A empregada- CLTS 2
A empregada
Parte I

  Era uma casa simples de madeira que ficava no final uma vila retirada da pequena e poderosa cidade Franciscana. A vila era uma invasão, ali moravam todas as pessoas que eram consideradas uma vergonha para a sociedade moderna de Franciscana. Dentro de Franciscana moravam apenas Elites, aqueles que possuíam muitos bens e muita cultura, os pobres, moravam do lado de fora da cidade, que era toda cercada por um muro gigantesco e sobreviviam dos restos descartados pelos habitantes de Franciscana, que eram despejados nos recipientes que recebiam os esgotos do  outro lado do muro.

Os cães, como eram chamadas as pessoas pobres , viviam a mendigar o pão, reviravam o lixão da cidade para encontrar o que comer, jamais poderiam atravessar o muro, pois era considerado crime de feiura um Cão andar nas ruas de Franciscana, de acordo com a ideia geral da alta população, cães nunca foram dignos de pisar os mesmos solos que a nobre sociedade de Franciscana. Quem ousava atravessar o muro de separação e fosse pego por um nobre cidadão ou autoridade local, era morto imediatamente e depositado nos recipientes de esgotos que ficavam do lado de fora da cidade, onde os demais Cães pegavam seus alimentos diários. Ali o intruso poderia ser encontrado pelos seus familiares ou amigos, que o sepultavam ou matavam a fome com a carne do mesmo.

Um certo dia o prefeito da cidade achou que seria horrível receber a Rainha da Inglaterra em sua mansão, pois do terraço de sua mansão era possível avistar a vila dos Cães, ele achou que poderia ser uma ofensa para a Rainha ver tantos pobres em um só lugar. O prefeito depois de várias reuniões com os administradores da cidade, que eram todos de sua própria família, decidiu junto com os demais eliminar aquela vila, objetivando plantar um lindo bosque naquele local, a fim de encantar os olhos da Rainha.

No dia seguinte ele reuniu os guardas da cidade e lhes passou uma ordem, queime toda aquela vila, de sorte que não sobre um pobre sequer, para contar história, queime tudo, até as crianças e animais. Na madrugada seguinte enquanto toda a população de Franciscana dormia, as chamas devoravam a vila ao redor da cidade, poucos foram aqueles que conseguiram fugir para um lugar distante no além da escuridão. Na ponta do morro tinha uma casa simples de madeira, ali vivia um casal que acabara de ter dois bebês, o fogo não chegou até lá, mas o General  chefe sim. Sem saber que ali havia dois bebês recém-nascidos, de imediato já matou o casal que se prostraram no chão implorando misericórdia, ao incendiar a casa ouviu o choro das crianças e se comoveu tanto, a ponto de não conseguir deixá-los para morrer ali.

Escondido, ele pegou os bebês e os levou consigo para a casa, pois sua esposa havia acabado de perder o bebe que dera a luz, ninguém na cidade sabia do ocorrido, no entanto jamais algúem poderia desconfiar de nada sobre os bebês, ao serem questionados diriam que tiveram gêmeos. Assim ele fez , levou aquelas criancinhas para casa e os criou como filhos.

Clarita e Roberto,como eram chamados, cresceram livres de qualquer perigo eminente, Clarita sempre ao redor da mãe que era uma grande costureira e ensinou a filha diversas habilidades com as agulhas, até mesmo a matar a presa para o jantar como: galinha, porco, lebre, etc. Era apenas uma alfinetada no lugar adequado e pronto. Clarita se tornou muito habilidosa com as agulhas enquanto que Roberto desenvolveu grandes habilidade em identificar animais venenosos e a dominá-los, passava horas de sua infância caçando cobras e outros animais venenosos que resolviam passar ali pelas redondezas.

Ninguém na cidade desconfiava da família do General chefe, nem mesmo da matança que ocorrera a mando do prefeito, os Cães eram seres invisíveis aos olhos de todos na sociedade franciscana, no dia seguinte ao ocorrido todos seguiam suas vidas normalmente, cada um cuidando de seus afazeres para manter a cidade ainda mais linda e encantadora, livre de Cães e qualquer outra coisa que pudesse denigrir a imagem da cidade.

O prefeito e toda a população aguardava ansiosos pela visita da Rainha, que aconteceu dois anos depois. Foi uma festa muito linda para receber a Rainha. A cidade crescia em fama e em dinheiro, o prefeito se tornava uma celebridade mundialmente reconhecido.

Parte II

Clarita e Roberto cresceram e se tornaram adolescentes muito talentosos. Roberto ao completar 12 anos ganhou uma bolsa de estudo para estudar no exército e foi mandado imediatamente para lá, afinal a cidade precisava de guardiões.

