HISTORIA DE UMA PRINCESA QUE VIROU ANJO
Rita Cruz
Rogo aos anjos protetores
Que aqui venham me inspirar
Pra eu relatar com firmeza
Sem lágrimas derramar
A história de um Serafim
Que residiu em meu lar.
Com um só dia de vida
Em minha casa chegou
Uma menina morena
Que muito me consternou
Pois a sua genitora
A pequena desprezou.
Ouvi quando Deus soprou
Nos meus ouvidos assim:
Este presente eu te dou
Para por, então um fim,
Na tristeza da tua alma
Este anjo Serafim.
Agora começa a história,
Nem tristonha ou engraçada,
É uma história de vida
De uma criancinha amada,
Minha princesa Maria
Fernanda doce, encantada.
Sua vida foi marcada
Desde o dia que nasceu
Por uma cruel doença,
Preocupando o siso meu:
Distrofia Muscular
Tão malvada lhe ocorreu.
E nos seus primeiros dias
Começou a grande luta
Percorremos várias clínicas,
Foi grande a nossa labuta,
Pois nenhum neurologista
Quis entrar nessa disputa.
Eu fiquei desesperada
Buscando um especialista
Um doutor pesquisador
Dedicado e ativista
E que comigo enfrentasse
Essa doença mal vista.
Examinando a criança
Logo diagnosticou:
São quarenta e dois os tipos
Da doença que encontrou,
Mas agora ele precisa
Saber qual delas achou.
Para o Estado de São Paulo
Vocês têm que viajar!
Vai logo se preparando
Pra sua mala arrumar,
Pois é lá que esta doença
Eles vão diagnosticar.
Estando tudo acertado,
Com medo no coração
Sua madrinha e nós duas
Embarcamos no avião
Daquele dia pra frente
Complicou a situação.
Ao chegar a hora marcada
Fizeram uma cirurgia,
Um pedacinho do músculo,
Foi local a anestesia,
Nandinha chorava muito
Pela dor que ela sentia.
A triste preocupação
Me acometeu no momento:
Como proteger Nandinha
Do maldito sofrimento?
Engoli todo o meu choro,
Abafando o sentimento.
Ao voltar para o hospital
Para o médico entreguei
O resultado do exame
Com angústia imaginei
Que aquele caso era grave
Foi com pesar que pensei.
Que a enfermidade malvada
Com a qual Nanda nasceu
Mudaria a nossa vida
Derrotando o sonho meu
De vê-la crescendo alegre
Me mostrando um filho seu.
Na APAE que encontrei forças
Carinho e dedicação;
Nesse local minha menina
Recebeu toda instrução,
Melhor condição de vida
Com toda medicação.
Fisioterapia e hidro
E fisio ocupacional,
Fernandinha ia vivendo
Com ajuda profissional
Melhorando o seu viver,
Tornando-se habitual.
E vendo a minha filhinha
Já com três anos de idade
Sem andar e sem correr,
Sem ter sua liberdade
Para Jesus perguntei
O porquê dessa maldade.
Do Sara fiquei sabendo,
Hospital de Fortaleza,
No bairro de Passaré
(Eu tinha quase certeza)
Seu tratamento seria
Garantido com destreza.
Eu marquei uma consulta
E com Nanda viajei,
Muito exame e sofrimento,
Juro que quase surtei
Para encontrar a cura,
Ardentemente eu lutei.
Depois de nova biopsia
O resultado chegou:
Seja forte. Disse a médica
O meu coração saltou:
Ainda não há remédio
Consternada me falou.
Amor e dedicação
Cuide dela com prazer,
Assustada Fernandinha,
Perguntou-me: — Vou morrer?
Com os seus olhos tristonhos
E agoniando meu ser.
A moça lhe respondeu:
— É claro que você vai!...
O mundo inteiro também:
Eu, sua avó, mãe e pai...
Ninguém fica pra semente,
Pois toda a vida se esvai.
Por ter muita fé em Deus,
Também em Nossa Senhora,
Entreguei Fernanda aos dois,
Disse logo sem demora:
— Meu anjinho eu Vos entrego
Tomem conta dele agora.
Minha filha foi crescendo
Com muita sabedoria,
Tinha tanta inteligência,
Tristeza não conhecia,
Mesmo com deficiência
Mostrava ter alegria.
O seu nome muito belo,
Escolhi com muito amor:
Maria, doce e singelo,
A mãe de Nosso Senhor.
