HISTORIA DE UMA PRINCESA QUE VIROU ANJO
Rita Cruz

Rogo aos anjos protetores

Que aqui venham me inspirar

Pra eu relatar com firmeza

Sem lágrimas derramar

A história de um Serafim

Que residiu em meu lar.


Com um só dia de vida

Em minha casa chegou

Uma menina morena

Que muito me consternou

Pois a sua genitora

A pequena desprezou.


Ouvi quando Deus soprou

Nos meus ouvidos assim:

Este presente eu te dou

Para por, então um fim,

Na tristeza da tua alma

Este anjo Serafim.


Agora começa a história,

Nem tristonha ou engraçada,

É uma história de vida

De uma criancinha amada,

Minha princesa Maria

Fernanda doce, encantada.


Sua vida foi marcada

Desde o dia que nasceu

Por uma cruel doença,

Preocupando o siso meu:

Distrofia Muscular

Tão malvada lhe ocorreu.


E nos seus primeiros dias

Começou a grande luta

Percorremos várias clínicas,

Foi grande a nossa labuta,

Pois nenhum neurologista

Quis entrar nessa disputa.


Eu fiquei desesperada

Buscando um especialista

Um doutor pesquisador

Dedicado e ativista

E que comigo enfrentasse

Essa doença mal vista.


Examinando a criança

Logo diagnosticou:

São quarenta e dois os tipos

Da doença que encontrou,

Mas agora ele precisa

Saber qual delas achou.


Para o Estado de São Paulo

Vocês têm que viajar!

Vai logo se preparando

Pra sua mala arrumar,

Pois é lá que esta doença

Eles vão diagnosticar.


Estando tudo acertado,

Com medo no coração

Sua madrinha e nós duas

Embarcamos no avião

Daquele dia pra frente

Complicou a situação.


Ao chegar a hora marcada

Fizeram uma cirurgia,

Um pedacinho do músculo,

Foi local a anestesia,

Nandinha chorava muito

Pela dor que ela sentia.


A triste preocupação

Me acometeu no momento:

Como proteger Nandinha

Do maldito sofrimento?

Engoli todo o meu choro,

Abafando o sentimento.


Ao voltar para o hospital

Para o médico entreguei

O resultado do exame

Com angústia imaginei

Que aquele caso era grave

Foi com pesar que pensei.


Que a enfermidade malvada

Com a qual Nanda nasceu

Mudaria a nossa vida

Derrotando o sonho meu

De vê-la crescendo alegre

Me mostrando um filho seu.


Na APAE que encontrei forças

Carinho e dedicação;

Nesse local minha menina

Recebeu toda instrução,

Melhor condição de vida

Com toda medicação.


Fisioterapia e hidro

E fisio ocupacional,

Fernandinha ia vivendo

Com ajuda profissional

Melhorando o seu viver,

Tornando-se habitual.


E vendo a minha filhinha

Já com três anos de idade

Sem andar e sem correr,

Sem ter sua liberdade

Para Jesus perguntei

O porquê dessa maldade.


Do Sara fiquei sabendo,

Hospital de Fortaleza,

No bairro de Passaré

(Eu tinha quase certeza)

Seu tratamento seria

Garantido com destreza.


Eu marquei uma consulta

E com Nanda viajei,

Muito exame e sofrimento,

Juro que quase surtei

Para encontrar a cura,

Ardentemente eu lutei.


Depois de nova biopsia

O resultado chegou:

Seja forte. Disse a médica

O meu coração saltou:

Ainda não há remédio

Consternada me falou.


Amor e dedicação

Cuide dela com prazer,

Assustada Fernandinha,

Perguntou-me: — Vou morrer?

Com os seus olhos tristonhos

E agoniando meu ser.


A moça lhe respondeu:

— É claro que você vai!...

O mundo inteiro também:

Eu, sua avó, mãe e pai...

Ninguém fica pra semente,

Pois toda a vida se esvai.


Por ter muita fé em Deus,

Também em Nossa Senhora,

Entreguei Fernanda aos dois,

Disse logo sem demora:

— Meu anjinho eu Vos entrego

Tomem conta dele agora.


Minha filha foi crescendo

Com muita sabedoria,

Tinha tanta inteligência,

Tristeza não conhecia,

Mesmo com deficiência

Mostrava ter alegria.


O seu nome muito belo,

Escolhi com muito amor:

Maria, doce e singelo,

A mãe de Nosso Senhor.

