Nas garras da Angustia

Sempre me pergunto: Por que? Por que eu tinha que estar lá? Até hoje não me conformo com sua atitude. A cena em que você aparece despendurado em uma corda se decompondo lentamente, não sai de minha mente. E isso já faz mais de dois meses. A vida é injusta com muitos, tantas injustiças, decepções e traumas, mas isso não poderia ser motivo para tirar a própria vida. Sua atitude está me destruindo, é como uma maldição, você juntou-se aos milhares no mundo dos mortos, e essa sua depressão continua viva em mim. No momento em que eu vi você naquela situação, em perfeito estado de decomposição, eu senti uma brisa fria, escura e carregada de tristeza que foi invadindo minha alma, corroendo-me por dentro, cortando meu ser, como uma navalha muito afiada deslizando de dentro para fora em meu corpo.

Saí em desespero e fui para minha casa, voltei para o meu mundo solitário e vazio, tranquei-me no meu quarto escuro e com cheiro de mofo, afinal o inverno já dura dias com essa chuvinha fina e gelada, o sol está doente e de cama, pois há dias ele desapareceu, ou talvez a escuridão que aprisionam as almas errante supostamente vivas, mas sem a presença do amor tenha aprisionado o sol que vive solitário no imenso universo. As flores estão apodrecendo na umidade e com a falta de luz solar, tudo em volta parece ter sido tocado pela morte e estar sendo consumidos pela angustia.

Ao acordar pela manhã fui surpreendido por um forte sentimento, mais forte que a depressão, em um estado de extrema angustia, muito mais avançado do que já estava, creio que é a mesma depressão que levou meu amigo a tomar aquela atitude. A angústia se apresentou a minha alma, tinha formato de humano, uma forma que se formava por meio de uma fumaça grossa, escura e freia. Nela se formava um rosto demoníaco e com fome de alma, sede de lágrimas, ela tomou-me em seus braços e levou-me ao abismo da escuridão, um lugar caótico, úmido, com cheiro de enxofre. Tinha uns sons angustiantes, como pessoas gritando na ânsia de uma morte dolorida.

Este lugar parecia o hades pregado pelos pentecostais, um lugar infernal. O chão estava como uma espécie de lama muito lisa, parecia fezes humana ou uma espécie de lodo. Isso tudo me deixou encharcado, era uma mistura de suor frio com aquela humidade típica daquele lugar de tormento. Fiquei atordoado e meu corpo já não tinha força alguma. A angustia, nome que dei para aquele ser demoníaco que me tomou em seus braços, havia me posto no chão, forçando-me a caminhar, ou seja, rastejar por aquele caminho infernal.

Sem forças, sentei debruçando-me sobre os joelhos, meu corpo tremia sem parar, então me pus a chorar, tudo que eu via era a cena em que te encontrei naquela noite, até o cheiro de sua decomposição se apresentava diante de minhas narinas. As lágrimas que corriam em meu rosto molhavam meus gritos de socorro que sequer passavam pelos meus lábios, estavam sufocados na garganta como uma forte mão apertando meu pescoço pressionando as cordas vocais.

Com o coração preso pelas garras da Angústia, esse ser demoníaco que veio das profundezas e te levou a tomar aquela decisão. Fazia minha alma gemer, meu ser estremecer, naquele lugar frio e asqueroso, onde os sentimentos se materializam em seres terríveis e assustadores, que podem te agarrar, com poder de corroer a sua alma, seu ser, seu corpo, como uma navalha fina, bem afiada e gelada te retalhando de dentro para fora.

No meio da escuridão daquele imenso abismo, cenário aterrorizante, lugar de podridão de almas. Você surgiu na imensidão do nada e veio voando nas asas do vento, você teve uma entrada triunfal no meu mundo caótico, parecia cena de filme. Você não tinha mais aquela aparência em estado de decomposição, agora você ganhou a forma de um ser de luz, seu olhar resplandecia uma forte luz, que expulsou a escuridão e a Angustia materializada em um ser demoníaco que me prendia e me envolvia em suas garras.

Por um instante a paz reinou naquele lugar, você tomou-me pelas mãos e me arrastou daquele abismo infernal. Da sua boca saíram palavras doces que alimentaram o meu ser, eram palavras que aqueciam a minha alma, curavam as feridas de meu ser e iluminavam meu caminho, da podridão, do charque de lodo. Você gritou o meu nome com uma voz de trovão, relâmpagos surgiram por todos os lados, o som de sua voz adentrou meus ouvidos fazendo tremer os meus tímpanos. Dei um grande salto e acordei em um lugar lindo, cheio de gramas verdejantes, um lindo sol brilhando e você sorrindo, aquela risada alegre e contagiante que você sempre teve.

Corri em sua companhia por todos os ledos explorando este novo ambiente, esse paraíso sem fim. Luz, vida, alegria, paz era tudo que eu via, mas por um momento olhei para baixo e vi meu corpo repousando em caixa brilhante na presença de algumas pessoas com olhares de espanto. Uma fumaça escura circulava na sala.

Fim!

Francisco Carlos da Silva Caetano
Enviado por Francisco Carlos da Silva Caetano em 29/10/2020
Código do texto: T7099093
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