A ENTREVISTA

No exato momento em que eu estava transcrevendo para o computador certos aspectos da vida que eu entendia serem necessários, minha secretária interrompeu meu pensamento e falou:

- Doutor, há uma mulher aqui e deseja falar com o senhor!

- Quem é ela, você a conhece?

- Não senhor, mas é muito bonita.

- Bonita e quer falar comigo nesta hora do dia, deve ser alguma vendedora de consórcios ou coisa que o valha.

Pensei por alguns segundos e falei à secretária:

- Espere uns dois minutos e depois a mande entrar.

- Sim, senhor.

Eu precisava de tempo para recolocar tudo nos lugares e receber a tal mulher.

Quando ela entrou na sala, pensei em ficar de pé, mas não consegui. Parecia ser um sonho, uma fada ou uma deusa, tal era a beleza da mulher que acabava de entrar na minha sala.

Em poucos segundos viajei longe, tentando imaginar de onde viria uma mulher tão bela para falar comigo.

O que ela estaria fazendo numa região como a nossa e o que a trazia aqui?

Ela devia ter mais ou menos um metro e setenta, loura, olhos azuis, corpo escultural e longos cabelos caindo sobre os ombros. Vestia um lindo conjunto, mesmo que fosse feio, em seu corpo ficaria lindo.

Eu ainda não tinha visto tanta beleza e harmonia em uma só pessoa.

Ela sorria mostrando uma boca desejada, trazendo à mostra uma obra prima da arte dentística. Ela era perfeita em todos os detalhes.

Quando me cumprimentou, com voz aveludada e musical, quase não consegui articular nenhuma palavra para responder ao cumprimento.

Mesmo abobalhado, consegui falar:

- Por favor, sente-se.

- Obrigada.

Sentou em minha frente e cruzou as pernas torneadas e com delicioso sorriso nos lábios foi dizendo:

- O senhor está muito ocupado?

- Não, de jeito nenhum, estou às suas ordens. Menti, eu estava muito atarefado naqueles dias, porém estar em frente a uma mulher daquela justificava eu gastar depois algum tempo da noite para pôr o serviço em dia.

- Em que posso lhe ser útil? Perguntei.

- Bem, doutor, eu vim aqui com um propósito de lhe propor um negócio, mas tudo depende do transcorrer de nossa conversa.

Quando ela disse aquilo, pensei: Deve ser alguma vendedora de livros ou outra coisa qualquer.

- Então vamos, diga de que se trata.

- Primeiramente irei lhe fazer algumas perguntas e se, ao final, eu achar necessário eu lhe falo do que se trata.

- Ora, assim fica muito difícil, continuarmos nossa conversa já que não sei o assunto.

- Não se preocupe doutor, são perguntas simples e se eu falar o que eu quero, a entrevista perde o sentido.

- Está bem, vamos lá, comece seu interrogatório.

Ela mudou da posição em que se encontrava, sorriu e enquanto me pedia água, falou:

- Doutor, o senhor acredita em Deus?

- Depende.

- De quê?

- Do Deus.

- Existe mais de um?

- Bem, dentro de minha ótica e da de alguns padres, pastores e estudiosos, acho que não falamos da mesma entidade.

- Entidade?

- Apenas falei dessa forma, porque não costumo tipificar, nomear ou mesmo definir algo que eu, embora acredite, não conheço e não vejo.

- E como é o Deus em que o senhor acredita?

- Bem, eu acho que deve existir essa energia, essa força, que coordena tudo e se encontra ocupando cada átomo em todos os recantos do universo. A essa energia eu chamo de Deus.

- E em Cristo?

- Depende!

- Depende de quê?

- Se for esse cristo que é comercializado todos os dias nas igrejas, mediante algum trocado, não.

- E existe outro?

- Não, é uma questão de crença. Se assim fosse eu poderia dizer que não sou cristão, porquanto não o vejo como única saída para a humanidade. Ele deve ter representado muito bem uma época.

Naquele momento o assunto ia tomando rumos interessantes em que sempre gostava de trilhar, mas, a questionei:

- Escute moça, por acaso você pertence a alguma igreja dessas que há por aí ?

- Não, senhor, embora eu circule sempre por todas elas, não me prendo a nenhuma denominação religiosa.

