Velório

A cidade na região de Sorocaba, interior de São Paulo, pauta por sua tranqüilidade. Com menos de dez mil habitantes; o tempo da população é movido às batidas cadenciadas do relógio da matriz. A praça sonolenta, já uma balzaquiana respira um ar exótico para as grandes cidades: sem poluição.

Nas duas únicas avenidas que circulam a zona urbana, os trabalhadores movimentam os pedais das bicicletas, criam asas aos pés e vestem capacetes alados, enquanto, vão ao trabalho ou seguem para as compras no mercado.

O cheiro da tranqüilidade é colado em cada animal, em cada parede, em cada praça, em cada muro, em cada rosto espalhando virtudes. Defeitos? Ah! Será que são defeitos? Vícios ou virtudes? A benzedeira e fofoqueira: Matilde, o Don Juan da farmácia: Sebastião; a mulher do padre: Rosita e seu filho Jorge; o padre namorador: Antonio, o folclórico e louco: Espiridião; a moça namoradeira: Irene; o experimentador de cachaças: Carlos; o comerciante em tempo integral: Venâncio; a bela e sirigaita : mulher do Venâncio, e, tantas outras personagens folclóricas, pára-raios mentais, moradores rotulados das cidades, e que livram a cara da população. Sim, eles mesmos, homens e mulheres; que se dizem equilibrados, sãos e virtuosos.

Os toques dos sinos da matriz preservados pelos cristãos têm nos seus repiques nomes latinos pronunciados por todos com facilidade: Ângelus, Exéquias, Te Deum..., Fúnebres... A verdade que o repicar dos sinos espalham ao vento as palavras sonoras deste importante jornal abstrato das notícias.

_Plém, plém; plém; plém; plém; plém; plém; plém; plém; plém; plém; plém; plém; plém; plém; plém; plém;plém!

Dezoito batidas! O repique do sino grande é fúnebre.

O velório do dono do armazém é na sua própria casa. Um jardim exuberante mostra a sua importância na economia da cidade. Venâncio é posicionado no centro da ampla sala de estar. Seu terno cinza se mistura com a sua barba longa e espessa.

A noite vai espalhando terror nas pessoas. O cheiro das rosas que arrodeiam o defunto, se misturam com o suor e amortecem os sentidos. Quando vivo Venâncio tinha um olhar arguto não permitia devedores e pedintes. Movimentava a barba ao falar. Um famoso cacoete.

As cigarras cantam no jardim erotizando o ar, a procura do acasalamento. No velório alguns poucos amigos. Um por um vão até o defunto se benzem para ir embora.

Francisco, um jovem de ar melancólico, também é empregado do defunto ou foi... Bem! Este fato fica para depois do testamento. Fica para os herdeiros do sovina; decidir.

Os olhos do jovem rodopiam na órbita. Assustado!

“A barba do defunto está se mexendo!”

A dúvida prevalece. Os Tomes precisam ver para crer! A família pensa no cacoete.

De fato, Clotilde, a viúva alegre não quer acreditar na impaciência do defunto até mesmo morto. “Só pode ser resquícios do malfadado cacoete!”

Todos percebem o movimento da barba. Marcos e Roberto saltam para fora da sala. Terror!

Guilherme, o namorado da viúva, o mais corajoso de todos levanta a barba e descobre um coleóptero.

“Cole o que?”

Um besouro-do-esterco enroscado na barba do defunto.