Histórias de meu padrinho Malasarte I

Em tempo de desmame ele perdeu o pai. Ainda adolescente foi o meu padrinho. É o primo mais velho da família por parte de pai. Tinha seis anos quando me deu um dos poucos presentes que recebi dele na vida. O maior foi o carinho que teve por mim uma vida inteira. Os presentes foram um corta unha made in Japan e uma camisa pólo de cor verde parecida com a de Peter Pan. Netos de fazendeiro, nós passávamos as férias na Fazendinha, este é o nome dela. Vovô então já era cego. Pedrão, dindinho, fez arte. Foi até ao vilarejo de charrete. Saltou dela, pediu para um moleque segurar as rédeas de Mimo, um cavalo castrado e manso, e esvaziou nas narinas dele duas lanças perfumes. Mimo se transformou num corcel bravio, deu coices na charrete e foi parar sobre o balcão do bar do Tanuço, o turco, com a cabeça perto das prateleiras de cachaça e as ancas e patas traseiras perto dos beber-rões.

Nunca teve um pai para lhe dar limite. Falar não faça isso Pedrão. Vovô Nato passou-lhe uma espinafração e proibiu que ele retornasse à Fazendinha por um lustro. Aos dezoito anos recebeu a herança do pai. Um açougue, uma banca de jornal, lojas num shopping antigo de Icaraí, Niterói e dinheiro em espécie.

Soube que deu uma festa.

Para tanto comprou uma casa no Fonseca, bairro de Niterói. Pintou, caiou muros, fez uma boa faxina junto com a rapaziada da praia e do Clube Central de Icaraí. Subiu telhados. As caixas de água estavam umas imundícies. Lavou, jogou soda cáustica. Encheu de água e esvaziou várias vezes. Enfim foi ver a caixa vazia e teve uma das mais extraordinárias idéias farristas de todo mundo: decidiu encher as duas caixas de água com vinho e assim o fez.

Chegaram os convidados saía vinho pela pia da cozinha, pela descarga do vaso sanitário, pelos chuveiros dos dois banheiros. Quem ficava de porre tinha que tomar banho de vinho. Pena que eu ainda fosse um crila sem idade para ter estado lá naquele festim adoidado.

Quando acordou com uma jovem de cada lado sentiu sede, foi à padaria, fez café com água mineral. Pôs a mesa e convidou quem descia das escadas a enterrar os ossos do dia anterior.

O vinho, já vinagre, ardia nas narinas dos comensais que foram embora de fininho.

Apenas o taxista que levava Pedrão para tudo quanto é lado perma-neceu para esperá-lo.

Hoje eu não vou te pagar a corrida seu José.

Por que Pedrão?

Porque vou te dar um presente de maior valor. Estacione e suba até o apartamento de mamãe comigo.

Sob os olhos carinhosos de tia Marta, Pedrão pegou a escritura do imóvel, entregou a seu José e disse que na segunda-feira iriam ao cartório para passar a escritura da casa para o nome dele. Mas as chaves ele já podia levar.

Foi assim que dindinho começou a enriquecer a sua vida de histórias.

Fabio Daflon
Enviado por Fabio Daflon em 12/12/2008
Reeditado em 26/05/2016
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