A Casa de Usher I

 

Fred acordou de súbito. Ouviu um grito, ou o que parecia um.


Olhou em volta, mas não havia nada, só escuridão. Aprumou os ouvidos.

 

O que foi aquilo?


Levantou-se, tateando a pequena escrivaninha à cabeceira da cama em busca de sua lanterna. Acendeu-a, dirigiu-se até a porta do quarto e nela colou os ouvidos. Estava gelada. A madeira de carvalho, grossa, não oferecia melhor audição do exterior, mas ele continuava escutando algo.

 

Era um som baixo, que parecia vir do corredor, como se alguém estivesse arrastando os pés, caminhando sem tirá-los do chão.

 

Tentou imaginar o que poderia estar se arrastando no corredor, a essa hora da noite, e sua mente concebeu algo horrível.


Estremeceu, fazendo a lanterna quase cair de sua mão.

 

Então, de repente, o barulho cessou.

 

Fred descolou os ouvidos da porta. Os pelos de sua nuca estavam arrepiados e uma gota de suor solitária escorreu pela testa, apesar de não fazer calor. Tentava de novo escutar alguma coisa, mas nada ouvia.

 

Por um momento ficou em dúvida. Não sabia se abria a porta ou voltava para a cama – aquele tipo de indecisão intensa e incoerente que, por vezes, se abate sobre as mentes racionais e que levam a outras dúvidas sobre o próprio estado de sanidade. Acabou por se convencer de que estava ficando paranoico.

 

Não havia nada demais lá fora, não poderia haver.

 

Estava embriagado de sono e não precisava se preocupar. Decidiu voltar à cama.


Quando ia se virando, voltou a ouvir algo que o fez dar um pequeno salto. A lanterna em sua mão oscilou e novamente quase foi ao chão. A respiração acelerou, junto com os batimentos.

 

Dessa vez teve certeza que o barulho não era fruto de sua mente amedrontada, pois o som se repetia incessantemente, de novo, e de novo, e...


Enlouquecera.

 

Essa era a única explicação que lhe parecia plausível. Enlouquecera e estava ouvindo coisas, fruto do seu próprio medo.

 

Coitado! Antes fosse… mas não...

 

Eram sons de passos.

 

Havia alguém no corredor.


Ele estava sozinho na casa. Alexandra estava fora da cidade e não levara a chave, como diabos poderia haver alguém no corredor?


Fred prendeu a respiração, foi até a porta e a escancarou abruptamente, quase distendendo o músculo do braço. Não deveria ter feito isso sem preparar sua mente para o que pudesse ver.


Pobre alma! Qualquer um em seu lugar daria o mundo para ter nascido cego!


Estava escuro, mas ele viu o mais sinistro dos horrores que assolam esse mundo. Bem na sua frente.


Um rosto terrivelmente disforme, hediondo, carrancudo. Formado por não se sabe o que, oriundo de não se sabe onde. Sem corpo, somente a cabeça envolta por uma mortalha, numa expressão horrenda, flutuando no escuro.


Era medonho, assustador, espectral, ilusório. Havia nele um leve brilho vermelho infernal e um odor acre que só poderia ser exalado pelo próprio diabo!


Se Fred não tivesse aberto a porta com tanto vigor, se houvesse feito com delicadeza, medo, receio de ver algo que não queria, talvez a sua mente não tivesse levado tamanho choque.

 

A lanterna caiu de sua mão, e ainda assim aquela coisa fantasmagórica podia ser vista. Era inumana, sem forma definida, algo esdrúxulo demais para existir, algo que nem mesmo deveria existir!

 

Por Deus!


Frederico, com os olhos esbugalhados, morreu instantaneamente.

 

O coração parou, uma artéria no cérebro se rompeu, o pulmão se esvaziou e se encheu de muco, os olhos ficaram opacos e seu rosto se petrificou numa profunda expressão de horror e desespero.

 

E a visão fantasmagórica sorriu.

 

Se por acaso, em algum pesadelo infernal, aquilo pudesse ser chamado de sorriso!

 

Sim, ela/ele sorriu!


Usher sorriu! Lady Madeline sorriu!


Enquanto a mente sã se devasta!


Continua em A Casa de Usher II (recantodasletras.com.br)

Daniel Santos I
Enviado por Daniel Santos I em 17/04/2024
Reeditado em 18/04/2024
Código do texto: T8043806
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