Fernanda foi minha irmã
A quem amei com ardor.
Toda gente deste mundo
Da minha filha gostava,
Por ser comunicativa,
Ela sempre conversava
Ofertando mil palavras
Que a muitos consolava.
Minha princesa Fernanda,
Joia de grande valor
No jardim da minha vida,
Pessoa com muito amor,
De delicada candura
E com perfume de flor.
Quando foi para o colégio
Eu logo me aperreie,
Porque foi um dos melhores
Em que eu a matriculei,
Mas ela foi humilhada
Mesmo sendo contra a lei.
A professora da sala
Com minha filha gritou,
Era uma despreparada
Que muito me revoltou,
Por um pedaço de bolo
Com Nandinha se estressou!
Fiquei muito chateada
Com essa situação,
Achei ter cometido erro
E doeu meu coração,
Porém eu chorei calada
Por sentir essa aflição.
As mães das outras crianças
Tinham medo da doença:
Achavam ser transmissiva,
Deram, então, sua sentença:
Para brincar com seus filhos
Nandinha não tinha licença.
Depois disso Fernandinha
Teve medo de estudar,
Pois ficou traumatizada
Na escola não quis ficar
E com uma psicóloga
Nandinha foi se tratar.
Já com cinco anos de idade
Outra escola procurei,
Foi grande meu desengano!
Desesperada chorei...
Rejeitaram minha filha
Pela deficiência, sei!
De inclusão nada sabiam,
Nem tinham adaptação,
Nem rampas e nem acesso,
Grave era a situação
E dos colégios nenhum
Tinha capacitação.
Na Ascendino de Almeida
A melhor! Posso afirmar:
Escola da Prefeitura
Que não deixa a desejar,
Porque tem democracia
E o mentor sabe ensinar.
Tais dias os mais felizes,
Vivenciei certamente,
Aprendi com as crianças,
Pois criança é inocente,
Minha Nandinha aprendia
Tudo bem rapidamente.
Naquele tempo não tinha
O professor auxiliar.
Eu logo me ofereci
Para voluntariar
Na sala do jardim três
Fiquei a me deleitar.
Acompanhei de pertinho
Todo aquele ano letivo,
Auxiliando com gosto.
(Me serviu de lenitivo)
Ver minha filha adorada
Num processo evolutivo.
Sua professora era
Uma moça delicada:
Juliene, a professora
Assim ela era chamada;
E seguindo Paulo Freire
Sempre foi muito informada.
No primeiro ano não deram
Para mim a permissão;
Sônia Sena a professora,
Me barrou lá no portão:
— Não é permitido, mãe!
Disse-me essa exclamação.
Disse: — Mãe, não tenhas medo
Estou aqui para ajudar,
Estará em boas mãos
E eu vou lhe ser salutar,
Venha, pois, só no intervalo,
Que isso vai lhe consolar.
Nandinha tinha direito
De comigo sempre estar
No recreio ou no intervalo,
Como que queiram chamar,
Por sua deficiência
Que infligia o meu lar.
Não dava para comer
Sua própria refeição,
Pois lhe faltava energia,
Porque os seus braços não
Tinham forças pra poder
Prender o talher na mão.
Na hora do intervalo
Eu corria para a escola,
E depois que ela comia
Gostava de jogar bola
Sempre bem acompanhada
Comigo na sua cola.
Lá fez muitas amizades
E todos gostavam dela,
Crianças e funcionários
Ficavam pertinho a ela
Por ser bem conversadeira,
Muito amada e singela.
Teve outra professora
Que Nandinha tanto amou,
Rafaela, bela fada
Que o meu coração ganhou,
Era outro anjo humano
Que Deus lhe presenteou.
Outra professora que
Nanda muito apreciou
Na sala de multimeios
Foi a Geysa, se encantou,
Aprendeu a ler a Bíblia,
Assim se alfabetizou.
A primeira comunhão,
Ela fez com alegria
Com oito anos de idade,
Santa Clara como guia,
Comendo o Corpo de Cristo
Na Sagrada Eucaristia.
Toda missa comungava
Com muita concentração
Na fila com os fiéis
Em silêncio e oração,
Tomava a Hóstia Sagrada
Alegrando o coração.
Quando ela não pôde mais
Nossa igreja frequentar,
Eu fui conversar com o padre
Para Nanda confessar.
Ele vinha sempre aos sábados
Com alegria em meu lar.
