O Gatinho, o Cocô e o Sentido da Vida.

É incrível a capacidade que o Universo tem de todo instante, mandar mensagens para os pobres humanos. Sendo que na grande maioria das vezes, não percebemos tais verdades. Na última semana, após sair do trabalho, embarquei num ônibus que faz um dos itinerários mais lotados da cidade. No ponto em que subo ainda é tranqüilo, existindo diversos lugares vazios. Em pouco tempo quase não há espaço algum, são dezenas de pessoas. A grande maioria recém saída de seus trabalhos. Cansadas e com cara de desânimo evidente, amontoam-se em meio a um calor crescente, sob músicas enfadonhas, provenientes do gosto discutível dos motoristas.

Adquiri o costume de dormir, assim posso “encurtar” a viagem. Não é necessário que assista a paisagem, pois já decorei o percurso. E naquele fim de tarde estava dormindo na última cadeira do lado esquerdo do veículo.

Mas como disse anteriormente, o Universo está sempre nos comunicando suas verdades.

À metade do percurso, entramos numa estreita avenida. O engarrafamento naquele horário é inevitável. O ônibus parou. A expressão cansada dos passageiros indicava alto desgaste. Eu mesmo, embora viajando sentado, estava cansado da demora na viagem e aquela parada seria longa.

Olhei para fora do ônibus, projetei minha cabeça pela janela em busca de algum ar e me deparei com uma cena significativa. Um cruzamento próximo exibia um sem número de luzes, faróis, piscas, semáforos. Um turbilhão de sons, buzinas, motores, carros de som, um avião que passou sobre nós... Tudo isso ao mesmo tempo deixava o ambiente externo tão estressante quanto o interno ao ônibus. Mas alheio a tudo isto, passando sobre um pequeno trecho de grama, junto a uma calçada alta de uma loja de luminárias, aproximou-se um gatinho. No limiar entre a fase filhote e a fase adulta, aquele gato chegou sem preocupações. Rondou a grama e ajeitou-se, acertou-se, fixou-se, acocorou-se e iniciou o cocô. Sim, no meio da avenida movimentada, lotada de veículos, luzes e sons. O gato sem cerimônia acocorou-se.

Aquela cena então assumiu um caráter semi-divino. Era uma mensagem cósmica. Um ente taoísta. Uma verdade do Universo ali, diante de todos no ônibus lotado. Olhei para o interior do veículo. Fiquei abismado. Ninguém parecia ter visto o gatinho na calçada. Ninguém parecia estar vendo nada. Os olhares das pessoas eram opacos. Os únicos brilhos ali eram das pasteurizadas luzes e dos reflexos nos rostos suados das pessoas.

Tornei a olhar para o gato. Ele tinha aquele olhar absorto, vago. Poderia jurar que ele olhava para mim. Seu rabo eriçado contrastava com seu semblante impassível. Todo aquele caos era contraponto daquele animal. Mesmo sem saber se ele olhava para mim ou se para um ponto no infinito, entendi, decifrei, deduzi um pensamento, uma comunicação, uma idéia, uma questão: onde está a vida natural do homem?

Sem duvidas todos nós, naquele ônibus, estávamos distantes de nossa vida natural. Qual é o preço da modernidade? Qual o preço para as nossas almas?

O gatinho nem pareceu aliviado, nem ao menos irritado ao final de seu cocozinho na grama. Pareceu apenas “satisfeito”, no sentido de ter cumprido sua necessidade sem rodeios, sem caprichos ou fantasias. Ele saiu dali tão tranqüilo quanto chegou. E todos os humanos permaneceram aprisionados naquela grande caixa metálica chamada ônibus. Ninguém viu o gatinho. Ninguém sabia muito bem porque estava dentro daquele ônibus. Ninguém se olha. Ninguém conversa. Abafados pelos sons da música e do trânsito, seguimos o nosso itinerário. Dia após dia, ano após ano. Vida após vida?

Naquele início de noite percebi uma das grandes verdades do Universo, mas ainda restam paradigmas a serem superados. E assim vou seguindo. Certo de que a qualquer momento a nova mesma verdade será dita a todos. Até quando?