Assim que Roberto viajou Clarita passou a se dedicar nos estudos culinários, pois seu sonho era se tornar uma grande cozinheira para trabalhar na mansão do Senhor prefeito, pois em Franciscana as filhas de soldados tinham que casar-se com filhos de outros soldados ou trabalhar como escravas nas casas das Elites. Clarita lutava com todas as forças para realizar o sonho de cozinhar para o prefeito e toda a sua equipe.

Ela era da idade de 15 anos quando passou no concurso para trabalhar de cozinheira na mansão do Senhor prefeito, apesar de muito jovem ela demonstrou uma habilidade incrível de culinária, foi um mês de teste no qual ela derrotou mais de quinhentas candidatas.

Passou mais de um ano, depois do concurso, Clarita e toda a sociedade seguiam suas vidas normalmente. A cada prato que Clarita servia encantava todos os que degustavam de seus deliciosos manjares, diante de tanto talento Clarita foi nomeada chefe da cozinha e governanta de toda a casa, ela tinha acesso em todas as partes da mansão, todos confiavam muito em Clarita e a respeitavam muito.

Em uma tarde de verão, Pulinho o mais novo dos filhos do Prefeito brincava alegremente no jardim da mansão , quando de repente entrou correndo para dentro da casa, pois havia caído e ralado partes de seu corpo, ele tinha cinco anos e já sabia se cuidar bem sozinho, foi para o banheiro fazer os curativos necessários, tirou a camisa que estava suja e a bermuda que estava cheia de sangue, ao ver Clarita que passava sozinha pelo corredor, pediu com certa arrogância, uma ajuda para fazer os curativos, ela imediatamente parou para o ajudar, com cuidado ela começou a limpar-lhes os machucados. De repente, Paulinho sentiu um dorzinha no seu umbigo, como algo muito fino que o penetrava, ao olhar ele teve tempo apenas de ver uma agulha muito fina sumir para dentro de seu umbigo, a vida lhe deixou no mesmo instante.

Com a demora do filho a mãe foi lhe procurar, ao chegar no banheiro o viu caído sobre seu próprio abdome, em desespero ela chamou todos os enfermeiros da casa para o examinar, mas nada além das feridas do tombo marcavam seu corpo, então foi diagnosticado como morte súbita, simplesmente o coração deixou de bater e a vida o deixou. A mãe inconsolável se trancou no quarto e passava horas sendo consolada pelos seus dois filhos mais velhos, Antonieta e Martim.

Todos os dias Clarita levava uma xícara de chá para a primeira Dama a fim de acalmá-la, cada dia que passava a primeira Dama sentia-se mais debilitada, o Senhor prefeito estava desesperado com aquela situação, mas nada podia fazer, então deixou tudo aos cuidados de Clarita.

Na segunda noite, depois do enterro de Paulinho, a primeira Dama começou a ter fortes pesadelos e alucinações, o Senhor Prefeito saiu e foi dormir no escritório, pois não aguentava mais ficar acordado e a primeira Dama ficou se batendo na cama entre gemidos e soluços. De repente alguém se aproximou da cama e sentou-se ao lado dela, ela acreditou ser seu esposo que lhe dava um pequeno pedaço de algodão encharcado com um líquido que cheirava forte, o ser com uma voz suave disse: Tome esse algodão, é só você cheirar e passar em torno de seus lábios que certamente você dormirá e toda essa dor irá desaparecer. A primeira Dama se negou a fazer isso, mas foi fortemente forçada a fazer conforme a voz lhe orientou, o ser esfregou o algodão por toda a face dela.

No outro dia logo pela manhã, o Senhor Prefeito entrou no quarto de sua amada e a viu dormindo suavemente, ele saiu sem fazer barulhos e foi cuidar de seus afazeres. Mas as dez horas da manhã, quando Antonieta começou a gritar desesperadamente no quarto de sua mãe, todos vieram correndo para ver o que tinha acontecido, e viram que era um rato enorme que estava no canto da penteadeira, a mãe já não se mexia e logo notaram que ela estava morta. Ao ser examinada foi diagnosticada com lesptospirose, a doença adquirida ao ingerir ou ter contato com a urina do rato. Ninguém conseguia acreditar que o rato havia urinado no rosto da primeira Dama e ninguém compreendia como o animal havia chagado a mansão, a cama toda cheirava a urina de rato.

Muitas suspeitas começaram a se levantar, todos na mansão estavam em alerta, os cidadãos acreditavam que a primeira Dama morreu de desgosto, evitando assim tumultos e pânicos de uma possível conspiração contra a administração da cidade. Todos os preparativos para o funeral foram preparados com cautela e logo após tudo isso, uma série de investigação iria se instaurar na mansão e por toda a cidade com uma segurança bem reforçada.

Parte III

No dia seguinte o Senhor Prefeito reuniu todos os seus administradores na sua casa para uma reunião, Clarita preparou uma deliciosa garrafa de café e uma de chá. Durante toda a reunião cada um dos administradores se servia do delicioso chá e do café, inclusive o Senhor Prefeito.