O meu anjo era devoto
Da Legião de Maria,
Pois rezava o santo terço
Não esquecia um só dia
De rogar a Virgem Mãe,
Por todos que conhecia.
Preparava-se uma mesa
Como se fosse um altar,
Nandinha se arrumava,
Então, ficava a esperar
O ministro da Igreja
Para com fé comungar.
Conheceu a literatura,
De cordel, era leitora,
Também escrevia versos...
Na poesia era doutora
Apesar da pouca idade
Já era boa escritora.
Falava de Lampião
O sertanejo danado,
Viu na novela da Globo
O seu “Cordel Encantado”,
Todo o cangaço ficou
No seu coração gravado.
Fernanda colecionava
Muito, mas muito cordel,
Tinha certos cordelistas
Que era leitora fiel
Só não vou citar o nome
Do seu melhor menestrel.
Apreciava um bom filme
Romance, até o terror;
O filme Crepúsculo era
Uma bela história de amor
Amava Eduard e Bela,
Vibrava a todo vapor.
Até A Noiva do Chuck
Aquela menina via,
Todos os filmes da Barbie
Com ela eu mesmo assistia,
Na tevê grande da sala
Com pipoca e euforia.
O seu programa de humor
Não vou deixar de falar
Zorra Total todo sábado,
Ela estava a apreciar
Pra ver Janete e Valéria
No ônibus a rebolar.
Como toda fã ardente
Tinha uma grande paixão
Justin Bibier, Luan Santana
Domavam seu coração,
Mas era Hanna Montana
A sua predileção.
Contava muitas histórias;
Amava os contos de fadas,
Também era contadora
De fábulas encantadas
Onde os bichos conversavam,
Dançavam dando risadas.
Fernanda era bem romântica
Apesar da pouca idade,
E toda história de amor
Trazia felicidade:
Sansão e Dalila foi
Um romance de verdade.
Borboletas ela amava
Com total adoração,
Como Nanda não andava,
Causavam-lhe comoção,
Pois borboletas voavam
Para qualquer direção.
Outra coisa que gostava
Era de colecionar
Pollys, pequenas bonecas,
Porque podia brincar,
Pois ela não tinha forças
Pra bonecas levantar.
Bailarinas coloridas
Tinha grande coleção,
Diário bem enfeitado
Com florzinha e coração,
Nele ela escrevia tudo
Com carinho e paixão.
Fera no computador,
Nisso pode ter certeza!
Aprendeu tudo sozinha
Com uma enorme esperteza,
Qualquer trabalho fazia
Com extrema ligeireza.
Nunca vi criança igual
Com essa dedicação,
Superando os obstáculos
De sua limitação,
Com teclado virtual
E com mouse em sua mão.
Às vezes só eu pensava:
Minha filha nunca andou,
Das perninhas penduradas
Ela nunca reclamou,
Desse inchaço e desse incômodo
Jamais ela lamentou.
Sofria de escoliose
E muitas dores sentia
Com aquela paciência,
Conformada ela sofria
Presa na sua cadeira
De rodas, com alegria.
Sua voz era tão doce,
Seu olhar encantador
E na calçada da casa,
Ela cantava com amor;
As pessoas que passavam
Paravam pra dar valor.
Foi com nove anos de idade
A sua última festinha,
Ganhando um belo presente
De sua tia Fatinha
Que colocou em seus braços
Sua pequena priminha.
A festa de dez aninhos,
Já com tudo contratado,
No bairro de Candelária,
No Umpa Lumpa acertado
O baile para as mocinhas,
Que foi um show ponderado.
Fernandinha fez a arte
Dos convites que queria,
Mônica jovem foi o tema
Com pompas e regalia,
Digna de uma princesa
Era a festa que teria.
Os convites foram feitos
A data certa marcada,
Vinte e nove foi o dia
De fevereiro, agendada,
Mas por obra do Divino
A festa foi cancelada.
Ela não imaginava
Que Jesus ia chamar
Para o céu com os seus anjos,
Com bolinho de manjar,
Dez velinhas bem acessas,
Estavam a lhe esperar.
Mas, como tudo na vida
O seu triste fim chegou
A minha filha querida
Igual a rosa murchou,
Foi ficando esmorecida
Antes mesmo do seu show.
Meu mundo desmoronou,
Fiquei muito preocupada
Devido a situação
Que ocorreu a linda fada,
Em meu canto tão sozinha
Eu pranteei perturbada.