Fernanda foi minha irmã

A quem amei com ardor.


Toda gente deste mundo

Da minha filha gostava,

Por ser comunicativa,

Ela sempre conversava

Ofertando mil palavras

Que a muitos consolava.


Minha princesa Fernanda,

Joia de grande valor

No jardim da minha vida,

Pessoa com muito amor,

De delicada candura

E com perfume de flor.


Quando foi para o colégio

Eu logo me aperreie,

Porque foi um dos melhores

Em que eu a matriculei,

Mas ela foi humilhada

Mesmo sendo contra a lei.


A professora da sala

Com minha filha gritou,

Era uma despreparada

Que muito me revoltou,

Por um pedaço de bolo

Com Nandinha se estressou!


Fiquei muito chateada

Com essa situação,

Achei ter cometido erro

E doeu meu coração,

Porém eu chorei calada

Por sentir essa aflição.


As mães das outras crianças

Tinham medo da doença:

Achavam ser transmissiva,

Deram, então, sua sentença:

Para brincar com seus filhos

Nandinha não tinha licença.


Depois disso Fernandinha

Teve medo de estudar,

Pois ficou traumatizada

Na escola não quis ficar

E com uma psicóloga

Nandinha foi se tratar.


Já com cinco anos de idade

Outra escola procurei,

Foi grande meu desengano!

Desesperada chorei...

Rejeitaram minha filha

Pela deficiência, sei!


De inclusão nada sabiam,

Nem tinham adaptação,

Nem rampas e nem acesso,

Grave era a situação

E dos colégios nenhum

Tinha capacitação.


Na Ascendino de Almeida

A melhor! Posso afirmar:

Escola da Prefeitura

Que não deixa a desejar,

Porque tem democracia

E o mentor sabe ensinar.


Tais dias os mais felizes,

Vivenciei certamente,

Aprendi com as crianças,

Pois criança é inocente,

Minha Nandinha aprendia

Tudo bem rapidamente.


Naquele tempo não tinha

O professor auxiliar.

Eu logo me ofereci

Para voluntariar

Na sala do jardim três

Fiquei a me deleitar.


Acompanhei de pertinho

Todo aquele ano letivo,

Auxiliando com gosto.

(Me serviu de lenitivo)

Ver minha filha adorada

Num processo evolutivo.


Sua professora era

Uma moça delicada:

Juliene, a professora

Assim ela era chamada;

E seguindo Paulo Freire

Sempre foi muito informada.


No primeiro ano não deram

Para mim a permissão;

Sônia Sena a professora,

Me barrou lá no portão:

— Não é permitido, mãe!

Disse-me essa exclamação.


Disse: — Mãe, não tenhas medo

Estou aqui para ajudar,

Estará em boas mãos

E eu vou lhe ser salutar,

Venha, pois, só no intervalo,

Que isso vai lhe consolar.


Nandinha tinha direito

De comigo sempre estar

No recreio ou no intervalo,

Como que queiram chamar,

Por sua deficiência

Que infligia o meu lar.


Não dava para comer

Sua própria refeição,

Pois lhe faltava energia,

Porque os seus braços não

Tinham forças pra poder

Prender o talher na mão.


Na hora do intervalo

Eu corria para a escola,

E depois que ela comia

Gostava de jogar bola

Sempre bem acompanhada

Comigo na sua cola.


Lá fez muitas amizades

E todos gostavam dela,

Crianças e funcionários

Ficavam pertinho a ela

Por ser bem conversadeira,

Muito amada e singela.


Teve outra professora

Que Nandinha tanto amou,

Rafaela, bela fada

Que o meu coração ganhou,

Era outro anjo humano

Que Deus lhe presenteou.


Outra professora que

Nanda muito apreciou

Na sala de multimeios

Foi a Geysa, se encantou,

Aprendeu a ler a Bíblia,

Assim se alfabetizou.


A primeira comunhão,

Ela fez com alegria

Com oito anos de idade,

Santa Clara como guia,

Comendo o Corpo de Cristo

Na Sagrada Eucaristia.


Toda missa comungava

Com muita concentração

Na fila com os fiéis

Em silêncio e oração,

Tomava a Hóstia Sagrada

Alegrando o coração.


Quando ela não pôde mais

Nossa igreja frequentar,

Eu fui conversar com o padre

Para Nanda confessar.

Ele vinha sempre aos sábados

Com alegria em meu lar.


