Luzes da idade

Minhas caminhadas estavam nada enfadonhas, mas assustadoramente expostas aos males do mundo. Caí na realidade de que a simples desistência de meu prazer de andar não consertava meus sentimentos. Inverti os momentos, deixei as saídas matutinas, comecei a dormir de tarde, em troca de curtir a noite. Para diminuir o risco de sair sozinho, arrumei um cachorro para me conduzir. Foi assim que o achei. Alimentei cães vira-latas por muito tempo, sem compromisso de trazê-los para minha casa, até que um deles foi mais amigo que outros. Eu literalmente o encontrei em abandono, ainda quase um filhote, fazendo gracejos para mim de maneira estranha. Tinha uma inteligência canina incomum, isso era certo. Era vira-lata, só que obediente. Acabou ficando como meu cão vira-lata de estimação. Dei o nome de Bin. A origem do nome é óbvia: foi retirado de “Bin Laden” mesmo, o terrorista. O motivo banal veio de supetão, simplesmente ao ver os três vasos destruídos numa semana solitária. Via-se que tinha horror da ausência de afetos. Pudera, era mesmo um menor abandonado.

O cão era ótimo companheiro nas caminhadas noturnas. Saímos pelas ruas. Subíamos as ladeiras, descíamos vielas, corríamos juntos.

Um dia encontrei um velho amigo atento aos céus noturnos. Seu olhar fixava-se nas estrelas, provavelmente em delírio diletante da idade. Mas não foi bem isso. Ele me chamou para ver as luzes, três pontinhos luminosos em equidistância, no formato de um triângulo perfeito, perto do topo do morro. Não eram definitivamente corpos celestes. Eram sim, óvnis, ele me disse. Reparamos nas cores que mudavam de azul para roxo, depois branco e novamente azul.

Assistimos ao espetáculo com fervor religioso, sem desviar os olhos. Quase vinte minutos se passara até que, de súbito, as luzes sumiram e um vento noturno roçou nossos rostos. Era um vento quente. Quando voltei minha atenção para meu cachorro Bin, dei por sua falta. Procuramos em todo lado e nem sinal de vida dele. Voltei para minha rua e novamente, nada vi. Ainda assustado com a assombração do espaço, dormi um sono tumultuado. Sonhei com ETs com aparência canina e ao acordar lembrei-me disso e de que Bin tinha ontem sumido durante o contato imediato de primeiro grau. Recordei-me do filme “ Homens de Preto” e lá, do cãozinho que falava e era um tremendo vigarista. Sai na procura de Bin naquele dia e durante os dias seguintes, em vão. O cão evaporou. Será aquele vento quente que me deu adeus? Com o tempo passei a acreditar que Bin era um ET vestido de cachorro e fiquei feliz por ele ter se reencontrado com os seus iguais. Quem sabe no mundo extraterrestre dos cães ou seres parecidos, haja lugar para a amizade com os humanos, tanto quanto há neste planeta azul. Os cães vêm de Miranda.