E Nandinha foi ficando
Cada dia mais doente,
Foi parando de comer,
Deixando de ser contente,
Pediu-me quase sem voz:
Leve-me ao médico urgente.
Tão depressa lhe arrumei,
Sentindo-me bem sozinha;
Na mochila coloquei
As camisolas que tinha,
Os seus lençóis preferidos
Também sua bonequinha.
Chegando lá no hospital...
Correram pra examinar,
Disseram-me que era grave:
— Nos teremos que internar!
Vai ficar na UTI,
Que será mais salutar.
Fernanda pediu à médica,
Para que não a cortasse,
Porque a traqueostomia
Mesmo que muito ajudasse
Em sua respiração
Deixava abatida a face.
Daí comecei chorar
Ficando desesperada,
Sentia não ter mais volta,
Chegara a hora marcada,
O meu coração de mãe
Deixou-me descontrolada.
Minha filha olhou pra mim
Com olhar de despedida
“Mamãezinha eu vou morrer!”
Disse-me desfalecida.
Os anjos lhe avisaram
Que era hora da partida.
Senti uma dor tão grande
Com aquela afirmação
E disse pra minha filha:
— Não me deixe agora não!
Chegando tia Fatinha,
Deu-nos a confirmação.
Ela abraçou sua tia
Que se pôs logo a chorar,
Nanda falou com carinho
Que pra o céu ia voltar,
Que Jesus e Sua Mãe
Estavam a lhe esperar.
Depois disso lhe entubaram...
Nada mais ela nos disse.
Era grande o sofrimento
Na UTI, e quem me visse
Olhava o pranto estampado,
Pois agia com sandice.
E como não agiria?
Ao ver o meu bem amado
Sofrendo no hospital,
Oito dias entubado?
O meu anjinho ficou
Constantemente ao meu lado.
Do seu lado eu não saia
Nessa agonia colossal,
Pois eu tinha consciência
Dessa doença fatal,
Pois os seus órgãos estavam
No paradeiro final.
Nisso falei com Jesus
Pedi com muito fervor:
— Liberta a minha filhinha,
Arranca dela essa dor.
Aos prantos triste, soluços
Orei a Nosso Senhor.
Vinte e quatro de janeiro
Voltou Maria Fernanda
Para os braços de Jesus,
Lá no céu houve uma banda
Tocando os hinos mais lindos
Que o meu coração abranda.
Alegremente voou
Pra mansão celestial,
O meu anjinho retornou,
Bebeu do manancial
Que Jesus nos prometeu
Com palavra divinal.
Porém foi triste esse dia
Para todos que ficaram,
Por incrível que pareça
Gato e cachorro choraram,
O silêncio foi geral,
Todos eles lamentaram.
Seu papaizinho querido
Pegou o computador
Da filha que ele adorava,
Expressando tanta dor
Que sentia no seu peito,
Agora tão sofredor.
Então, me abracei com ele
Num pranto muito infeliz,
Ele me abraçou também,
Apertou bem como eu quis,
Meu coração apertado
Chorava igual chafariz.
Durante todo o velório
Passei o tempo chorando,
Debruçada sobre o corpo,
Quase não acreditando,
Segurei suas mãozinhas
E seu rostinho beijando.
Naquele branco caixão
De tão louca me agarrei,
Não deixava sepultá-la,
Desesperada chorei
Quando seu irmão querido
Me puxou e eu lhe abracei.
Sete dias eu passei
Em uma rede deitada,
Não comia e não dormia,
Pranteando atormentada,
Parecia que eu ouvia
A voz da filha adorada.
No dia dos seus dez anos
Na sua cova eu botei
Parabéns, minha princesa!
E com flores adornei
Aquele mármore tão frio
Com seu retrato beijei.
Eu só tenho a agradecer
A Deus Pai pela bondade
Por ter confiado a mim
Esse anjo de verdade,
Foram os anos que eu tive
A maior felicidade.
Tudo o que Nanda deixou:
Amor, carinho e alegria
Fez-me acreditar na vida
E viver com harmonia;
A dor da saudade é grande
Mas supero a nostalgia.
Eu te amo filha amada!
Minha fadinha querida,
Minha bonequinha Barbie,
Minha diva preferida
Dos cabelos cacheados
A Polly da minha vida.
O que você me ensinou
Eu guardo com gratidão,
Paciência e humildade,
Caridade e doação...
