UM PLANO QUE DEU CERTO

Finalmente tive uma ação minha “reconhecida”. Consegui bolar um plano, executar e ver resultados. Foi difícil imaginar uma maneira de atuar contra a “tradição” e o descaso, mas no final deu certo.

A VI Mostra Cultural do meu colégio tratou, basicamente, de Ecologia. Um tema importante atualmente e que tende a se desgastar se não for bem trabalhado. Por professores e alunos vários resultados de pesquisas foram apresentados. Eu fiquei com o tema: “Coleta Seletiva de Lixo: Reciclando para a Vida”. Assunto ótimo de ser abordado, visto que aqui na minha cidade não temos este tipo de ação. Tínhamos então um terreno vasto para pesquisar, muitas pessoas para entrevistar, lugares para visitar e conceitos a serem desenvolvidos em nossas mentes e junto às pessoas que tivemos contato. Foram duas semanas montando a apresentação. Garanto que ficou completíssima.

É curioso que o que chamou mais a minha atenção foi o fato de que os catadores de lixo, que viajam sobre as caçambas da Prefeitura, não usam os chamados EPI’s. Ficam lá em cima pegando o lixo e usam somente suas roupas comuns e chinelos. Não possuem luvas, botas ou máscaras. Aquilo me deixou revoltado! Como poderiam seres humanos, trabalhadores, ficarem se expondo a todo tipo de imundícies daquele jeito. Tive que parar um desses caminhões para entrevistá-los: aquilo seria subsídio para minhas conclusões. Ora, eu interessado em implantar o conceito de Coleta Seletiva. Quando as pessoas da cidade sequer percebiam a forma de trabalho daqueles catadores.

Eles falaram que estavam acostumados a não usarem luva, por exemplo. Tinham até certeza de que o uso de quaisquer equipamentos “extras” somente iria atrapalhar a velocidade de seleção do lixo. Disseram também ser comum haver cortes e machucados decorrentes do lixo. Mas tratavam com ar de lenda quaisquer afastamentos, doenças ou morte ocasionadas por manipulação de material perigoso.

A naturalidade daquele descaso me horrorizou. Estava muito envergonhado em levar estas informações à Mostra. Faltavam quatro dias para o evento quando finalmente tive a idéia. Um plano! Uma maneira de reverter aquele quadro desumano. Uma forma de convencer as autoridades a fornecerem material digno para o trabalho.

Meu pai trabalha já a algum tempo em um laboratório Químico no centro da cidade e como chefe do departamento de síntese de compostos orgânicos sempre fui “incentivado” a seguir carreira. Os livros de sua biblioteca técnica sempre me foram acessíveis e não perdi a oportunidade ler e aprender seguindo as diretrizes de minha própria personalidade. Assim, ficava horas entretidos nos capítulos referentes às drogas que afetavam o SNC (Sistema Nervoso Central). Interessava-me sempre projetos para criação de pequenas bombas caseiras, produção de gases, combustíveis e detonadores. Horas que achava terem sido um desperdício de tempo até que pude dar uma razão, um sentido maior a tudo isto.

Lembrei de uma passagem, num livro sobre toxicologia, que eram detalhados os mecanismos da metahemoglobinemia. Percebi que ali estava a resposta logo que revivi o sentimento de prazer que tive quando li aquele texto pela primeira vez.

Visitei o laboratório em que meu pai trabalhava na mesma tarde. Tinha a desculpa que estava fazendo um levantamento sobre descarte de produtos químicos. Que nada! Custou-me encontrar o armário certo. O frasco certo. Coloquei-o dentro da mochila. Ninguém desconfiaria do filho do chefe. Saí contente porque as coisas estavam indo bem. Breve se instalaria um novo conceito de segurança na cidade.

Tive que esperar até o outro dia.

Desci três quadras e coloquei o maravilhoso pacote na lixeira. [Só eu sei como tive que ser cuidadoso aquela madrugada] Arrumei várias latinhas, plásticos e papéis para colocar na mesma sacola. Precisava garantir que eles a abrissem. Voltei para casa. Iria terminar alguns cartazes para o sábado. Não seriam todos. O conteúdo de alguns ainda seria criado. Precisava aguardar as “novidades”.

Naquela mesma manhã, justo quando saí de casa para comprar a cartolina preta, ouvi os comentários desesperados na rua. Havia funcionado!

Infelizmente tive a idéia tarde demais. Quando exigiram material completo para os catadores de lixo das caçambas, já tinha mais de uma semana do final da Mostra Cultural.

Mesmo assim minha apresentação foi impecável. Disseram que eu tinha muita visão. Que era Profético!