O meu anjo era devoto

Da Legião de Maria,

Pois rezava o santo terço

Não esquecia um só dia

De rogar a Virgem Mãe,

Por todos que conhecia.


Preparava-se uma mesa

Como se fosse um altar,

Nandinha se arrumava,

Então, ficava a esperar

O ministro da Igreja

Para com fé comungar.


Conheceu a literatura,

De cordel, era leitora,

Também escrevia versos...

Na poesia era doutora

Apesar da pouca idade

Já era boa escritora.


Falava de Lampião

O sertanejo danado,

Viu na novela da Globo

O seu “Cordel Encantado”,

Todo o cangaço ficou

No seu coração gravado.


Fernanda colecionava

Muito, mas muito cordel,

Tinha certos cordelistas

Que era leitora fiel

Só não vou citar o nome

Do seu melhor menestrel.


Apreciava um bom filme

Romance, até o terror;

O filme Crepúsculo era

Uma bela história de amor

Amava Eduard e Bela,

Vibrava a todo vapor.


Até A Noiva do Chuck

Aquela menina via,

Todos os filmes da Barbie

Com ela eu mesmo assistia,

Na tevê grande da sala

Com pipoca e euforia.


O seu programa de humor

Não vou deixar de falar

Zorra Total todo sábado,

Ela estava a apreciar

Pra ver Janete e Valéria

No ônibus a rebolar.


Como toda fã ardente

Tinha uma grande paixão

Justin Bibier, Luan Santana

Domavam seu coração,

Mas era Hanna Montana

A sua predileção.


Contava muitas histórias;

Amava os contos de fadas,

Também era contadora

De fábulas encantadas

Onde os bichos conversavam,

Dançavam dando risadas.


Fernanda era bem romântica

Apesar da pouca idade,

E toda história de amor

Trazia felicidade:

Sansão e Dalila foi

Um romance de verdade.


Borboletas ela amava

Com total adoração,

Como Nanda não andava,

Causavam-lhe comoção,

Pois borboletas voavam

Para qualquer direção.


Outra coisa que gostava

Era de colecionar

Pollys, pequenas bonecas,

Porque podia brincar,

Pois ela não tinha forças

Pra bonecas levantar.


Bailarinas coloridas

Tinha grande coleção,

Diário bem enfeitado

Com florzinha e coração,

Nele ela escrevia tudo

Com carinho e paixão.


Fera no computador,

Nisso pode ter certeza!

Aprendeu tudo sozinha

Com uma enorme esperteza,

Qualquer trabalho fazia

Com extrema ligeireza.


Nunca vi criança igual

Com essa dedicação,

Superando os obstáculos

De sua limitação,

Com teclado virtual

E com mouse em sua mão.


Às vezes só eu pensava:

Minha filha nunca andou,

Das perninhas penduradas

Ela nunca reclamou,

Desse inchaço e desse incômodo

Jamais ela lamentou.


Sofria de escoliose

E muitas dores sentia

Com aquela paciência,

Conformada ela sofria

Presa na sua cadeira

De rodas, com alegria.


Sua voz era tão doce,

Seu olhar encantador

E na calçada da casa,

Ela cantava com amor;

As pessoas que passavam

Paravam pra dar valor.


Foi com nove anos de idade

A sua última festinha,

Ganhando um belo presente

De sua tia Fatinha

Que colocou em seus braços

Sua pequena priminha.


A festa de dez aninhos,

Já com tudo contratado,

No bairro de Candelária,

No Umpa Lumpa acertado

O baile para as mocinhas,

Que foi um show ponderado.


Fernandinha fez a arte

Dos convites que queria,

Mônica jovem foi o tema

Com pompas e regalia,

Digna de uma princesa

Era a festa que teria.


Os convites foram feitos

A data certa marcada,

Vinte e nove foi o dia

De fevereiro, agendada,

Mas por obra do Divino

A festa foi cancelada.


Ela não imaginava

Que Jesus ia chamar

Para o céu com os seus anjos,

Com bolinho de manjar,

Dez velinhas bem acessas,

Estavam a lhe esperar.


Mas, como tudo na vida

O seu triste fim chegou

A minha filha querida

Igual a rosa murchou,

Foi ficando esmorecida

Antes mesmo do seu show.


Meu mundo desmoronou,

Fiquei muito preocupada

Devido a situação

Que ocorreu a linda fada,

Em meu canto tão sozinha

Eu pranteei perturbada.