Será sempre o anjo amado,
Santa do meu coração!
Rita Cruz
Rogo aos anjos protetores
Que aqui venham me inspirar
Pra eu relatar com firmeza
Sem lágrimas derramar
A história de um Serafim
Que residiu em meu lar.
Com um só dia de vida
Em minha casa chegou
Uma menina morena
Que muito me consternou
Pois a sua genitora
A pequena desprezou.
Ouvi quando Deus soprou
Nos meus ouvidos assim:
Este presente eu te dou
Para por, então um fim,
Na tristeza da tua alma
Este anjo Serafim.
Agora começa a história,
Nem tristonha ou engraçada,
É uma história de vida
De uma criancinha amada,
Minha princesa Maria
Fernanda doce, encantada.
Sua vida foi marcada
Desde o dia que nasceu
Por uma cruel doença,
Preocupando o siso meu:
Distrofia Muscular
Tão malvada lhe ocorreu.
E nos seus primeiros dias
Começou a grande luta
Percorremos várias clínicas,
Foi grande a nossa labuta,
Pois nenhum neurologista
Quis entrar nessa disputa.
Eu fiquei desesperada
Buscando um especialista
Um doutor pesquisador
Dedicado e ativista
E que comigo enfrentasse
Essa doença mal vista.
Examinando a criança
Logo diagnosticou:
São quarenta e dois os tipos
Da doença que encontrou,
Mas agora ele precisa
Saber qual delas achou.
Para o Estado de São Paulo
Vocês têm que viajar!
Vai logo se preparando
Pra sua mala arrumar,
Pois é lá que esta doença
Eles vão diagnosticar.
Estando tudo acertado,
Com medo no coração
Sua madrinha e nós duas
Embarcamos no avião
Daquele dia pra frente
Complicou a situação.
Ao chegar a hora marcada
Fizeram uma cirurgia,
Um pedacinho do músculo,
Foi local a anestesia,
Nandinha chorava muito
Pela dor que ela sentia.
A triste preocupação
Me acometeu no momento:
Como proteger Nandinha
Do maldito sofrimento?
Engoli todo o meu choro,
Abafando o sentimento.
Ao voltar para o hospital
Para o médico entreguei
O resultado do exame
Com angústia imaginei
Que aquele caso era grave
Foi com pesar que pensei.
Que a enfermidade malvada
Com a qual Nanda nasceu
Mudaria a nossa vida
Derrotando o sonho meu
De vê-la crescendo alegre
Me mostrando um filho seu.
Na APAE que encontrei forças
Carinho e dedicação;
Nesse local minha menina
Recebeu toda instrução,
Melhor condição de vida
Com toda medicação.
Fisioterapia e hidro
E fisio ocupacional,
Fernandinha ia vivendo
Com ajuda profissional
Melhorando o seu viver,
Tornando-se habitual.
E vendo a minha filhinha
Já com três anos de idade
Sem andar e sem correr,
Sem ter sua liberdade
Para Jesus perguntei
O porquê dessa maldade.
Do Sara fiquei sabendo,
Hospital de Fortaleza,
No bairro de Passaré
(Eu tinha quase certeza)
Seu tratamento seria
Garantido com destreza.
Eu marquei uma consulta
E com Nanda viajei,
Muito exame e sofrimento,
Juro que quase surtei
Para encontrar a cura,
Ardentemente eu lutei.
Depois de nova biopsia
O resultado chegou:
Seja forte. Disse a médica
O meu coração saltou:
Ainda não há remédio
Consternada me falou.
Amor e dedicação
Cuide dela com prazer,
Assustada Fernandinha,
Perguntou-me: — Vou morrer?
Com os seus olhos tristonhos
E agoniando meu ser.
A moça lhe respondeu:
— É claro que você vai!...
O mundo inteiro também:
Eu, sua avó, mãe e pai...
Ninguém fica pra semente,
Pois toda a vida se esvai.
Por ter muita fé em Deus,
Também em Nossa Senhora,
Entreguei Fernanda aos dois,
Disse logo sem demora:
— Meu anjinho eu Vos entrego
Tomem conta dele agora.
Minha filha foi crescendo
Com muita sabedoria,
Tinha tanta inteligência,
Tristeza não conhecia,
Mesmo com deficiência
Mostrava ter alegria.
O seu nome muito belo,
Escolhi com muito amor:
Maria, doce e singelo,
A mãe de Nosso Senhor.
