MISTÉRIO ATEMPORAL

Quando compraram a casa não suspeitaram do que podiam encontrar no sótão.

A casa espia por sobre os ciprestes, e estes, feitos colunas de vigilantes; hora em movimentos atentos, hora parados; como em posição de ataque! Mas, para isto acontecer tudo depende do humor do vento!

Sua fachada restaurada pelos novos moradores tinge com o vermelho das suas paredes, o tapete verde plantado ao seu redor. A paz procurada pela humanidade viceja nos jardins do sobrado. O alpendre construído com suas colunas torneadas e balaústres mostram a prosperidade da família que o construiu. Um medalhão datado em 1821 abraça a parede por cima da porta dando mais imponência ainda a entrada.

Rubens e Clarice me esperam felizes e um pouco desapontados ao ver que carrego somente uma bolsa executiva com poucos pertences. Planejo conhecer a casa e ir embora à tarde.

A ampla sala restaurada sucumbe os meus olhos numa tentação involuntária de êxtase. Os candelabros de cristal monopolizam a luz. Duas cadeiras vitorianas vermelhas em tecido velouté ruborizam um canto da sala. Enquanto, dois lounges estampados com os veios da nogueira combinados com outra madeira de lei, a amboyana; fertilizam em um desbunde de originalidade junto a seus entalhes e incrustações de bronze ao passar a sensação de grudados nas paredes.

Por cima dos móveis; os acessórios competem em beleza entre si. As cestas, bandejas, cachepots de papel maché contrastam com a porcelana inglesa; os serviços de chá e café, os vasos e jarros misturam cenas vistas como cinematográficas aos meus olhos. Momentos de grande importância histórica ou mitológica, ou cenas da vida cotidiana, ou a mistura de pássaros exóticos junto às aves do paraíso formam um colorido escancarado das conquistas inglesas. Os odores marcantes das mãos dos antepassados ainda estão empoeirando as peças. Olhando bem de perto ainda se percebe uma ou outra digital de serviçais descuidados.

Uma estante monumental com a cifra real de Victoria Regina carrega um moderno home theater. Afinal, a modernidade caminha junto com o passado sem restrições temerárias. Visitei mais alguns cômodos da casa, sem dúvida, a restauração me leva a crer: o tempo se confunde no interior do sobrado.

O casal sabendo do meu amor aos objetos antigos me convida para adentrar ao santuário da mansão: o seu sótão. Reúno as forças para não ficar sem ar. Um torvelinho de história refaz em movimentos instigantes o tempo naquele espaço. Importante! Sem datação cronológica! Todo esse alarido visual está bem ali em frente, aos meus olhos. Objetos, livros, papéis, dançam estáticos no meu interior.

Vejo que preciso ficar mais tempo e peço permissão ao casal para a hospedagem. No olhar de Clarice a certeza que isto ia acontecer acarinha os meus sentidos.

Mas, o que me chamou mais atenção foi à escrivaninha repleta de montes de papéis. Cartas, documentos todos arrumados com zelo por meus amigos. Olho pela vidraça exageradamente limpa para apreciar o capim correndo por sobre os túmulos esverdeados pela umidade das intempéries. Os musgos riscam as lápides confirmando a velhice do lugar. Um ou outro coelho faz mímica, torce e retorce o focinho em caretas risonhas, enquanto lambem as gramíneas. A estrada marcada pelos cascos dos carneiros e ovelhas oferece um cenário de questionamentos. Nesta manhã quem passou por lá tinha intenções diferenciadas e destinos marcados. Homens bons abraçados as suas ferramentas de trabalho seguem para adubar, carpir, colher, enfim preparar o solo para o plantio, outros levam os rebanhos para pastos não tocados pelos beiços gulosos e quentes dos animais. Mas, percebo escondido no arvoredo, nas moitas, nas curvas da estrada; os olhos da maldade! Ladrões, estupradores, traficantes espreitam como feras a próxima vítima. Articulam como manipular as armas e confrontam suas experiências atrozes em enganar um ou outro; sentimento bom não existe mais, nem mesmo no fundo da sua psique. A máscara da maldade acoberta alguma voz bondosa do passado e a maldade ganha força.

Clarice toca em meu ombro percebe o meu devaneio. Aponta com o dedo indicador a parede de fotografias. Movida pela importância do que via o suor invade meu corpo e transmuta em um silencio um tanto quanto ovacionado dentro do meu cérebro. Fotografias em preto e branco se destacam pelas imagens! Algumas de paisagens da segunda metade do século XIX mostram em riqueza de detalhes a paisagem campesina ao redor do sobrado, a luz e a sombra criam efeitos estéticos impressionantes! O cotidiano e a vida dos moradores e da vizinhança do sobrado estão ali estampadas, enfeitadas por molduras roliças; encantadoras. Sem pestanejar afirmo ser uma mostra da riqueza cultural e monetária do seu antigo dono.

Uma a uma estão a vociferar pedidos e atenção. Vez ou outra um tremular de sombras estampa os olhos de algum fotografado. Época em que o sorrir tinha que receber permissão dos mais velhos. Figuras taciturnas, melancólicas desfilam nos retratos. Rubens, diz ter deixado a surpresa para o final! A fotografia estampa a família residente no sobrado, bem no final do século XIX. Os mais velhos em pé e as crianças a frente rabiscam nos rostos sorrisos marotos. A mãe carrega um bebe roliço nos braços cobertos pela manta acinzentada, e está sentada em uma cadeira de madeira escura. Ali, parada noto algo mudar na fotografia. Um arrrepio inesperado daquele que torcem os pelos dos braços, e fazem trepidar a razão, me inquieta.

O casal afirma ser realidade; o que vejo! Não acredito! Em um milésimo de segundo, três novos personagens vestidos com o figurino da época materializam no retrato! Estou sentada ao lado da matrona e o seu bebe, com uma pilha de papéis nas mãos. Clarice em pé ao meu lado olha para Rubens, e este, me entrega um documento.

Esta cena nos envolve em um grande e fascinante mistério para ser estudado, sem muito alarde. Somente, depois de desvendá-lo, se isto acontecer de fato, é que podemos pensar em falar sobre a máquina do tempo tranvestida em fotografia!

Mas...; o que de fato é real nesta história?