria ter ampla divulgação, com provas reais, numa proposta sui generis e que rapidamente ganharia clientes. Este golpe de mestre fá-lo sentir-se seguro e mais ainda, ter em Julieta uma indefectível apoiante, a qual não se mostra nada menos sonhadora que Franklim.

Este, ainda não deu a saber ao Sr. Sousa ou à Julieta do seu propósito de casar brevemente, não porque receie qualquer reacção, mas e apenas porque ainda não chegou a hora para o fazer. A si mesmo imporia cronologia para a divulgação e percebe-se que não demoraria muito tempo. A inexorabilidade deste, ditará o momento e amanhã Franklim irá dar a saber aos seus colaboradores.

Chegada a hora, o jovem patrão disse aos dois trabalhadores que queria ter uma breve conversa, no fim de arrumarem a cozinha. Entre Sousa e Julieta cogitava-se qual seria o assunto. Nunca antes Franklim os havia convocado nestes termos e dava ocasião para divergirem no propósito.

Terminada a tarefa, lá estava o patrão a transmitir-lhes que dentro de breves meses se casaria e que a noiva era justamente a jovem que três meses antes havia estado no casamento de uma prima, chamada Deolinda, vocês lembram-se?

- Lembro-me muito bem. Aquela dos olhos cinza-gato.

- Essa mesma, Sr. Sousa.

- Também me lembro bem dessa moça, disse Julieta, com voz um pouco embargada de um nervosismo inusitado pela comunicação.

- Estás nervosa, Julieta?

- Não, Franklim…Apenas pensei que o jantar de despedida dessa moça era uma coisa natural. Nunca fiquei a perceber que entre vocês havia mais que amizade. De resto, se tu gostas dela, o que te desejo é muita sorte e a maior felicidade.

- Obrigado, Julieta.

No final e a fechar a comunicação, Franklim faria um brevíssimo discurso, reafirmando-lhes a continuada soberania em termos de cozinha e que a futura esposa não lhes acarretaria qualquer entrave à actividade. No final da comunicação, O Sr. Sousa fez questão de o abraçar efusivamente enquanto Julieta se ficaria pelas palavras antes emitidas. Cada um retomou os seus lugares e os cozinheiros trocariam impressões sobre o que ouviram.

- Com esta, não contava eu!

- Porque dizes isso, Julieta?

- Por nada, Sr. Sousa. Apenas… porque nunca me apercebi que Franklim estivesse de namoro e a ida dele ao Canadá interpretei-a como um passeio. Só por isso…

- A falar-te o que penso de verdade, digo-te: ele estava bem era para ti, mas tu…parece-me que deixaste fugir a oportunidade…

- Olhe Sr. Sousa, se ele me quisesse, já o poderia ter feito sentir há muito tempo, mas…

Na sequência destas últimas palavras trocadas, os olhos de Julieta marejaram-se e dirigiu-se à casa de banho apressadamente para soltar as lágrimas e limpar-se para o disfarce da pena sentida por uma paixão, nunca tornada pública.

Consumada a informação e a forma peremptória como foi anunciada, pronuncia-se irreversível a marcha para o casamento, que Julieta nunca alguma vez julgou crer tão breve, porque no seu entender, a indiferença de Franklim face às mulheres, fá-la-ia sentir-se paciente. Acharia que o seu tempo chegaria e que mais tarde ou mais cedo o seu estatuto de boa cozinheira, visão futurista e protagonismo, seriam argumentos de sedução para cativar o patrão. O facto de nunca ter havido até ao momento, indícios que lhe alimentassem o sonho, também nunca houve rejeição e até pelo contrário, Franklim tomava pareceres com ela. Tinha-a como suporte anímico, que lhe faltava na família e dela colhia ideias que se enquadravam no seu propósito empresarial. E assim será sempre. Franklim, nunca irá abdicar das suas ideias e Julieta por sua vez, também nunca lhas negará. A jovem cozinheira faz o que gosta e isso representa forte suporte para ser feliz e nem o anúncio de casamento de Franklim a abalará na sua conduta profissional. A futura patroa não tem qualquer experiência no ramo da restauração e Julieta promete a si mesmo todo o apoio e empenho dedicado. Crê-se que muito do que faz e fará, seja por um amor não consumado na prática, mas que existe no coração.

Julieta entrou para o Espalha Brasas aos quinze anos e agora aos vinte e três, igual à idade de Cidália, muitas raízes afectivas se criaram e consolidaram e o seu velado amor a Franklim irá ser gerido com superioridade, não dando oportunidade a quaisquer mal-entendidos.

Franklim reuniu-se com a mãe e as irmãs para lhes falar pormenorizada e objectivamente sobre o casamento e ouvir as suas próprias experiências e opiniões. Falou-lhes que não quer uma cerimónia pomposa e que a discrição e o número de convidados serão aqueles a que racionalmente se não pode evitar. Familiares e amigos de infância e os íntimos do falecido pai, serão as pessoas que convidará. Também disse não querer a boda na sua própria casa, porque Julieta e Sousa também serão convidados. Está a pensar fazê-la num hotel do litoral.

Cidália, já anunciou aos amigos e colegas da empresa, que só trabalhará mais dois meses. Do Canadá, virão ao casamento apenas os pais e irmãos e o Sir. Alex e esposa. Estes, fizeram questão de se oferecerem para padrinhos da noiva e ao mesmo tempo estar por cá cerca de um mês, com o objectivo de ficarem a conhecer Portugal, aliás, um desiderato dos povos do continente americano.

Um misto de euforia e nervosismo parece tomar conta de Cidália, contudo a vontade de ser feliz fá-la encontrar energias onde elas parecem não existirem. As colegas, certamente pela amizade que lhe têm, emitem opiniões pouco animadoras, sobretudo quanto à capacidade de adaptação a novos hábitos de vida, clima e todas as outras questões que uma mudança de país sempre origina. Cidália quando ouve estas opiniões esfria, para logo a seguir se animar pela vontade de abraçar um projecto cuja raiz assenta no amor. É neste pressuposto inabalável que vai orientar estes três meses que faltam para o casamento, dois ainda serão passados no Canadá e o último mês, já em Portugal e junto do futuro marido para acertarem pormenores que se prendem com toda a logística nupcial.

Dos pais, recebe incondicional apoio, o qual a faz sentir-se feliz, aliás, o mais esperado e desejado. Não pensa fazer quaisquer compras relacionadas com o casamento, embora tivesse visto um bonito vestido de noiva exposto numa montra que muito lhe agradaria. Pensou entrar na loja para o ver, mas desistiu, porque acha que o mesmo deverá colher a opinião do noivo. De todas as coisas que quer fazer, uma e só uma a preocuparia e prender-se-ia com a amizade feita na empresa onde trabalha. A festa de despedida de solteira iria ser um momento difícil para Cidália. O afastamento de amizades consolidadas, para um coração afectuoso como o dela, nem sempre é fácil e a reunião de despedida seria marcada por risos e lágrimas, mais lágrimas que risos na face de Cidália.