Fernanda foi minha irmã
A quem amei com ardor.
Toda gente deste mundo
Da minha filha gostava,
Por ser comunicativa,
Ela sempre conversava
Ofertando mil palavras
Que a muitos consolava.
Minha princesa Fernanda,
Joia de grande valor
No jardim da minha vida,
Pessoa com muito amor,
De delicada candura
E com perfume de flor.
Quando foi para o colégio
Eu logo me aperreie,
Porque foi um dos melhores
Em que eu a matriculei,
Mas ela foi humilhada
Mesmo sendo contra a lei.
A professora da sala
Com minha filha gritou,
Era uma despreparada
Que muito me revoltou,
Por um pedaço de bolo
Com Nandinha se estressou!
Fiquei muito chateada
Com essa situação,
Achei ter cometido erro
E doeu meu coração,
Porém eu chorei calada
Por sentir essa aflição.
As mães das outras crianças
Tinham medo da doença:
Achavam ser transmissiva,
Deram, então, sua sentença:
Para brincar com seus filhos
Nandinha não tinha licença.
Depois disso Fernandinha
Teve medo de estudar,
Pois ficou traumatizada
Na escola não quis ficar
E com uma psicóloga
Nandinha foi se tratar.
Já com cinco anos de idade
Outra escola procurei,
Foi grande meu desengano!
Desesperada chorei...
Rejeitaram minha filha
Pela deficiência, sei!
De inclusão nada sabiam,
Nem tinham adaptação,
Nem rampas e nem acesso,
Grave era a situação
E dos colégios nenhum
Tinha capacitação.
Na Ascendino de Almeida
A melhor! Posso afirmar:
Escola da Prefeitura
Que não deixa a desejar,
Porque tem democracia
E o mentor sabe ensinar.
Tais dias os mais felizes,
Vivenciei certamente,
Aprendi com as crianças,
Pois criança é inocente,
Minha Nandinha aprendia
Tudo bem rapidamente.
Naquele tempo não tinha
O professor auxiliar.
Eu logo me ofereci
Para voluntariar
Na sala do jardim três
Fiquei a me deleitar.
Acompanhei de pertinho
Todo aquele ano letivo,
Auxiliando com gosto.
(Me serviu de lenitivo)
Ver minha filha adorada
Num processo evolutivo.
Sua professora era
Uma moça delicada:
Juliene, a professora
Assim ela era chamada;
E seguindo Paulo Freire
Sempre foi muito informada.
No primeiro ano não deram
Para mim a permissão;
Sônia Sena a professora,
Me barrou lá no portão:
— Não é permitido, mãe!
Disse-me essa exclamação.
Disse: — Mãe, não tenhas medo
Estou aqui para ajudar,
Estará em boas mãos
E eu vou lhe ser salutar,
Venha, pois, só no intervalo,
Que isso vai lhe consolar.
Nandinha tinha direito
De comigo sempre estar
No recreio ou no intervalo,
Como que queiram chamar,
Por sua deficiência
Que infligia o meu lar.
Não dava para comer
Sua própria refeição,
Pois lhe faltava energia,
Porque os seus braços não
Tinham forças pra poder
Prender o talher na mão.
Na hora do intervalo
Eu corria para a escola,
E depois que ela comia
Gostava de jogar bola
Sempre bem acompanhada
Comigo na sua cola.
Lá fez muitas amizades
E todos gostavam dela,
Crianças e funcionários
Ficavam pertinho a ela
Por ser bem conversadeira,
Muito amada e singela.
Teve outra professora
Que Nandinha tanto amou,
Rafaela, bela fada
Que o meu coração ganhou,
Era outro anjo humano
Que Deus lhe presenteou.
Outra professora que
Nanda muito apreciou
Na sala de multimeios
Foi a Geysa, se encantou,
Aprendeu a ler a Bíblia,
Assim se alfabetizou.
A primeira comunhão,
Ela fez com alegria
Com oito anos de idade,
Santa Clara como guia,
Comendo o Corpo de Cristo
Na Sagrada Eucaristia.
Toda missa comungava
Com muita concentração
Na fila com os fiéis
Em silêncio e oração,
Tomava a Hóstia Sagrada
Alegrando o coração.
Quando ela não pôde mais
Nossa igreja frequentar,
Eu fui conversar com o padre
Para Nanda confessar.
Ele vinha sempre aos sábados
Com alegria em meu lar.
