Mané Garrincha, 
                       este sim, um fenômeno


                                          "Pés saudosos que
                                           imortalizaram o momento mais
                                           poético do futebol."  
                                                           Armando Nogueira

     Esta é a primeira vez que ouso escrever uma crônica falando de futebol. Mas nunca deixo de ler os bons cronistas esportivos.
     Não perdia as crônicas do João Saldanha e do Nelson Rodrigues. Na ausência definitiva desses dois extraordinários jornalistas, passei a ler o Tostão e o acreano Armando Nogueira, de penas sábias e sensatas.

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     1957. Estudante recém-chegado na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, escolhi o futebol da Boa Terra como minha principal diversão.
     No meu primeiro contato com o estádio da Fonte Nova abracei a bandeira do Esporte Clube Vitória.
     Fiz esta escolha depois de assistir, em  tarde festiva e de estádio borbulhante, o rubro negro baiano aplicar uma histórica goleada no Esporte Clube Bahia, naquele tempo o verdadeiro "esquadrão de aço". 
     Os gols saíram dos pés de um craque - eu disse um craque - chamado Teotônio.

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     O leitor pode muito bem perguntar por que somente agora me dispus a escrever uma crônica falando de futebol. Porque resolvi homenagear os craques - eu disse os craques - que, sob o comando do gorducho Vicente Feola, ganharam a copa do mundo de 1958. Há cinquenta anos, portanto, no estádio de Rasunda, Suécia.
Placar: 5 a 2.
      É evidente que não vou tecer considerações sobre o desempenho técnico da bela seleção dos incomparáveis Didi, Zagalo e Pelé. Não sou do ramo; poderia  dizer muita bobagem. 
       Brasileiros amantes do bom futebol ainda guardam, com muito respeito, os nomes dos jogadores da seleção de 1958.  Até aqueles não muito ligados ao esporte, se indagados, dirão: "Gilmar - De Sordi e Bellini - Zito, Djalma Santos e Nilton Santos - Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagallo.  
       Eram todos craques autênticos; profissionais corretos; artistas da bola. Não me lembro de tê-los visto jogando com brinquinhos nas orelhas e nem com chuteiras coloridas.  Vi-os, todos, honrando a camisa canarinha e exibindo um futebol de lances precisos, responsáveis, inesquecíveis... 

     (Sobre o momento crepuscular que atravessa a seleção brasileira, escreveu o nosso Ruy Castsro: "As razões são muitas, mas o fato é que a seleção se divorciou do povo. Não é mais o Brasil. Reduziu-se a uma legião de estrangeiros que, mecanicamente, canta o hino antes do jogo.")

     Vale deixar claro, que os jogadores de 58 não eram santos; nem vacinados contra as tentações da carne. Garrincha fez um filho na Suécia. 
     Mas, até hoje, não surgiram notícias ligando-os a escândalos; à luz do dia,  ou na calada noite...

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     Escolhi Garrincha - este sim, um fenômeno - para  homenagear a seleção de futebol campeã do mundo em 1958.
     Escolhi Garrincha pela beleza e singeleza do craque, síntese daquela equipe vencedora de 58. 
     Escolhi Garrincha lembrando-me que o destino lhe reservara um fim trágico. Para não repetir o que todos sabem, aconselho a leitura de Estrela Solitária - Um brasileiro chamado Garrincha, do escritor Ruy Castro.
      Trago para minha crônica o Garrincha, cujo drible, lembra Armando Nogueira, "era sempre uma aula de meninice". Portanto, o jogador que distribuia alegria e talento... mesmo recebendo salários modestos.

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     Escrever sobre o Mané é ótimo!      
     Mas para dar substância a esta página, recorri ao poeta Carlos Drummond de Andrade. 
     Tirei de sua crônica, Mané e o Sonho - Jornal do Brasil, 22/01/83 -,  tópicos que dizem muito do craque de pernas tortas que encantou o mundo. Vou transcrevê-los, pedindo paciência ao amigo que me lê.  
     1 - "Mané Garrincha foi um desses ídolos providenciais com que o acaso veio ao encontro das massas populares e até dos figurões responsáveis periódicos pela sorte do Brasil, ofertando-lhes o jogador que contrariava todos os princípios sacramentais do jogo, e que no entanto alcançava os mais deliciosos resultados."

     2 - "Garrincha não pedia nada a seus admiradores; não lhes exigia sacrifícios ou esforços mentais para admirá-lo e segui-lo, pois de resto não queria que ninguém o seguisse.

     3 - "Sua ambição ou projeto de vida (se é que, em matéria de Garrincha , se pode falar de projeto) consistia no papo de botequim, nos prazeres da cama, de que resultasse o prazer de novos filhos, no descompromisso, afinal, com os valores burgueses da vida."

     4 - "A criança grande que ele não deixou de ser foi vitimada pelo germe de autodestruição que trazia consigo: faltavam-lhe defesas psicológicas que acudissem ao apelo de amigos e fãs.  Garrincha, o encantador, era folha ao vento."

     5 - "Se há um deus que regula o futebol, esse deus é sobretudo irônico e farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos, nos estádios." 

     6 - "Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam, e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo, que nos alimente o sonho." 

     Felizes são aqueles que viram Mané Garrincha brincando de jogar bola...  
     O craque que não precisou de carro de luxo, de brinquinhos, nem de chuteiras coloridas para garantir o prestígio do futebol brasileiro, no momento - não sejamos ingênuos -  à beira da falência...
             
 
   
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 30/06/2008
Reeditado em 24/08/2009
Código do texto: T1058546