Viagem através do sonho-

( primeira viagem )

Após muito percorrer em minhas viagens através do tempo, faltou-me espaço onde eu pudesse me colocar para poder estabelecer um paralelo entre o sonho e a realidade.

Parecia que tudo desaparecera, nada sobrara onde eu pudesse me sustentar e me apoiar para depois tentar estabelecer este paralelo entre os dois sentidos ou mesmo o sentimento que sempre se digladiavam dentro de uma mesma pessoa, entre o bem e o mal.

Com a falta de espaço o tempo corria velozmente e somente após delicadas intervenções no sentido ainda aberto, conseguia sentir que ainda estava no mundo dos vivos, que pensam que vivem e que tudo sabem.

Entre o sentido filosófico e o devaneio de uma alma inquieta que não se acomoda dentro das situações que se coloca no mundo, preferi as inquietações ao comodismo que é próprio dos covardes.

Dos conceitos que antes se chocavam dentro do contexto do mundo que pensamos ser real, ficaram apenas as impressões que algo que fora relegado ou transformado procurando-se com isto o termo exato do certo e do errado num mundo que já a muito se encontra perdido no espaço sem espaço.

Tentando fugir da realidade do dia a dia, as viagens através do tempo tornaram-se a única alternativa de não sofrimento. Quando as viagens se concretizam, passo a enxergar um mundo diferente daquilo que vemos no dia a dia contemporâneo e nestes momentos de aparente fuga, nos realizamos como homens e somos senhores de nós mesmos.

Nos momentos de plena lucidez do espírito ainda não liberto da matéria que se torna cativa de uma alma ainda habitante do corpo, vejo todas as formas e aspectos de uma realidade que existe somente para uns poucos que ousam se aventurar através do pensamento.

As formas e contornos de tudo se tornam suaves, com leves oscilações de cores e fragrâncias que existem apenas nos espaços interdimensionais que se colocam entre uma realidade e outra ou mesmo entre um tempo e outro tempo.

Os cavalos alados voavam no espaço sem dificuldades, enquanto uma infinidade de seres ainda não concretos passeiam livremente por campos onde as flores ainda são desconhecidas dos humanos do planeta terra. Os odores e perfumes exalados pelas flores se confundem com o cheiro da relva entremeada de uma vegetação inimaginável.

Aproxima-se de mim uma espécie de cavalo, de cores brilhantes e translúcidas e calmamente sem medo, passa bem perto exalando um leve cheiro de flores silvestre. Neste momento me vêm à cabeça dentro de minhas lembranças e recordações as comparações com os animais por onde sempre transito, onde o cavalo sempre exala um cheiro forte e característico de suor.

Um pássaro parecido com um beija-flor, porém de tamanho enorme voa perto e se assenta em um galho daquele vegetal que ousei classificar de árvore.

O tronco do vegetal parece ser de cristal translúcido e através dele posso ver, como ser fossem veias, pequenos canais e dutos onde circula algo que poderia ser chamada de seiva, não fosse o tipo dela, que mais parecia ser energia líquida.

Enquanto o pássaro fica parado, entoa um canto que não ouso tentar descreve-lo por não ter nenhum grau de comparação dentro de minha mente concreta cheia de formas e conceitos. O som, no entanto parece ser música, como se fosse um órgão bem afinado.A música suave é logo interrompida o que me provoca certa frustração por sentir-me privado dela.

O sonho que pareço ter naquele momento fica mais prazeroso quando observo dentro de um lago de águas cristalinas como de puro cristal, peixes que eu ainda nunca havia visto.Eles pulam como se estivessem dentro de uma festa bastante animada.

O meu gosto por água, me faz caminhar em direção ao lago e à medida que me aproximo ouço os sons, da melodia que são entoadas pela jovem que se encontra à beira do lago, sentada sobre um cristal de rara beleza.

Tentando evitar quebrar aquele encantamento me aproximo sorrateiramente evitando ruídos que possam assusta-la e fazer com que pare seu canto tão melodioso.

Ela me olha com largo sorriso e apenas interrompe momentaneamente seu canto, mas logo depois continua, como se nada mais existisse e mesmo eu não estivesse ali, olhando-a de forma tão insistente e atrevida.O canto parecia ter forma e ondulava na brisa perfumada que exalava por todos os lugares.A beleza da jovem era indescritível e nenhuma palavra irá conseguir descrever todos os detalhes.

