Minha velha próstata



     1. Volvidos mais de dez anos, desde que tudo aconteceu, resolvi, neste fim de tarde, divulgar este doloroso episodio, persistindo naquele velho propósito de contar, no meu site, um pouco da minha modesta história.
     2. Deu-se o seguinte: naquele dia,
tive que enfrentar uma cruenta cirurgia.      Tremia, só em pensar no bisturi; apesar de confiar, cegamente, no talento e na experiência do meu jovem urologista. 
     Os leitores não podem imaginar o quanto padeci, mormente nos minutos que antecederam ao início da interveção - arre! - cirúrgica.
     3. Achava que ia morrer. E de morrer, eu tenho medo. Mesmo sabendo que Francisco de Assis, meu santo protetor, chamou a Morte de irmã - "Louvado sejas, meu Senhor,/ por nossa irmã, a morte corporal,/ da qual ninguém pode escapar." 
     4. A cirurgia, segundo o  esculápio amigo, seria rápida e muito simples. Se resumiria numa ligeira raspagem da minha próstata, através do meato urinário.  
      "E sem comprometimentos futuros...", tranquilizou-me, ao me ver apavorado. E é exatamente o que tem acontecido ao longo de todos esses anos, pós operatório.
       Não adiantavam, porém, as detalhadas e científicas explicações do doutor: eu continuava assustado.
     5. Entrei no centro cirúrgico convencido de que estava fazendo minha última viagem. E minha agonia aumentou quando me vi chegando à sala de cirurgia a bordo de uma maca, e, praticamente nu.
      Vestia, apenas, um camisolão, que brigava com minhas reais medidas. Sentia-me amortalhado.
      6. A dita camisola tinha, porém, uma grande vantagem: impedia que as dóceis enfermeiras, que me acompanhavam, naquele peregrinação hospitalar, vissem minha "vergonha", reconhecidamente irresistível, naquele instante, murcha e encabulada! 
    7. Comecei, então, a me despedir de tudo e de todos. Procurei perdoar e esquecer. Levar comigo somente duas coisas: o aceno alentador que ganhara de Ivone, antes de deixar o quarto, e as mensagens de carinho de meus filhos, Paulo e Adriano, todas vindas de muito longe.
     8. Cada vez mais acreditando que estava inapelavelmente saindo de cena, e sem poder esconder minha angústia, me fiz estas perguntas: estava mesmo na hora de ir embora? Ia deixar saudades? Ou um grande alívio?  Cumprira, a contento, minha missão? Valera ter vivido?
     9. Nada, entretanto, mexeu tanto comigo do que a torturante dúvida sobre qual seria o meu destino, depois da morte. Iria para o céu? Ou já estava a caminho do inferno?
      Pecara, sim, mas não tanto! Pensei em me confessar. Tinha direito a absolvição e ao consolador viático. Mas não havia como chamar um padre. Restou-me fechar os olhos e rezar algumas Ave-Marias.
       Foi quando percebi que pela minha face rolava um lágrima morna e sentida.
     10. A meu pedido, o médico concordara em me sedar. Sonolento, não senti quando ele mexeu na minha genitália a procura de uma glândula chamada próstata, o terror dos homens de meia-idade.
     11. Decorrido algum tempo, ainda grogue, notei que me haviam levado para um lugar que não conseguia identificar. No céu, não estava. Não via Querubins e Serafins ao meu redor.
    No inferno, também não. Não via capetas assanhados, com espetos de três dentes, prontos para me fisgarem as vísceras.
    E neste particular, não podia estar enganado. Dos anjos e diabos guardava-lhes bem as imagens, recolhidas nas páginas do Catecismo Ilustrado que folheara, dezenas de vezes, no meu tempo de criança.
     12. As dores incríveis e lancinantes que sentia deram-me, afinal, a certeza de que minha hora  não havia chegado. Os cadáveres na sofrem...
     13. De repente fui descobrindo que estava cercado de muita gente. E que todos, sem exceção, se  diziam e se mostravam empenhados em me tirar daquele doloroso sufoco. E conseguiram. Fiquei bom.
    Ah, esta minha velha e traiçoeira próstata...
    
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 17/08/2008
Reeditado em 11/03/2020
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