O meu anjo era devoto
Da Legião de Maria,
Pois rezava o santo terço
Não esquecia um só dia
De rogar a Virgem Mãe,
Por todos que conhecia.
Preparava-se uma mesa
Como se fosse um altar,
Nandinha se arrumava,
Então, ficava a esperar
O ministro da Igreja
Para com fé comungar.
Conheceu a literatura,
De cordel, era leitora,
Também escrevia versos...
Na poesia era doutora
Apesar da pouca idade
Já era boa escritora.
Falava de Lampião
O sertanejo danado,
Viu na novela da Globo
O seu “Cordel Encantado”,
Todo o cangaço ficou
No seu coração gravado.
Fernanda colecionava
Muito, mas muito cordel,
Tinha certos cordelistas
Que era leitora fiel
Só não vou citar o nome
Do seu melhor menestrel.
Apreciava um bom filme
Romance, até o terror;
O filme Crepúsculo era
Uma bela história de amor
Amava Eduard e Bela,
Vibrava a todo vapor.
Até A Noiva do Chuck
Aquela menina via,
Todos os filmes da Barbie
Com ela eu mesmo assistia,
Na tevê grande da sala
Com pipoca e euforia.
O seu programa de humor
Não vou deixar de falar
Zorra Total todo sábado,
Ela estava a apreciar
Pra ver Janete e Valéria
No ônibus a rebolar.
Como toda fã ardente
Tinha uma grande paixão
Justin Bibier, Luan Santana
Domavam seu coração,
Mas era Hanna Montana
A sua predileção.
Contava muitas histórias;
Amava os contos de fadas,
Também era contadora
De fábulas encantadas
Onde os bichos conversavam,
Dançavam dando risadas.
Fernanda era bem romântica
Apesar da pouca idade,
E toda história de amor
Trazia felicidade:
Sansão e Dalila foi
Um romance de verdade.
Borboletas ela amava
Com total adoração,
Como Nanda não andava,
Causavam-lhe comoção,
Pois borboletas voavam
Para qualquer direção.
Outra coisa que gostava
Era de colecionar
Pollys, pequenas bonecas,
Porque podia brincar,
Pois ela não tinha forças
Pra bonecas levantar.
Bailarinas coloridas
Tinha grande coleção,
Diário bem enfeitado
Com florzinha e coração,
Nele ela escrevia tudo
Com carinho e paixão.
Fera no computador,
Nisso pode ter certeza!
Aprendeu tudo sozinha
Com uma enorme esperteza,
Qualquer trabalho fazia
Com extrema ligeireza.
Nunca vi criança igual
Com essa dedicação,
Superando os obstáculos
De sua limitação,
Com teclado virtual
E com mouse em sua mão.
Às vezes só eu pensava:
Minha filha nunca andou,
Das perninhas penduradas
Ela nunca reclamou,
Desse inchaço e desse incômodo
Jamais ela lamentou.
Sofria de escoliose
E muitas dores sentia
Com aquela paciência,
Conformada ela sofria
Presa na sua cadeira
De rodas, com alegria.
Sua voz era tão doce,
Seu olhar encantador
E na calçada da casa,
Ela cantava com amor;
As pessoas que passavam
Paravam pra dar valor.
Foi com nove anos de idade
A sua última festinha,
Ganhando um belo presente
De sua tia Fatinha
Que colocou em seus braços
Sua pequena priminha.
A festa de dez aninhos,
Já com tudo contratado,
No bairro de Candelária,
No Umpa Lumpa acertado
O baile para as mocinhas,
Que foi um show ponderado.
Fernandinha fez a arte
Dos convites que queria,
Mônica jovem foi o tema
Com pompas e regalia,
Digna de uma princesa
Era a festa que teria.
Os convites foram feitos
A data certa marcada,
Vinte e nove foi o dia
De fevereiro, agendada,
Mas por obra do Divino
A festa foi cancelada.
Ela não imaginava
Que Jesus ia chamar
Para o céu com os seus anjos,
Com bolinho de manjar,
Dez velinhas bem acessas,
Estavam a lhe esperar.
Mas, como tudo na vida
O seu triste fim chegou
A minha filha querida
Igual a rosa murchou,
Foi ficando esmorecida
Antes mesmo do seu show.
Meu mundo desmoronou,
Fiquei muito preocupada
Devido a situação
Que ocorreu a linda fada,
Em meu canto tão sozinha
Eu pranteei perturbada.