O paraíso era aquilo e tudo fazia parte daquele lugar pouco conhecido por pessoas da terra.Naquele momento onde o mental comparativo é ativo, comecei a fazer milhares de comparações das situações que se apresentavam diante de mim e nada conseguia chegar perto daquilo que parecia ser irreal. Dentro de um mundo concreto onde tudo não passa de uma ilusão ou Maya, aquilo poderia ser apenas um sonho, porém eu sabia que era real e que ia além do cotidiano e da compreensão dos seres humanos.

O ruflar de asas me tirou dos pensamentos e comparações e quando me voltei vi que um enorme ser alado acaba de pousar bem atrás de onde me encontrava observando a jovem que cantava de forma majestosa.

A criatura que tinha a aparência de um anjo, era menos belo que a jovem cantora.Ele se aproximou e com largo sorriso me cumprimentou com leve inclinação da cabeça, gesto este que retribui ao mesmo tempo em que tentei esboçar algumas palavras.

Por mais que tentasse me expressar, falar e comunicar-me com aquele casal, nenhum som consegui emitir e o entendimento parecia que vinha à cabeça e me contentei em sorrir e cumprimentar o casal que em nenhum momento se preocupou com a minha presença.

Enquanto tentei alinhar meus pensamentos, observei que os dois se comunicam de uma forma melódica como se fosse música, dentro de uma escala ainda desconhecida. Por nada entender de música, apenas me deliciei com os sons que eram articulados e que na seqüência destes criavam a musicalidade.

Após alguns momentos de sons emitidos de forma musical, o casal se retirou, depois sorrirem para mim.

Depois de alçarem vôo, a minha atenção voltou-se novamente para o lago onde os peixes continuavam pulando como se estivessem se divertindo. Nuvens suaves como se fossem de um algodão finíssimo passavam sobre mim, muito baixas e naquele momento vi que eram de fios de cristal que brilhavam com os reflexos do sol.

Aquele sol que eu ainda nem ao menos tentara observar, diante de tanta beleza e coisas inusitadas que via a todo o momento, não me feria a visão, nem tão pouco esquentava, parecia ser apenas uma grande luz branca, com calor suficiente para manter aquelas formas de vida vivas em perfeita harmonia.

Continuei minha jornada e passei por residências que mais pareciam terem sido esculpidas no puro cristal devido a sua forma e ângulos que as elas tinham.Tudo parecia ser translúcido era como se pudesse sentir a suavidade das formas e apalpar os sons e aromas que sempre estavam presentes onde quer que eu fosse.

A vida se fazia presente em todos os lugares, tudo palpitava e brilhava, até os sons pareciam ter forma.

Era realmente um mundo novo onde qualquer um poderia viver para sempre, eternamente sem nunca sofrer ou questionar. O equilíbrio era perfeito, tudo era harmônico, como se fosse uma obra de arte esculpida em seus mínimos detalhes e que o criador de tal obra realmente se inspirara em fazer algo de deixar qualquer humano com inveja diante de tanta beleza.

Tudo era equilibrado e cada vez mais eu procurava descobrir novidades tentando absorver tudo visualmente e sonoramente. Meus sentidos estavam apurados, pois podia sentir a brisa como sussurro, os odores como alimento e todas as formas como se estivessem vivas. Minha visão ultrapassava todas as formas, tudo era translúcido.

O meu andar era macio e suave, não existia o cansaço comum das longas caminhadas, não sentia sede, calor, fome e somente o contentamento era o que importava naquele momento em que me deliciava em ver, sentir e ouvir tudo de uma forma plena, completa e serena.

Enquanto eu analisava tudo que via, um outro eu pedia que esquecesse e apenas usufruísse daquilo que podia naquele momento e que poderia não durar para sempre e talvez nunca mais se repetisse.

A razão e a emoção se dividiam em opiniões discordantes, porém o próprio lugar sempre trazia o equilíbrio. Tudo era perfeito, digno de ser moradia dos deuses e escolhidos.

Ainda não conseguira, no entanto, descobrir como chegara até ali, embora tudo fosse uma sucessão de acontecimentos visuais, não conseguira ainda uma comunicação do modo que estamos acostumados, através da palavra e mesmo do raciocínio.

E mais uma vez o bom senso dizia: “aproveite, delicie-se, sinta, absorva tudo e esqueça os detalhes tão pequenos diante de tanta grandeza”. Fui seguindo e naquele momento vi estranhos pássaros que pareciam serem andorinhas, embora o tamanho fosse bem maior das que eu estava acostumado a ver. Era como fossem de cristal que podiam desafiar as leis normais da natureza e voar de uma forma ondulatória como notas musicais seguindo dentro de uma pauta traçada. Era a perfeição.

