Guerra de Troia, segundo Raquel
I
Em tempos idos eu li
Essa história n´O Cruzeiro;
Raquel de Queiroz, autora,
Com estilo altaneiro,
Falou do meu Alto Santo,
Terra de um povo guerreiro.
II
Lá pelo Rio de Janeiro
Lembrou do lado de cá,
Pois ela nunca esqueceu
Das terras do Ceará;
O que acontecia aqui
Ela divulgava lá.
III
Só o fato de lembrar
É pra nós, gratificante;
A dama da literatura
Com inspiração delirante
Falou da “Guerra de Troia”,
Uma história interessante.
IV
Seu estilo tão brilhante
Faz qualquer treva luzir;
O brilho da inteligência
É bem gostoso curtir,
Por isso eu digo em versos
Tudo que eu percebi.
V
A história que eu li
Dona Fanca reproduziu
Em seu livro tão profundo
Que o povo inteiro curtiu
Em todo o meu Ceará
E parte do meu Brasil.
VI
Bela Raquel seduziu
Com termos que eu decanto,
Estilo tão vanguardista
Que eu admiro tanto;
“Essa história aconteceu
No lugarejo Alto Santo”.
VII
Sem dúvida esse recanto
É terra de carnaubais,
Onde uma moça arrasava
O coração dos mortais
Na ribeira do Jaguaribe
Por ser bonita demais.
VIII
Não está escrito nos anais,
Mas na imaginação serena;
Uma fêmea sensual
De pele sexi e morena
Pelo frenesi que causava,
Ganhava até de Helena.
IX
Um dia a deusa pequena
Na vida fez belo teste,
Casou com um filho da terra,
Orgulho do meu Nordeste,
Valente como um leão,
Másculo e “cabra-da-peste”.
X
Sem ter ninguém que conteste
O casal foi com certeza
A um samba que havia
Bem próximo, na redondeza,
Onde a moça foi mostrar
O esplendor da beleza.
XI
Com maestria e destreza
A moça dançava bem;
Dançou muito com o amado
E com os outros também;
Sem demonstrar ter ciúme
Mostrou que era do bem.
XII
Quatro moços foram além,
Dançaram até cansar
Com a dama mais bonita
Que havia no lugar,
Com atenção exagerada
Passaram a lhe cortejar.
XIII
O marido após pensar:
Mulher bela tudo arrasa;
O amor estava “em flor”,
Ardente como uma brasa,
Disse: minha deusa grega,
Agora vamos pra casa.
XIV
Assim que chegou em casa
Que ficava isolada,
Com terreiro e quintal
E carnaubeira serrada,
Depressa fechou a porta
Pra curtir a sua amada.
XV
O destino fez cilada,
Pegou o rapaz de surpresa;
Batendo na sua porta
Um jovem da redondeza,
Mesmo sendo inimigo
Se ofereceu pra defesa.
XVI
Esse jovem com certeza
Teve intenção de ajudar,
Pois viu quatro forasteiros
Em surdina a combinar
Que vinham atacar o moço
E a mulher lhe roubar.
XVII
O rapaz após pensar,
Mesmo prevendo o perigo,
Dispensou-lhe o apoio,
Pois era seu inimigo;
Sozinho era capaz
De defender seu abrigo.
XVIII
Não quis auxílio do “amigo”
E não lhe esboçou sorriso,
Esquivando-se da ajuda
Não lhe dispensou o aviso;
Sendo capaz de enfrentar
Quarenta se for preciso.
XIX
Disse mulher com juízo
Se esconda atrás do caixão,
No sótão onde guardamos
O milho, a cera, o feijão;
Daqui posso “queimar” todos
Tenho rifle e munição.
XX
Uma guerra no sertão
Numa noite de luar,
Não se passa meia hora
Sangue começa a rolar,
Pois cada tiro que dava
Era um caboclo a tombar.
XXI
O último conseguiu entrar
Na cozinha sorrateiro
E no silêncio profundo
“Helena” pensou primeiro:
“Meu marido está morto”
E enfrentou o forasteiro.
XXII
Este sem ser cavalheiro
No auge da covardia,
Tirou a vida da moça,
A mais bela que havia,
Desde a cidade de Troia
Ao reino da fantasia.
XXIII
Aqui findou a alegria
Do guerreiro do sertão,
Sua deusa muita amada
Jazia inerte no chão;
Com um tiro à queima roupa
Matou o último “ladrão”.
XXIV
Com grande desilusão
Passou a noite a chorar
Bem juntinho da amada
O belo corpo a velar
E dos momentos felizes
O tempo todo a lembrar.
XXV
No sertão do Ceará,
Na imaginação somente
“Aconteceu” essa história,
Que Raquel tornou patente,
Pra demonstrar a bravura
De um “cabra” bem valente.
XXVI
Além de tudo decente,
Tinha uma vida tranquila ,
Mas pra enfrentar bandido
Podia até fazer fila
Depois de todo o ocorrido
Ele seguiu para a vila.
XXVII
De consciência tranquila
Soube enfrentar a liça
Nada mais tinha na vida
Que despertasse cobiça;
Sendo um caboclo pobre,
Através de um gesto nobre
Foi se entregar à justiça.
___________________________
NOTA: Essa história em forma de crônica foi publicada por Raquel de Queiroz na “Revista O Cruzeiro” (não ficaram registradas as demais informações pertinentes). Reproduzida por MAGALHÃES, Fanca Nogueira. In: Alto Santo – sua história, sua vida. Fortaleza: Qualigraf, 2005, p- 132. O poeta apenas versificou.