- Esta bem, pode continuar.

- O que o senhor acha da vida?

- Maravilhosa, embora a maioria não a veja assim.

- O senhor não tem religião?

- De jeito nenhum, eu acho que a religião é um grande atraso para a humanidade, muito embora seja necessário que alguns a tenham, para evitar que venha cometer ainda maiores desatinos.

- O que pensa sobre o mundo atual?

- Sob que aspecto?

- No geral.

- Olhe, senhorita, eu nunca fui pessimista, no entanto eu acho que estamos trilhando um caminho muito perigoso que certamente, irá ceifar a vida da maioria da raça humana.

- O senhor acha isso mesmo?

- Sim.

- Por quê?

- Veja os rumos que estamos tomando com a ganância, a insensatez, as guerras, o degelo dos pólos, o buraco na camada de ozônio e uma infinidade de outras causas naturais que está dizimando centenas de pessoas todos os dias, em várias partes do mundo.

Enquanto eu falava, ela ia anotando numa espécie de computador que havia colocado sobre as deliciosas coxas.

- Acha que pode haver vida inteligente em outros planetas?

- Sim, acho que existem centenas e milhares de planetas habitados com diversos tipos de vida diferente da nossa, e até mesmo igual.

- Por que acha isso?

- Se olharmos pro alto nas noites escuras, sem lua ou mesmo quando estamos em algum lugar ermo, onde não há luz artificial, vemos um número incontável de estrelas de todos os tamanhos. Partindo desse princípio, eu imagino que deve haver girando em torno da maioria delas planetas. Seguindo esse raciocínio e olhando-me como ser vivo e inteligente, que vive neste minúsculo canto do universo, eu pergunto: Se aqui na terra há vida, por que imaginar que em outros lugares não haja?

- Boa resposta, parabéns.

- Obrigado, aquiesci.

Pedi água e dois cafés à secretária e depois de alguns minutos continuamos, quando ela disse:

- O senhor parece ter opinião muito sólida sobre alguns assuntos, mas eu gostaria de enveredar noutro sentido.

- Pois não, vamos adiante.

E assim ficamos por mais de uma hora. Ela perguntava e eu ia respondendo a contento. Imagino, pelo fato de ela concordar com a maioria do que eu falava.

Quando eu pensei que o assunto iria terminar naquele estágio ela disse:

- O senhor tem medo de alguma coisa?

- Bem, às vezes digo que não, mas outras vezes fico imaginando-me em uma situação de apuro e neste momento penso que sentiria medo. E complementei: Graças a Deus eu nunca estive em apuros de verdade, parece que sempre há alguém me desviando deles, mesmo sem eu pedir.

- Deve ser o seu anjo de guarda, ela disse.

- Pode ser, eu sempre agradeço aos deuses.

- Deuses, são muitos?

- Sim vários, mas não no mesmo nível do Deus que imaginamos como sendo o criador do universo.

- Não entendi.

- Olhe, se Deus existe e criou todo o universo, deve ter criado ou pensado além destes imbecis humanos. Deve ter criado seres de outra hierarquia, que possam l auxiliá-lo na constante recriação do mundo.

- Recriação?

- Sim, o mundo ainda não se acha acabado e pronto, nós ainda o estamos construindo. Todos os dias, em todos os lugares, as ações, os pensamentos e atos, vão criando obras físicas, mas também de aspecto mental, que vai colaborando na transformação do mundo, tanto para o bem como para o mal.

- E os deuses de que falou onde ficam nessa história?

- Dizem que o Cristo teria dito: “Deuses também sois, porém disso vos esquecestes, etc.”

- Mas o senhor mesmo coloca em dúvida a existência dele.

- Não, eu acho que você entendeu errado, quando eu falei do Cristo. O que acontece é uma grande confusão que foi criada para que os pobres mortais não entendam nada sobre Deus ou mesmo sobre o Cristo.

- Como assim?

- Ora, as igrejas procuram passar aos seus fiéis a figura de um Deus e um Cristo desassociado com a realidade. Hoje é pregado nos templos que somente se salva quem paga o dízimo, porque está na Bíblia. Falam ainda que Deus testa a fé de cada um através daquilo que eles doam às igrejas. Será que Deus precisa mesmo dessa porcaria de dinheiro, já que é o criador de todo o universo?

