O SUICÍDIO

Padre Carlos acabara de celebrar mais uma missa na igreja de São Domingos, pequena cidade encravada no sertão baiano. Era uma manhã de domingo, tão plena de um esplêndido verão! Os fiéis, ainda silenciosos e comovidos com a oportuna explanação do pároco, saíam agrupados em direção à praça principal da cidade, que ficava em frente à igreja, para que pudessem, sob as árvores frondosas, sentirem em seus espíritos, o deleite de uma bela manhã dominical, num ambiente propício para conversas amenas.

O pároco de uma pequena cidade, além de líder religioso de sua paróquia, tem a função também de aconselhar as famílias, acerca das inúmeras dificuldades que as afligem. Os moradores da pacata São Domingos, quase não dispunham de opções de lazer. Apenas uma cascata, que despencava imponente do alto de uma serra, formava no início de um boqueirão, um aconchegante balneário, para onde os moradores da cidade e daquela redondeza se deslocavam, ávidos por alguns momentos deliciosos de lazer.

Padre Carlos nascera em São Domingos. Ali vivera a infância e parte da adolescência. O pai, um simples funcionário público municipal, sobrevivia com o salário mínimo que recebia. A mãe, uma costureira, trabalhava dia e noite em seu ofício, com o propósito específico de completar o orçamento da família. Como tinham um único filho, pretendiam oferecer o melhor para ele. E fora assim que, com dedicação e sacrifício, reuniram modestas condições econômicas para que o filho completasse os estudos, até a chegada do momento magnífico de sua Ordenação.

Há cinco anos, o jovem sacerdote voltara à sua cidade natal, para substituir um colega que se aposentara. Todos na cidade ficaram felizes com o retorno do filho ilustre. Educado, simpático, amável, não fora difícil para o jovem pároco, adaptar-se à comunidade, que lhe retribuía da mesma forma, concordando de imediato, com as mudanças que ele pretendia fazer na estrutura administrativa da paróquia.

Dentre as mudanças implantadas por Padre Carlos, uma das principais, fora o retorno dinâmico da Pastoral da Juventude, que estava praticamente desativada. Os jovens da tranquila cidade, além do estudo, não tinham mais o que fazer; então, a ociosidade predominava no dia a dia de suas vidas. O padroeiro da cidade (São Domingos), passara a ser festejado com mais fé, com mais amor, com mais fervor cristão. No Natal, um grande presépio era armado no meio da praça, para a comemoração fraterna do Nascimento do Espírito Puro do Mestre Jesus, num corpo físico masculino tão especial para a humanidade terrestre. Competições esportivas, apresentações teatrais, festivais, jogos, palestras, exposições, shows cristãos, excursões para intercâmbio cultural religioso, foram modificações construtivas que transformaram a pacífica São Domingos, numa irrequieta e dinâmica cidade.

Padre Carlos ficara famoso pelas redondezas, mais até do que o prefeito da cidade, que também aprovava o seu modo inteligente e inovador de gerir a paróquia. Novos bares, restaurantes e pequenas pousadas, aos poucos foram surgindo. A movimentação noturna se intensificara. Em São Domingos, antes da chegada do jovem pároco, haviam apenas dois homossexuais. Um, era dali mesmo. O outro, era de cidade vizinha.

De repente, a cidade vira-se infestada por um número cada vez crescente de homossexuais. Não se sabia ao certo por qual motivo, estaria acontecendo aquela anormalidade de comportamento. Os comentários e as queixas das famílias já eram frequentes; e quando algumas delas procuravam Padre Carlos para uma possível atenuação do problema, ele se desdobrava em inúmeras explicações que não as convencia; pelo contrário, ficavam cada vez mais confusas e apavoradas, com a possibilidade clara, de terem a qualquer momento, filhos homossexuais.

Um dia, após a celebração da missa dominical, todos saíram, e Padre Carlos fechara a igreja. Sem ele saber, duas senhoras ficaram escondidas numa sala. Algum tempo depois, quando elas se certificaram de que não havia mais ninguém na instituição religiosa, saíram da sala e foram direto para a sacristia, no intuito de terem uma conversa franca com Padre Carlos, acerca daquele problema comportamental tão incômodo. Ao empurrarem a porta, que estava encostada, encontrou-o despido junto com dois adolescentes masculinos, mantendo explícita relação sexual com os dois mancebos.

O jovem padre tentou se justificar, mas não havia nenhuma justificativa que pudesse isentá-lo de culpa. Os dois adolescentes, nervosos e assustados, vestiram as suas roupas e saíram correndo. As duas senhoras, indignadas com o que viram, também saíram com a intenção de tomarem as devidas providências, como por exemplo, a expulsão daquele religioso pervertido, da cidade que o recebera com tanto amor e carinho, depositando nele toda a confiança.

As duas senhoras espalharam a triste e decepcionante notícia. Em pouco tempo, a praça e a porta da igreja estavam repletas dos moradores de São Domingos, revoltados com o ato inconsequente de Padre Carlos, que era o principal causador de transformar a cidade num covil libertino de homossexuais. E todos gritavam em uníssono: "Imoral! Imoral! Imoral!" E a igreja fora arrombada e invadida por uma imensa multidão colérica, que, no entanto, vira extasiada uma cena horripilante, nunca antes vista em São Domingos, nem em outra cidade.

Padre Carlos estava pendurado com uma corda amarrada ao pescoço no meio da igreja. Se suicidara!

Adilson Fontoura
Enviado por Adilson Fontoura em 26/07/2014
Reeditado em 03/12/2020
Código do texto: T4897091
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