E Nandinha foi ficando
Cada dia mais doente,
Foi parando de comer,
Deixando de ser contente,
Pediu-me quase sem voz:
Leve-me ao médico urgente.
Tão depressa lhe arrumei,
Sentindo-me bem sozinha;
Na mochila coloquei
As camisolas que tinha,
Os seus lençóis preferidos
Também sua bonequinha.
Chegando lá no hospital...
Correram pra examinar,
Disseram-me que era grave:
— Nos teremos que internar!
Vai ficar na UTI,
Que será mais salutar.
Fernanda pediu à médica,
Para que não a cortasse,
Porque a traqueostomia
Mesmo que muito ajudasse
Em sua respiração
Deixava abatida a face.
Daí comecei chorar
Ficando desesperada,
Sentia não ter mais volta,
Chegara a hora marcada,
O meu coração de mãe
Deixou-me descontrolada.
Minha filha olhou pra mim
Com olhar de despedida
“Mamãezinha eu vou morrer!”
Disse-me desfalecida.
Os anjos lhe avisaram
Que era hora da partida.
Senti uma dor tão grande
Com aquela afirmação
E disse pra minha filha:
— Não me deixe agora não!
Chegando tia Fatinha,
Deu-nos a confirmação.
Ela abraçou sua tia
Que se pôs logo a chorar,
Nanda falou com carinho
Que pra o céu ia voltar,
Que Jesus e Sua Mãe
Estavam a lhe esperar.
Depois disso lhe entubaram...
Nada mais ela nos disse.
Era grande o sofrimento
Na UTI, e quem me visse
Olhava o pranto estampado,
Pois agia com sandice.
E como não agiria?
Ao ver o meu bem amado
Sofrendo no hospital,
Oito dias entubado?
O meu anjinho ficou
Constantemente ao meu lado.
Do seu lado eu não saia
Nessa agonia colossal,
Pois eu tinha consciência
Dessa doença fatal,
Pois os seus órgãos estavam
No paradeiro final.
Nisso falei com Jesus
Pedi com muito fervor:
— Liberta a minha filhinha,
Arranca dela essa dor.
Aos prantos triste, soluços
Orei a Nosso Senhor.
Vinte e quatro de janeiro
Voltou Maria Fernanda
Para os braços de Jesus,
Lá no céu houve uma banda
Tocando os hinos mais lindos
Que o meu coração abranda.
Alegremente voou
Pra mansão celestial,
O meu anjinho retornou,
Bebeu do manancial
Que Jesus nos prometeu
Com palavra divinal.
Porém foi triste esse dia
Para todos que ficaram,
Por incrível que pareça
Gato e cachorro choraram,
O silêncio foi geral,
Todos eles lamentaram.
Seu papaizinho querido
Pegou o computador
Da filha que ele adorava,
Expressando tanta dor
Que sentia no seu peito,
Agora tão sofredor.
Então, me abracei com ele
Num pranto muito infeliz,
Ele me abraçou também,
Apertou bem como eu quis,
Meu coração apertado
Chorava igual chafariz.
Durante todo o velório
Passei o tempo chorando,
Debruçada sobre o corpo,
Quase não acreditando,
Segurei suas mãozinhas
E seu rostinho beijando.
Naquele branco caixão
De tão louca me agarrei,
Não deixava sepultá-la,
Desesperada chorei
Quando seu irmão querido
Me puxou e eu lhe abracei.
Sete dias eu passei
Em uma rede deitada,
Não comia e não dormia,
Pranteando atormentada,
Parecia que eu ouvia
A voz da filha adorada.
No dia dos seus dez anos
Na sua cova eu botei
Parabéns, minha princesa!
E com flores adornei
Aquele mármore tão frio
Com seu retrato beijei.
Eu só tenho a agradecer
A Deus Pai pela bondade
Por ter confiado a mim
Esse anjo de verdade,
Foram os anos que eu tive
A maior felicidade.
Tudo o que Nanda deixou:
Amor, carinho e alegria
Fez-me acreditar na vida
E viver com harmonia;
A dor da saudade é grande
Mas supero a nostalgia.
Eu te amo filha amada!
Minha fadinha querida,
Minha bonequinha Barbie,
Minha diva preferida
Dos cabelos cacheados
A Polly da minha vida.
O que você me ensinou
Eu guardo com gratidão,
Paciência e humildade,
Caridade e doação...
Será sempre o anjo amado,
Santa do meu coração!