Enquanto ela ficava com sorriso nos lábios, mas calada, eu ia falando:

- Às vezes fico indignado, com tanta enganação, mas por outro lado fico calado, porque a maioria gosta de ser enganado. Entendeu?

- Sim estou seguindo seu raciocínio, mas diga-me o que acha da morte?

- A morte eu vejo com naturalidade e como uma necessidade. É bom frisar que não entendo a morte como um fim, mas, sim, como um recomeço.

- Como assim?

-Eu, como livre pensador, sem religião, sem medo desta tal morte, acredito que abandonamos este físico que já se encontra gasto e decadente, renascemos em outra dimensão e ficamos ali, esperando uma nova oportunidade de retorno à matéria. Essa história de salvação, céu e inferno, são coisas criadas por homens para manter a maioria do povo sob a ditadura do medo para que possam ser explorados. O homem, digo espírito, vai e volta enquanto for necessário à sua evolução.

- Sei, e a morte em si, o senhor a teme?

- Não, por saber que sou imortal como espírito.

- E aquela figura da caveira com uma foice na mão?

- Ora, aquilo é apenas uma idéia de algum artista e nada tem a ver com a realidade. Se a morte tomar forma física, com certeza não será daquela maneira.

- Como o senhor a imagina?

- Eu não imagino, porquanto ela é apenas uma idéia que temos da saída de um estado para outro da matéria e não uma entidade que tenha forma definida.

Ela sorriu de maneira maliciosa e disse:

- Continue, estou gostando de ouvir.

Eu, naquele momento, ao sentir que estava com a bola toda, fui falando.

- Se existir uma forma para a morte, deve ser ela fruto do pensamento do homem, ou seja, uma forma-pensamento que se densificou através dos tempos. Se eu tiver que imaginar a morte, gostaria que ela fosse uma linda mulher, assim como você.

- E quem o senhor acha que eu sou?

- Na verdade até agora nem mesmo sei. Afinal qual o negócio que veio propor-me?

- Não precisa mais se preocupar com ele, o senhor já foi aprovado.

- Aprovado, para quê?

- Para a vida!

- Não entendi.

- Não se preocupe, doutor, depois entenderá.

Ela levantou-se sorrindo e, enquanto se despedia de mim, entregou-me um cartão e logo notei que estava em branco, nada havia escrito nele.

Quando levantei novamente meus olhos rumo a entrevistadora, para falar-lhe, ela havia desaparecido.

Intrigado com o súbito desaparecimento de minha entrevistadora, joguei o cartão no cesto de lixo e chamei a secretária:

- Pois não, doutor, de que precisa?

- A moça, você perguntou o nome dela?

- Que moça, doutor?

- Ora, aquela que estava falando comigo, agora mesmo!

- Doutor, o senhor está passando bem?

- Claro que sim, estou ótimo, somente quero saber se lembra dela.

- Dela, quem?

- Daquela que você anunciou há algum tempo atrás .

- Doutor, não esteve ninguém aqui hoje.

- Está bem, pode sair.

Quando a secretária saiu, passei a ter certeza de que eu deveria estar ficando louco. Tudo aquilo não poderia ser apenas fruto de minha imaginação.

Em cima da mesa, dois copos e duas xícaras vazias.

Olhei dentro do cesto de papéis e lá estava o cartão que ela me dera. Abaixei-me e o peguei de novo. Para minha surpresa, ele já não estava mais em branco. Havia letras que eu não conseguia ler por serem muito pequenas.

Peguei uma lente de aumento que eu tinha na gaveta e, quando a coloquei frente ao cartão, consegui ver a palavra: MORTE.

Logo após a palavra, uma pequena frase:

“Daqui a algum tempo eu volto”

Caí sentado na cadeira, minha capacidade de raciocínio e minha lógica não podiam aceitar aquilo. Pensei em chamar a secretária e mostrar-lhe o cartão para que ela lesse, mas o bom-senso dizia:

“Fique quieto, isso somente diz respeito a você”.

Agora eu só tenho uma preocupação: Qual é esse tempo?

04-03-08-VEM-

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Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 05/03/2008
Reeditado em 07/10/2010
Código do texto: T887731