MINHA TERRA TINHA GOIABEIRAS ONDE CANTAVAM SABIÁS

Confirmo, que seu Ismael, foi o melhor chefe de repartição, que eu já tive. Se o serviço não saía do seu agrado, ele em vez de humilhar, ou ridicularizar, seus subordinados, como faziam muitos chefes que eu ja tive, corrigia apenas dizendo: poderia ter sido melhor. se o trabalho estava bom, o felizardo ganhava parabéns. Porém ninguém, nunca chegou em casa com dores nas costas, por conta de tapinhas falsos. Essa era uma das razões pela qual eu o admirava. Tinha por ele grande respeito, porém nas horas de informalidade, eu o chamava de grande chefe. Algum tempo depois, passei a chamá-lo de mestre, devido as lições sobre meio ambiente e outras não menos importantes.

A primeira vez que ele me corrigiu, foi quando me viu atracado a um cigarro ( e na minha ficha de proposta de emprego, eu tinha colocado não fumante ). _ Olha: desde que você não fume dentro da empresa, não podemos proibi-lo de fumar. Mas anote aí os danos que você está provocando: está prejudicando a sua saúde e a de quem estiver por perto respirando essa fumaça fedorenta, está contribuindo para o aquecimento global; e essa cortiça que eu sei que você vai jogar na rua, leva muitos anos pra se decompor. Foi o suficiente pra eu passar o resto do dia amuado, pensei em pedir a conta... Puxa, na minha terra eu era livre, ninguém me chamava a atenção por conta de um "cigarrinho", que até então eu achava inofensível. E além do mais era hora do meu almoço! Caramba! Á noite depois de mais alguns "cigarrinhos", ponderei sobre aquela lição e prometi (pra mim), que ia deixar esse vício abominável. De outra vez, eu estava de novo na hora do almoço, trepado num pé de goiabeira. A Nina Horta, escreveu, que a goiabeira, é do bem. Tem ramos abertos, feito pra criança trepar. Mas adulto, também gosta de subir em goiabeira. Eu, adoro. Tanto, que na hora do almoço, era lá que eu esquecia do trabalho. Mas, pra colher umas goiabas que estavam num galho afastado, não pensei duas vezes: me pendurei no galho e mandei ver, arranquei o galho! Ah! Não prestou: seu Ismael, surgiu não sei de onde ( caramba! Será que ele estava me seguindo na hora do almoço? A hora sagrada!) e foi enérgico: como é que você faz uma coisa dessa? Se toda pessoa que for colher uma fruta, tiver que cortar o galho, em pouco tempo não haverá mais árvores. E sem árvores... Aquilo foi um tapa na cara, eu que tinha nascido no meio do mato, no interiorzão, eu (e tantos outros), que tirei a vida de tantos sabiás, quantas rolinhas não derrubei com meu estilingue infalível? Comia algumas assadas com farinha, mas na maioria das vezes, era só pra testar a pontaria. Derrubava goiabeiras, mangueiras e outras árvores, às vezes pra preparar o roçado, ou apenas, queria aproveitar um galho, pra fazer um pião. E também, porque na minha consciência e de outros, algumas delas serviam apenas de sombra e pra ocupar espaço. Agora, morando na cidade, usando a internet, não percebia que a webcam, os mms e outras geringonças, estavam anulando algo essencial à vida: a saudade. Aí me dei conta que se todas as árvores deixassem de existir, deixariam de existir também os pássaros. E quem iria cantar pra mim, como fez aquele sabiá, também na hora do almoço? Que cantou tão maravilhosamente a ponto de me levar às lágrimas, com saudade de minha terra, e dos pés de goiabeiras.

CORDEIRO de ITIÚBA
Enviado por CORDEIRO de ITIÚBA em 26/07/2008
Reeditado em 20/08/2010
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