E Nandinha foi ficando

Cada dia mais doente,

Foi parando de comer,

Deixando de ser contente,

Pediu-me quase sem voz:

Leve-me ao médico urgente.


Tão depressa lhe arrumei,

Sentindo-me bem sozinha;

Na mochila coloquei

As camisolas que tinha,

Os seus lençóis preferidos

Também sua bonequinha.


Chegando lá no hospital...

Correram pra examinar,

Disseram-me que era grave:

— Nos teremos que internar!

Vai ficar na UTI,

Que será mais salutar.


Fernanda pediu à médica,

Para que não a cortasse,

Porque a traqueostomia

Mesmo que muito ajudasse

Em sua respiração

Deixava abatida a face.


Daí comecei chorar

Ficando desesperada,

Sentia não ter mais volta,

Chegara a hora marcada,

O meu coração de mãe

Deixou-me descontrolada.


Minha filha olhou pra mim

Com olhar de despedida

“Mamãezinha eu vou morrer!”

Disse-me desfalecida.

Os anjos lhe avisaram

Que era hora da partida.


Senti uma dor tão grande

Com aquela afirmação

E disse pra minha filha:

— Não me deixe agora não!

Chegando tia Fatinha,

Deu-nos a confirmação.


Ela abraçou sua tia

Que se pôs logo a chorar,

Nanda falou com carinho

Que pra o céu ia voltar,

Que Jesus e Sua Mãe

Estavam a lhe esperar.


Depois disso lhe entubaram...

Nada mais ela nos disse.

Era grande o sofrimento

Na UTI, e quem me visse

Olhava o pranto estampado,

Pois agia com sandice.


E como não agiria?

Ao ver o meu bem amado

Sofrendo no hospital,

Oito dias entubado?

O meu anjinho ficou

Constantemente ao meu lado.


Do seu lado eu não saia

Nessa agonia colossal,

Pois eu tinha consciência

Dessa doença fatal,

Pois os seus órgãos estavam

No paradeiro final.


Nisso falei com Jesus

Pedi com muito fervor:

— Liberta a minha filhinha,

Arranca dela essa dor.

Aos prantos triste, soluços

Orei a Nosso Senhor.


Vinte e quatro de janeiro

Voltou Maria Fernanda

Para os braços de Jesus,

Lá no céu houve uma banda

Tocando os hinos mais lindos

Que o meu coração abranda.


Alegremente voou

Pra mansão celestial,

O meu anjinho retornou,

Bebeu do manancial

Que Jesus nos prometeu

Com palavra divinal.


Porém foi triste esse dia

Para todos que ficaram,

Por incrível que pareça

Gato e cachorro choraram,

O silêncio foi geral,

Todos eles lamentaram.

Seu papaizinho querido

Pegou o computador

Da filha que ele adorava,

Expressando tanta dor

Que sentia no seu peito,

Agora tão sofredor.


Então, me abracei com ele

Num pranto muito infeliz,

Ele me abraçou também,

Apertou bem como eu quis,

Meu coração apertado

Chorava igual chafariz.


Durante todo o velório

Passei o tempo chorando,

Debruçada sobre o corpo,

Quase não acreditando,

Segurei suas mãozinhas

E seu rostinho beijando.


Naquele branco caixão

De tão louca me agarrei,

Não deixava sepultá-la,

Desesperada chorei

Quando seu irmão querido

Me puxou e eu lhe abracei.


Sete dias eu passei

Em uma rede deitada,

Não comia e não dormia,

Pranteando atormentada,

Parecia que eu ouvia

A voz da filha adorada.


No dia dos seus dez anos

Na sua cova eu botei

Parabéns, minha princesa!

E com flores adornei

Aquele mármore tão frio

Com seu retrato beijei.


Eu só tenho a agradecer

A Deus Pai pela bondade

Por ter confiado a mim

Esse anjo de verdade,

Foram os anos que eu tive

A maior felicidade.


Tudo o que Nanda deixou:

Amor, carinho e alegria

Fez-me acreditar na vida

E viver com harmonia;

A dor da saudade é grande

Mas supero a nostalgia.


Eu te amo filha amada!

Minha fadinha querida,

Minha bonequinha Barbie,

Minha diva preferida

Dos cabelos cacheados

A Polly da minha vida.


O que você me ensinou

Eu guardo com gratidão,

Paciência e humildade,

Caridade e doação...

Será sempre o anjo amado,

Santa do meu coração!
Ritacruz
Enviado por Ritacruz em 09/03/2021
Código do texto: T7203076
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