O ESPALHA BRASAS - V PARTE

Com Cidália fisicamente longe, Julieta sente que, uma oportunidade se lhe depara para dar liberdade ao que o coração sente e a boca há muito cala. O sentimento que a varre dos pés à cabeça, fundamentada numa paixão de vários anos, imaterializada e não esquecida, fá-la reflectir sobre qual a atitude a ter. Esta, conflitua entre o dever de respeito que Cidália lhe merece e o que as leis do amor, do desejo e da paixão, lhe sugerem. Estes sentimentos, parecem tomar a dianteira e as regras da ética tendem a ser ignoradas por impulsos que vão para além da razão. Decidiu então que, devem ser os sentimentos a ditar a lei e nesta medida, promete a si mesma partir para a ofensiva.

Franklim, com a mulher amada longe e com a mulher apaixonada perto, sente-se fragilizado e os sentidos parecem querer ganhar vantagem à razão. Na solidão do seu quarto e até que adormeça, o pensamento divaga ora nos braços de Cidália, ora nos impulsos carnais por Julieta. Para além de estar certo do amor à esposa, questiona-se se o casamento deve ser um juramento de fidelidade sem “nuances” e se a estrada da vida se deve fazer por carreiros que afunilam ou estrangulam as vontades, desejos ou até riscos. Estas questões confrontam-se, dividem e confundem Franklim. Nunca como agora, sentiu que Julieta poderia ter sido a pessoa certa, depois de ter sido preterida por razões que, nem ele sabe explicar. Chega-se a questionar acerca das razões que o levou a não avançar para Julieta e não encontra explicações de peso. Agora, consumado o casamento com uma mulher que ama, resta-lhe gerir os sentimentos e os desejos que o assaltam.

Ao fim de uma semana de ausência da mulher, Franklim sente-se fragilizado e como auto defesa para os sentimentos, procura encontrar-se o menor número de vezes possível com Julieta e sempre que acontece, fá-lo na ocasião em que outra pessoa também esteja presente. Julieta, atenta a esta conduta de Franklim, ainda não encontrou oportunidade para partir para a ofensiva, conforme promete a si mesma, mas ainda assim, mantém em pé a estratégia que lhe vai na cabeça.

Finalmente, o tão esperado e desejado momento aconteceu e a sós.

- Franklim, que se passa contigo? Acho-te tão estranho…parece que foges de mim… Ou estás doente?

- Nada disso, Julieta. Nem uma coisa nem outra. Nem eu sei bem o que tenho… Esquece…

- Lembra-te que, a tua mulher recomendou-me que olhasse por ti…Sabes que podes contar comigo…Por isso…

- Sei. Tu na verdade, és uma alma pura, sublime…A ti, devo muito do meu sucesso empresarial, a ti e a mais ninguém. Tu, também sabes que te tenho no coração.

- Sei tudo isso, mas…algo ficou por realizar na minha vida. Tu, por certo sabes do que falo…

- Entendi. Em boa verdade, nem eu sei o porquê das nossas vidas não se terem cruzado. Coisas do destino…se é que há destino. Tenho uma mulher que amo e uma outra que, tenho no coração. Agora, estou casado e quero ser feliz com o compromisso assumido.

- É isso que deves fazer, na certeza porém, eu quero ser clara e directa contigo e esta ocasião, embora não resolva nada, serve para eu me aliviar da asfixia em que vivo há longo tempo. Agora estou mais madura e desinibida e não quero calar o que o meu coração traz guardado. Será que queres ouvir?

- Julieta, aproveita esta oportunidade e se é como dizes, não te deixes asfixiar. Não quero viver com sentimento de culpa…

- Bom, então aí vai. Tu és o homem que eu gostaria de ter tido e enquanto tu fores vivo, jamais outro homem entrará no meu coração. Sinto-me casada contigo e assumo este compromisso de fidelidade até ao resto dos meus dias ou dos teus…

No fim da pronunciação destas palavras, um pranto convulso irrompeu, deixando estupefacto Franklim, o qual a segurou num abraço apertado, não sem que se tivesse deixado contagiar visivelmente. Por algum tempo se olharam candidamente sem soletrar qualquer palavra, enquanto um e outro, enxugavam as últimas lágrimas vertidas, umas de assumida paixão e outras, só o tempo poderá esclarecer. Afastaram-se trocando beijos, os dela, carregados de desejo ardente, os dele, com o pensamento em Cidália, frouxos de energia e amordaçados pela consciência.

