Os dois corcundas (Conto popular adaptado p/ cordel)

Dois compadres corcundas

Viviam num povoado

Um era muito rico

O outro diária quebrado

Do pobre faziam fuxico

E o rico era bajulado

Do pobre mais que pesava

A corcunda com a tristeza

Que nada dá mais amargura

Do que viver na pobreza

E seguir em noite escura

Em busca de alguma beleza

Na boa mãe natureza

Pra alma buscava cura

Banhada de singeleza

Tão pobre e triste figura

Seguia assim os seus dias

A aliviar sua agrura

Atraiu-lhe um dia u’a cantiga

Ao longe no matagal

Seria desmancha de farinha

No fundo de algum quintal?

Pensou vou é ajudar

Julgou ser um seu igual

Por um tempo andou na mata

No rumo daquela cantiga

Achou-se ao pé da serra

Procurava gente amiga

Encontrou uma gente estranha

Que quem já viu que o diga

Nas roupas tinham diamantes

Que se espelhavam ao luar

Velhos rapazes e meninos

Todos juntos a cantarolar

Dançavam de mãos dadas

Sem de verso nunca mudar

Segunda, terça-feira, vai-vem!

Repetiam sem se cansar

Tremeu de medo, pobre corcunda

Na mata foi-se amoitar

Por hora e horas a fio

O mesmo verso a estrelar

Nossa nobre personagem

Com o tempo foi se animando

do meio da moita escondido

Quando viu já tava cantando

Ao verso tão repetido

Outro foi logo emendando

Dinheiro o homem não tinha

Mas bancava o improvisador

Judiava de uma viola

Sonhava em ser cantador

Que pobre só sobrevive

Se for mesmo sonhador

Emendou o artista a cantar

No ritmo do povo esquisito

A mesma cantiga e toada

Quis deixar o som mais bonito

Um verso ele acrescentou

Renovando todo o rito

[Segunda, terça-feira vai-vem

E quarta e quinta-feira, meu bem!]

Na laje branca e limpa

Onde dançavam ao luar

Tudo se fez em silêncio

Voz misteriosa a indagar:

Quem foi que fez este verso?

Tratemos pois de encontrar

Aquela gente esquisita

De roupas de diamante

Espalhou-se, meteu-se na mata

Como um bando de avoante

Procurando procurante

O versejador cantante

Pobre corcunda aterrado

Tremia feito um veado

Atirado pelo caçador

Caído em pleno serrado

Esperando só a morte

A que fora condenado

Acharam o corcunda escondido

Tremendo de aperreado

Transporte de barata morta

Pedaço de pau pelado

Levaram ele pra um velho

Que parecia envernizado

Perguntou com voz delicada

O velho mais que reluzente

Você cantou verso novo?

Façam-nos pois mais contente

Quer nos vender o seu verso

E enfeitar nossa repente?

Quero sim nobre senhor

Mas não vendo dou de presente

Ver baile tão sacudido

É coisa que anima a gente

Canção assim alegre e singela

Faz minha alma inocente

Nas palavras do Corcunda

O velho achou muita graça

Sorriu ele e sua gente

Feito criança na praça

Quão pobre era o corcunda

E não se sentia em desgraça

Decerto já tinha o corcunda

De todas a maior riqueza

Saber achar no irmão

Graça, bondade e beleza

Buscar paz e harmonia

No aconchego da natureza

Tão contente ficou o velho

Que seu reluzir aumentou

Feliz com o verso ofertado

Ao corcunda recompensou

Pois que uma mão lava a outra

Antes o velho falou:

Tiro-te então a corcunda

Eis que o velho emendou

Passou-lhe as mãos pelas costas

E a corcunda se endireitou

Pra completar a alegria

Um bisaco novo lhe dou

Uma coisa lhe recomendo

Dela não posso abrir mão

Controle a curiosidade

Nem pense em espiação

Só abra o bisaco amanhã

Controle sua danação

Embrenhou-se na mata

Andando feito perdiz

Assim que o dia amanheceu

Quase morreu de feliz

Ouro e pedras preciosas

– É isso que povo diz –

No outro dia comprou casa

Com todos os apreparos

Mobília e roupa bonita

Tudo quanto lhe era caro

Seguiu pra missa contente

Com milagre assim tão raro.

Quando o corcunda rico

Viu o amigo esguiado

Quase que caiu de costas

Ficou por demais assombrado

O compadre corcunda e pobre

Agora elegante e abastado

Contou tudo ao rico amigo

Que a pobreza sempre ensina

A ser sempre verdadeiro

Pra enfrentar a sua sina

Rico da graça de Deus

Como a escritura ensina.

Como a medida do ter

Aumenta e nunca termina

Correu o rico pra mata

Em busca da nova mina

Em busca dos reluzidos

Foi encontrar sua sina

Andou e andou no mato

E viu o povo esquisito

Cantando e dançando em roda

Em traje brilhante e bonito

Cravejado de diamantes,

Como o amigo havia dito

Seus olhos se arregalaram

Sua mente pura ambição

Mal ouvira os belos versos

Emendou-se na canção

Sem nem pensar e mais nada

Sem qualquer premeditação

Segunda e terça-feira, vai vem!

Quarta e quinta-feira, meu bem!

[Sexta, sábado e domingo também!]

Calou-se a cantoria de além

Não seja intrometido que tem

Não seja da ganância refém!

Em cima do atrevido

Voou o povo esquisito

Levaram ele pra laje

Junto ao líder reluzido

Por demais furioso

Com o corcunda intrometido

Quem te mandou meter-se

Onde não foi chamado

Seu corcunda metido a besta

Inimigo do povo encantado

Vou te dizer porque

Seu direito é estar calado:

Não sabe que o povo encantado

Da sexta não quer saber

Dia em que o filho do Alto

Veio ao mundo padecer?

Perturbas o nosso encanto

Com esse seu louco dizer.

Também do sábado foge

Chega mesmo a estremecer

Dia em que o filho do pecado

Ao tentar mísero ser.

Levou uma alma à morte

Enforcado ao entardecer.

Do domingo também quer distância

– Diz o ancião reluzente –

Pois foi mesmo nesse dia,

Como sabe toda gente.

Que aquele que não morre e tinha morrido

Ressurge vivo e resplandente.

Enquanto louco se explicava

Ganhava tapa, pontapé e pescoção

Pobre do corcunda rico

Não voltou sem nada não

De castigo a corcunda do amigo

Levou com a humilhação.

Pelo resto dos seus dias

Viveu em desilusão

Quem tudo quer nada tem

Aprendeu da vida a lição

Valem pouco as riquezas

O que conta é o coração!