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Últimas Palavras de James Nolan



Me chamo James Nolan e talvez essa seja a última vez que escrevo. Eram quase meia noite quando aquela chamada estranha aconteceu outra vez, eu nunca passei por outro presídio a não ser esse, mas, não acho que seja comum essa vida noturna mais que ativa, como tem aqui em Chesscreck. De segunda a sábado às onze e quarenta, um dos carcereiros vem com uma prancheta e faz uma chamada, organiza alguns grupos e sai escoltando eles. No começo, a curiosidade bateu forte e tive que perguntar para outros presos do que se tratava, a resposta era convincente, algumas turmas eram sorteadas para trabalhar no turno da noite, enquanto a gente dormia eles faziam a comida do outro dia, lavavam as roupas e limpavam os banheiros e corredores. Por mais que a resposta fosse satisfatória, tinham outras coisas que me chamavam atenção, uma parte do grupo nunca mudava, e essa parte era composta por Harold e seus homens, aquele homem sempre me causou arrepios, talvez pelo olhar morto e perdido, sua pele pálida, seus seguranças gigantescos ou suas tatuagens nazistas, mas não era só isso, algo que sempre fez minha espinha gelar, é o fato dele nunca sair a luz do dia. Harold é extremamente ativo durante a noite, mas durante o dia não sai de sua cela, que é a única coberta com panos por toda parte, nunca entrei ali, e nunca me atreveria. Um ar sinistro paira pelas proximidades dela. Dois seguranças trocam funções, enquanto um fica dentro da cela outro sempre está sentado à porta. Fora isso, ainda tem muita coisa estranha acontecendo, me dediquei de verdade no trabalho da cozinha, e chamei a atenção dos superiores. Certo dia reclamei dos horários e falei sobre meus hábitos noturnos, pedi transferência para trabalhar no turno da noite. Para minha surpresa, aquele foi o último sábado que trabalhei durante o dia. Depois do que eu vi alguns dias atrás, me arrependo amargamente. No outro dia era dia de missa, tivemos algumas atividades esportivas, e resolvi me recolher mais cedo, tentei dormir sem muito sucesso, não seria tão fácil regular um sono acostumado àquela rotina.
Consegui dormir ao menos por duas horas, acordei com a chamada dos carcereiros, acompanhei-os e vi que fui designado ao grupo de limpeza, todos nós fomos acorrentados e levados por corredores. Ao chegar no local onde se esperava a limpeza, retiraram nossas algemas e nos foram dados os materiais. Não notei nada de diferente nas primeiras noites, até aquele dia. Certa noite, enquanto eu e mais dois colegas fazíamos faxina nos corredores, próximo a escada que leva ao escritório do diretor. Um dos guardas saiu de uma porta que até então, eu nunca tinha notado. Ao lado da biblioteca estava uma porta de metal maciço, daquelas anti-incêndio. Ele nos chamou e pediu para levarmos o rodo e o balde. O portão grosso dava acesso a um estreito corredor com uma escada para o subterrâneo, ao descer as escadas, outra porta igual a anterior levava a uma quadra. Ela era tão grande quanto o campo na área externa e com uma arquibancada em um dos lados. No meio da quadra, um outro guarda empacotava algo em um saco preto com zíper, daqueles que usam para mover cadáveres. Meu coração estava acelerado e eu sentia um mal-estar, me esforcei muito para não correr de volta para o andar superior. O guarda apontou para uma poça a dez metros de onde o saco preto com algo dentro se encontrava, a parte da poça não estava muito iluminada, e um dos meus colegas, o Ralf, até reclamou de ter que fazer limpeza sem iluminação nenhuma, como veríamos se ficou limpo? Os guardas não deram ouvidos. Pela consistência era óbvio que se tratava de sangue, continuamos a limpeza. Mas algo me chamava atenção para o saco preto, ele não tinha o tamanho de uma pessoa, o volume dentro só ocupava metade do saco. Um dos guardas foi até uma porta dupla do