A MORTE DO VAQUEIRO

O sertão da Bahia amanheceu triste e sem graça no dia 03 de agosto, do ano de Nosso Senhor Jesus Cristo, de dois mil e oito; lá pelas quebradas do Camisão, numa terra entre as Pintadas e a Baixa Grande, depois da Barraca três léguas adiante, passando por Boca Rica, mas antes do Bom Viver, é que fica a localidade do Bom Sucesso; lugar simplesinho, onde o jorro d’água nos canos é coisa de ontem; onde a luz do lampião e do candeeiro era quem travava uma luta contra as trevas da escuridão até outro dia.

O sertão daquelas bandas parou de ouvir o brado forte do vaqueiro de 1910 chamando suas ovelhas na manga da frente da fazenda; levando-as apenas com os aboios para o confinamento de apenas uma noite; o sertão daquelas bandas vai ouvir mais os bramidos e chiados, os mugidos e latidos solitários porque o vaqueiro velho Caé finalmente se calou depois de 98 anos de labuta forte.

Jaguatiricas, juritis, cágados, porcos-espinhos, mocós, cascavéis, jegues, bois e emas se calaram após aquela manhã; todos involuntariamente resistiam à ação nefasta do silêncio, para tentarem em vão ouvirem pela ultima vez a voz do vaqueiro velho; do sertanejo que por pouco não virou sertanista, do avô e pai.

A casa já não era a mesma depois daquele São João de 2004, tudo ficou mais calmo e o pouco de alegria que ainda resistia, era por conta dele, do velho Caé, e isso acabou, se foi cumprindo o ritual do mundo, o ciclo da vida...!

O lamento que se ouvia era como os gemidos dos viúvos, expressados na solidão que é fera e devora; a mesma solidão que restará, como amiga das horas, prima irmã do tempo e que fará nossos relógios caminharem lentos, causando um descompasso em todos os corações que o amavam.

No oitão da casa, alguns badulaques me farão lembrar o velho vaqueiro; o nicho que abrigava alguns santinhos, hoje está encima do guarda-roupa, quase esquecido; no seu quarto, o velho baú que guardou por tantos anos um punhal e algumas outras tranqueiras típicas da gente daquele lugar; a cama de madeira deveria ficar imóvel como se estivesse num museu, o chapéu de palha final, elegante, deveria acompanhá-lo sobre o ataúde, carruagem de sua ultima viagem e o jaleco desbotado e surrado pelo tempo, se alguém encontrar, mande-me para que eu reserve um lugar de honra em meu gabinete, lacrado sobre vidros e uma placa indicativa escrita: “Isso aqui foi o manto de muitas batalhas do homem forte e honesto que foi meu avô e se chamava Judicael Pamponet Pires”.

Do meu velho avô, guardarei além de ternas e eternas fotografias, as lembranças de minha infância, os sermões constantes por minhas travessuras, da referência que ela exercia na região, por sua honra e seu caráter; guardarei para sempre, enquanto vida estiver, da saudade que sentia quando tinha que voltar a Capital e deixá-lo; guardarei para sempre a saudade que sinto agora, por saber que somente o verei quando finalmente eu deixar este plano.

-Vovô! Se puder ler minhas palavras daí, pede a Vovó Dete para fazer uma buchada de carneiro bem temperada, com pirão e um fígado ao redem, com água de moringa bem fresquinha, que um dia eu chego lá!

Que Deus Seja Louvado!

Site do Autor: Carlos Henrique Mascarenhas Pires