AUTO RECONHECIMENTO

Ela reconhece tão bem os próprios defeitos que se auto-retrata sem perceber... Sua mutação temperamental metafisicamente se desenha no teto do meu quarto. Como se fosse a neblina densa de milhares de galáxias adultas colidindo num único ponto do universo, ela se materializa numa ilusão breve e brilha... Nem ela mesma tem noção de sua própria majestosidade, apenas brilha, emitindo as cores que a vida e a morte emitem, todas, num único ponto do universo... E eu... Respondia suas perguntas com respostas que eu mesmo inventei...

— De onde vem tantas oscilações de humor?

— Já reparou como somos parecido com as estrelas? Somos feitos da mesma matéria, talvez sejamos todos da mesma espécie... A nossa singularidade existencial se resume apenas à bagunça do quebra-cabeça que somos, a nossa tragédia pessoal é extremamente individual, nenhum desastre é igual à outro... É como se o acidente de nossas escolhas acontecesse na nossa frente, e fôssemos a unica testemunha... Tudo o que a próxima irá dizer se parecerá com o que a próxima diria... Num ciclo continuo de boatos do que vivenciamos. Às vezes não gosto de dar muitas explicações do que faço, apenas faço... Eu assumo todo trauma das tragédias que vejo e crio...

— E o que isso tem a ver com as estrelas?

— Apenas que um dia, toda energia se esgota... Os olhos se fecham e as estrelas se apagam... Toda madrugada, o som de seu isqueiro desperta quem está no quarto ao lado, espirais de fumaça dançam no ar, cronometrando o tempo que lhe resta em movimentos indecifráveis de uma dança leve, flutuando cada vez mais distante do horizonte de eventos...

— Já reparou como nossos olhos às vezes se tornam tão parecidos com as estrelas? Quando o olhar está úmido, nossos olhos brilham tanto quanto uma supernova... Dentro de uma nebulosa particular, com identidade própria em cada existência, nenhuma íris é igual à outra. Todos nós temos nossa própria explosão, nenhuma constelação é igual a outra... A vida é um ato extremamente particular... Haa, nada disso precisa ser dito, todos nós já entendemos o bastante de nossos desesperos.

— Pela manhã, ele abre os olhos... E olha fixamente para o mesmo lugar. Ele sabe que tudo mudou e por isso, tem medo de levantar. O valor da própria existência oscila em sua mente, preso a um leilão particular, se desespera, fecha os olhos e dorme até o meio-dia...

— Péssimo modo de ignorar a vida...

— A tarde, tudo fica extremamente igual ao que já aconteceu, nenhuma oração vai salvá-lo da tortura mental de ser sempre o mesmo... Caminha até o jardim, despeja um balde d'água sobre as rosas, sem esperar que elas o agradeçam pela gentileza, sem esperar que floresçam retribuindo seu esforço diário em delicadas e misteriosas formas de demonstrar beleza... Volta para o quarto, abre o jornal do dia, molha as mãos de sangue com notícias cruéis, xinga a humanidade, se senta próximo a janela e espera o dia passar... Apenas para cumprir sua rotina...

— Ótimo modo de desperdiçar a vida...

— E quando a noite chega, ele só deseja que todos consigam permanecer vivos até o dia seguinte. Ele está a tanto tempo sozinho que já não sabe mais nada de si mesmo, já não consegue dizer que ama alguém sem que seus olhos se encham de lágrimas, já não consegue esconder que precisa de alguém, já não consegue entender o que se tornou, e mesmo assim, continua mudando... Até quando? Ele sabe que não é como os outros, e que mesmo que tentasse, não conseguiria... A sua indiferença o condenou à pior das maldições... O eterno questionamento dos porquês... As perguntas sem respostas... Os acontecimentos sem razões de acontecer... As mais belas declarações sem ter a quem entregar... As mais extremas paixões sem ter a quem revelar... Os mais belos amores sem ter a quem dividir, rir, e fazer sofrer... Os mais intensos sentimentos se ter a quem enlouquecer, sentir, e entorpecer ... As mais dramáticas frases de despedida sem ter a quem fique, e o peça para ficar um pouco mais... As mais delicadas demonstrações de afeto, sem ter a quem tocar... O olhar mais sincero, sem ter a quem contemplar... O silêncio mais bonito, sem ter quem possa escutar... A noite mais perfeita, a Lua cheia que se enfeita inteira, sem ter a quem encantar... Milhões de estrelas, que devoram a si mesmas, canibalizando-se só para brilhar, sem ter a quem inspirar... Ele sabe, que tudo que não entende de si, ele encontrou enquanto se confundia ao se procurar. Ele não sabe, mas que tudo que entende de si, ele perdeu enquanto buscava se encontrar...

— Quantos amores você já teve?

— Não existem amores, amor é um só, tudo que vem depois são apenas distrações que criamos para aliviar a angustia das palavras que não queríamos pronunciar, as discussões que evitamos evitar, as despedidas que não impedimos, o futuro que perdemos ao fecharmos os olhos para as coisas que nos esperavam para se relevar... O medo que não acolhemos, o pesadelo de chegarmos ao fim sozinhos, e vagarmos em caminhos dispersos, rumo ao infinito do desconhecido de nossa existência... Impulsionados pela força gravitacional da orbita de nossas escolhas, afastando-se para cada vez mais distante de onde deveríamos estar.

— De onde vem tantas oscilações sobre o que é o amor?

— Eu não sei explicar... Ainda não aprendi a amar, e é isso que me faz continuar, me entregar, me questionar, surpreender, me julgar, me condenar, esquecer, superar... Caminhar, conhecer, me apegar... Voltar ao fim da fila e esperar, talvez, desta vez, descansar... Sem que novos desesperos venham me despertar de sonhos que há tempos articulei, minuciosamente planejei, incansavelmente imaginei, noites inteiras madruguei, sonos violentos que ignorei, pelo desejo de viver o sonho perfeito, eternamente preso aos desejos estranhos, rotineiros, o sentimento estrangeiro, desconhecido, a força de um pensamento complexo que não sei desvendar...

Ele reconhece tão pouco as próprias qualidade que encanta sem perceber... Sua frustração emocional o impede de viver o que suas ilusões sozinhas não conseguem fazê-lo compreender. A dimensão de seus artifícios e mistérios é tão atrativa quanto suas duvidas e certezas humanas. Nem ele mesmo consegue entender seus encantos, e duvida de tudo que hão de lhe dizer... Como se fosse a neblina rasa de um aglomerado de galáxias adultas se afastando, se despede, iluminando outras escuridões, expande... Caminhando para cada vez mais distante de onde sempre quis estar...

E eu... Respondo perguntas próprias com respostas que eu mesma inventei... Tentando apavoradamente entender o que me tornei... Não sei o que falta, não sei o que perdi, talvez nem seja em mim que devo procurar...

Ainda Menina Mar
Enviado por Ainda Menina Mar em 29/01/2018
Código do texto: T6239450
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.