lado direito, e pude ver celas nos poucos segundos que ficaram abertas, não sabia da existência de celas ali embaixo. O guarda que ficou conosco disse que já era o suficiente, e pediu para deixarmos os materiais que usamos em um quartinho atrás da arquibancada, obedientes, fizemos o que foi mandado. Eu fiquei um pouco para trás, caminhei sem pressa. A gente passaria pelo saco preto, e eu queria dar uma olhada de leve, mas não queria chamar atenção do guarda. Então ia esperar o momento em que ele fosse destrancar a porta. Os meus colegas estavam a cerca de quinze metros na minha frente quando passei pelo saco plástico, e a visão do guarda estava obstruída por eles, me abaixei como se fosse amarrar os cadarços, não sabia se aquela era a melhor hora mas imaginei que o guarda também não pudesse me ver daquele ângulo, abaixado, abri o mais rápido que pude dez centímetros do zíper na parte do meio. O choque foi tão grande que no mesmo instante, eu caí para trás, fechando o saco sem acreditar no que eu acabara de ver. Me levantei desajeitadamente e pude ver as costas do guarda se virando, no mesmo instante em que o outro guarda abriu a porta dupla e entrou na quadra, apressei o passo para alcançar meus colegas. Ainda em choque, eu não conseguia pensar em outra coisa se não no saco preto, ou melhor, no que tinha dentro do saco, logicamente pensei que encontraria um corpo dentro do saco, alguns sumiços misteriosos ocorrem aqui e talvez essa fosse só mais uma queima de arquivo. Mas o que vi era muito pior, era o rosto de uma garotinha, não devia ter mais que dez anos de idade. Sua cabeça estava solta do corpo, o rosto tombado meio de lado com a boca suja de sangue descansava em seu tórax, os cabelos loiros sujos com um tom de vinho. Tentei manter a calma mas era evidente meu descontrole, meus colegas perguntaram se eu estava bem, e um dos guardas, não lembro qual, deu um sorriso para mim. Voltando para minha cela, eu lembrei de ter visto o diretor passar por mim e meus dois colegas, antes do guarda nos chamar, não sabia por que só lembrei daquilo tão depois, ele veio daquele lugar sinistro. Tentei voltar minha mente para o diretor e incrivelmente não pude, não me lembro do rosto dele, nem ao menos me lembro de ter olhado para ele uma única vez. Percebi que sempre que ele passa por mim eu baixo a cabeça, não sou só eu, mas todos ao meu redor. Guardas e prisioneiros, inclinam-se em uma quase reverência. Sempre que eu me esforçava para lembrar do diretor, o rosto da garota voltava em minha mente, a forma singela que seu rosto se inclinava para a direita, os olhos mortos fitando o nada. Comecei a fazer algumas perguntas aos outros presos sobre o diretor, a maioria não me levou a sério, não falei sobre a garota, nem com Ralf e nem com meu outro colega Ginger, que estiveram comigo lá embaixo, eles não lembravam, de se quer ter ido até a quadra no subterrâneo.
 A uns tempos eu tenho tido uns lapsos de memória, tenho sonhos estranhos e me sinto fraco, desconfio de tudo e de todos. Estou paranoico, acho que estão me observando, me seguindo, me drogando, não estou me alimentando direito e já perdi vinte quilos desde o incidente, ontem fiz uns exames na enfermaria e eles indicaram anemia, a doutora pediu para eu retornar hoje à noite, mas eu estou com um mal pressentimento. Resolvi escrever isso e deixar na biblioteca junto com os livros que tenho para entregar, não seria surpresa se eu não voltasse. Talvez eles me matem, talvez seja melhor, pelo menos o rosto da garota vai sair da minha mente de vez.

Tema: Investigação policial
Total de Palavras é de 1307!


   

 
  

 

  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DTRL Desafio de Terror Rascunhos Literários
Enviado por DTRL Desafio de Terror Rascunhos Literários em 05/08/2019
Reeditado em 08/08/2019
Código do texto: T6713369
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