Ao findar a reunião todos estavam se levantando, quando deu de cara com Clarita que abrira de súbito a porta, espantados questionaram: - Estava ouvindo atrás da porta? Ela de imediato respondeu dizendo que não ouvira nada, e pediu que todos sentassem-se, por que ela tinha algo importante para dizer a todos que ali estavam. Então todos se sentaram para ouvi-la, ela tirou de seu avental um livrinho fino e começou a ler, de repente todos começaram a dormir um sono profundo em suas cadeiras, a cada página que Clarita lia uma agulha bem fina adentrava a camisa de cada administrador que ali estava, atingindo diretamente o umbigo e fazendo um barulhinho como que furando um plástico seco, era apenas um suspiro e um estalar de olhos e já se parava de respirar. O sangue escorria-se pelo chão bem lentamente.

Depois de vinte e quatro horas o Senhor Prefeito acordou, amarrado em uma cadeira, ele começou a se bater e a gritar agoniado, sentindo suas pernas amortecidas e uma forte dor de cabeça. Clarita olhava pela janela, a chuva silenciosa que caia lá fora, deixava o dia escuro e gelado, então ela disse:

  - Não adianta gritar, não há ninguém para lhe salvar olhe a sua volta, todos estão mortos, na cidade não há ninguém vivo, pois enquanto você dormia o povo tomava da água envenenada que saia da caixa de água central que abastece a cidade toda, com um ácido poderosíssimo que despejei em abundância dentro da caixa d’agua.

Enquanto a Elite da cidade morria, jogando seus órgãos internos pela boca e se derretendo por dentro, os mais humildes que não tiveram tempo de tomar da água, fugiam aterrorizados, achavam que era uma praga que dominava a cidade. Olhe pela janela como os corpos estão estirados pelas ruas alimentando os corvos que estão vindo de longe. Enquanto ele olhava pela janela com o rosto em lágrimas, ela ria uma rizada daquelas bem altas, finas e agudas, era como aquelas risadas de uma vencedora maligna.

O Prefeito em pranto perguntava o porquê de tudo aquilo, ela lembrava-lhe do ocorrido com a vila dos Cães dois anos antes da visita da Rainha a cidade. Pois é, o General salvou a mim e a meu irmão, porém matou nossos pais, mas se esqueceu que minha mãe era irmã da esposa dele, quando ela soube do ocorrido e que ele havia nos salvado ela chorou lagrimas de sangue, chorou calada e jurou vingança. Instruiu a mim e a meu irmão para fazermos a vingança de nossos pais e de todos da vila dos Cães. Agora cumpri o meu objetivo nesta mansão e nesta cidade.

Com um pouco de esforço o Senhor Prefeito foi se soltando das amarras que o prendia na cadeira e de repente saltou no pescoço de Clarita, cravou suas mãos no pescoço dela, fazendo suas unhas penetrarem em suas carnes e afirmou que a mataria como matou os Cães naquele dia. Clarita quase sem ar apanhou um vaso que estava caído sobre o chão e acertou na cabeça dele que caiu para o lado, mas não desistiu, golpeou-a com um soco de esquerda que quase lhe derrubou a mandíbula. Clarita caiu quase desacordada sobre uma cadeira. O Senhor prefeito pegou um revólver que ficava em uma gaveta secreta de baixo da mesa e apontou para Clarita.

Ela cuidadosamente retirou discretamente das mangas da blusa duas agulhas que ao ser arremessadas a dois metros de distâncias atingiram em cheio os dois olhos do prefeito que caiu de joelhos no chão, as agulhas perfuraram até partes de seu crâneo, o sangue esguichava como água de uma torneira quebrada.

Ao sair da sala ela abriu uma enorme caixa que fora trazida por seu irmão deixada no meio da sala, trancando todas as janelas e a porta da sala. Desta caixa saíram mais de dez serpentes venenosas e famintas, pois faziam vários dias que elas estavam sem comer, sendo preparadas para tal ocasião. Lá da cozinha era possível ouvir os últimos gritos do prefeito.

O corredor mostrava todos os corpos corroídos pelo ácido, Antonieta e Martim estavam pendurados no corrimão da escada cada um portava uma agulha no umbigo e outra atravessando a garganta. Clarita sentia que a morte de seus pais e de seus antepassados estava sendo vingada em grande estilo.

No rio havia um pequeno barco aguardando Clarita e Roberto que corriam em baixo da chuva gelada e silenciosa. Depois de um banho quente e uma boa refeição os dois adormeceram nos braços de sua mãe de criação.
                                       
                                                                                                         Fim
Tema: Família
Francisco Carlos da Silva Caetano
Enviado por Francisco Carlos da Silva Caetano em 02/02/2018
Reeditado em 18/02/2018
Código do texto: T6243021
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