Tudo parecia emitir música até mesmo uma folha que caia das árvores tão abundantes pareciam seguir uma rota precisa. Inclinei-me e peguei uma folha que acabara de "pousar" no chão e senti que uma vibração diferente perpassava por minhas mãos e depois por todo o corpo. Logo ela se desfez como se houvesse uma desagregação de finíssimas partículas de energia, que se desfaziam em minhas mãos enquanto apenas uma energia revigorante passava por todo meu corpo.

Após sentir aquela sensação toquei outra folha que caiu e a mesma energia passou por meu corpo. E assim fiquei por alguns momentos deliciando-me daquela sensação gostosa e saudável.

Prossegui andando de forma despreocupada tentando entender todo que estava vendo e sentindo, quando ouvi um leve silvo que parecia distante chegar-me aos ouvidos que tinham adquirido a capacidade de ouvir e mesmo sentir os sons de uma forma completa.

Olhei para minha direita de onde parecia vir o som, porém nada existia ali que pudesse ter emitido aquele som. Apenas alguns animais parecidos com pequenos cervos, e alguns “faisões” andavam despreocupadamente alimentando-se com algo que encontravam na relva.

Pensando ter-me enganado, prossegui o caminho despreocupado tentando, no entanto ouvir qualquer som que pudesse evidenciar alguma comunicação que eu tanto desejava.

Como se tudo dependesse de explicações e que a lógica tivesse morada naquele lugar.Bem mais à frente dois seres que pareciam muito com os que eu vira na beira do lago passaram voando de uma forma suave. Não faziam nenhum esforço, suas asas pareciam mais serem adorno e que poderiam levitar e se deslocar pelo espaço sem elas, muito embora elas fizessem o movimento comum das aves quando voam. Pareciam pombos. O ritmo com que batiam as asas era suave sem barulho ou sobressaltos.

A cada nova visão e sensação que sentia, tentava imaginar que o paraíso se um dia existiu deveria ter sido igual aquilo ou aquele lugar onde eu estava, sem, no entanto saber na verdade onde ficava aquele lugar de beleza tão plena.

Novamente aquele leve silvo interrompeu meus pensamentos e olhei em todas as direções tentando descobrir o autor do som que ouvira, porém, nada de anormal se podia ver. Além das árvores, dos animais, do lago, dos peixes e mesmo dos seres que andavam despreocupadamente nas ruas floridas da cidade de cristal que ia ficando á minha esquerda.Os sons pareciam ser ondulatórios, como se eu os visse.

Prosseguindo minha caminhada que eu não sabia até onde iria, nem mesmo me preocupava com nada. O que importava naquele momento era sentir e viver cada minuto de deleite visual, físico e mesmo espiritual.

O sol parecia que nunca iria chegar ao ocaso. Permanecia sempre no mesmo lugar, como se fosse enorme lâmpada colocada ali para iluminar um mundo onde tudo estava dentro de um padrão de beleza e harmonia perfeita. Era realmente um mundo onde não deveria existir a morte de forma que nós conhecemos, tudo era equilibrado e onde há o equilíbrio, não deve existir a morte.

Durante muito tempo observei detalhes de tudo que via e encontrava, pelo caminho.Eu apenas seguia sem me preocupar com algum destino a ser alcançado.

As cores se alternavam de acordo com os animais, aves e até mesmo as plantas. Os odores sempre suaves de flores abertas exalavam seu perfume para deliciar todos os habitantes daquele lugar. Os sons se alternavam. O canto de pássaros, peixes e animais que corriam enquanto se alimentavam. Não existia o medo, por várias vezes animais se aproximaram de mim, permitindo que eu os acariciasse.O conceito de céu ou paraíso encontrava ali, uma comparação real.

Novamente o silvo longo, como se fosse um assobio interrompia meus pensamentos que cada vez mais se abstinha de pensar. Queria ficar embevecido por todos os aspectos que via diante de mim.

Parei e por momentos imaginei que alguém procurava se comunicar comigo, ou tentava chamar minha atenção para alguma coisa que pudesse ter passado desapercebida durante toda a minha caminhada.Mas enquanto esperava, apenas ouvi as palavras:

__ Pai...pai, acooorde, está na hora de nos levar para a escola...

Naquele momento entendi que aquela viagem terminara e que talvez algum dia consiga retornar àquele lugar.

15/11/03

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 02/12/2005
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