Julieta aproveitou o momento para apagar o fogo que a consumia e doravante, cada um deles terá matéria para reflexão e insónias. Franklim parece mais perturbado que Julieta, algo tenso e confuso. Não estava à espera de uma declaração tão contundente.

Oito dias se passaram desde que, Cidália foi visitar a família a Vancouver. Não é muito tempo, na vida de cada um mas, uma eternidade para ambos. A paixão entre eles, mantém a chama do primeiro dia. O telefone é o único ponto de comunicação palpável, o resto são fantasias que, de um lado e doutro da linha nascem espontaneamente, atropelando-se em vontades e desejos. Para Franklim, certo do amor pela esposa, em cada palavra proferida por Cidália sentia como que uma picada na sua honra, por, em pano de fundo o nome de Julieta lhe vir à memória. Sente que o juramento de fidelidade à esposa, assumido publicamente e perante si, está ou estará manchado por sentimentos de desejo que, vão para além do seu querer, da sua razão. O seu lado irracional parece ganhar espaço e a convicção da sua fragilidade para o vencer, parece uma realidade. O amor por Cidália e o desejo por Julieta estão conflituantes. A cabeça de Franklim está em fogo. A vontade para trair é tão grande quanto a vontade de ser fiel. O sono tranquilizante foi substituído pela insónia. Esta, dá-lhe horas de imensa reflexão. Chegou a perguntar a si mesmo, nos devaneios que lhe ocorreram, se desejar Julieta é uma traição ou um princípio de fidelidade a si mesmo e aos seus sentidos. A verdade e a certeza que se pode retirar desta última semana é que doravante nada será como dantes. O esforço de Franklim para assumir dignidade pelo casamento está ferido e resta-lhe agora encobrir da esposa e até à exaustão, o que na sua cabeça está planeado. E o plano é bem mais transcendente do que um mero desejo carnal. Não é este o fim, o móbil de Franklim. A esposa, garante-lhe o prazer desejado. Nunca a trocaria por outra mulher, em razão do prazer. Não é nisto que assentam basicamente as razões para Franklim desejar Julieta. Esta poderá ser usada para um fim que o preocupa, que o atormenta no mais recôndito desejo de homem.

A paixão de Julieta e a ofensiva desta, sobre Franklim, recrudesce. Ela sente o patrão fragilizar-se e traçou uma estratégia de assalto. Cada vez o procura mais, cada vez o solicita mais e os encontros a sós aumentam em número. As lisonjas e as palavras afectuosas soltam-se e alfinetam-lhe o coração. Tiros certeiros, cada vez mais certeiros são a arma de arremesso. Percebeu que deixam mossa. A paixão da jovem cozinheira pelo patrão, também tem algo que vai para além, muito além do desejo carnal. Entre ambos, existe algo de comum, que nenhum foi ainda capaz de revelar. O ponto de confluência das vontades está subliminarmente patente em cada um dos dois. Apenas não conhece a luz do dia. Franklim e Julieta, ele, mais do que ela, está cativo do amor e do respeito que a esposa lhe merece, por mérito. Quanto a Julieta, está cativa do dever da moral pública, da honra pessoal e porque não, da educação recebida de pais. Estas castrações, não são matéria que alguma vez haja passado na cabeça de Cidália. A boa-fé e a confiança, são princípios nunca colocados em causa. A puerilidade levou-a até a recomendar a Julieta que cuidasse do marido e lá longe, jamais algum pensamento de desconfiança lhe ocorreu. Nunca interpelou o marido ou fez qualquer menção de ciúme. Sente-se segura e esta segurança estriba-se em valores que, acredita estarem presentes na pessoa do marido. A verdade, é que nunca teve provas do contrário e o que existe ou existiu entre Franklim e Julieta, seria já matéria suficiente para reformular todo o seu pensamento acerca do marido.