CIÚME; VOCÊ SABE O QUE É ISSO?

SAÚDE MENTAL – Eu imagino que após a publicação deste texto, poderei até ser excomungado, mas a verdade deve prevalecer e o primeiro caso de ciúme da história, na minha concepção, envolveu Caim e Abel; Eva, única mulher daquele tempo, segundo a bíblia, teve que dividir seu amor entre os filhos e o marido e quando Caim e Abel já eram adultos, presumo que fora difícil conviver ao lado de uma mulher (e mãe), sem ter despertado algum interesse afetivo. Estava criado o primeiro caso de ciúme passional, e por conseqüência, o primeiro homicídio, se de fato eles existiram...!

Na organização literária é permitido ler como “ciúme”, algo tipo “zelo” e “despeito”, mas na alta acepção da palavra, o ciúme é uma doença séria, grave e contagiosa; que leva a óbito milhares de pessoas todos os anos e condena outros milhares a consternação das penalidades tipificadas em vários códigos criminais pelo mundo; normalmente, homicídio doloso.

Em questões de ciúme, a parede entre reflexão, fantasia, crença e certeza, amiúde se torna ausente e ambígua. No ciúme as imprecisões podem se transformar em idéias supervalorizadas ou espontaneamente exóticas. Depois das idéias de ciúme, a pessoa é compelida à verificação compulsória de suas dúvidas. A pessoa dotada de ciúmes verifica se a outra está onde e com quem disse que estaria, abre correspondências, ouve telefonemas, verificam os bolsos, bolsas, carteiras, recibos, roupas íntimas, segue o companheiro, contrata detetives particulares, etc. Toda essa tentativa de mitigar comiserações, além de reconhecidamente ridícula até pelo próprio ciumento, não ameniza o mal estar da suspeita.

Entre aberrações e cômicos, um renomado psiquiatra estadunidense, descreve um caso de uma paciente portadora de Ciúme Patológico que marcava o pênis do marido assinando-o no início do dia com uma caneta e verificava a marca desse sinal no final do dia. Mais absurda ainda é a história de outro paciente, com ciúme obsessivo, que chegava a examinar as fezes da namorada, procurando possíveis restos de bilhetes engolidos.

Os ciumentos estão em constante busca de evidências e confissões que confirmem suas suspeitas, mas, ainda que confirmada pelo companheiro, essa inquisição permanente traz mais dúvidas ainda ao invés de paz. Depois da capitulação, a confissão do companheiro nunca é suficientemente detalhada ou fidedigna e tudo volta à torturante inquisição anterior.

Os portadores de Ciúme Patológico comumente realizam visitas ou telefonemas de surpresa em casa ou no trabalho para confirmar suas suspeitas. Os companheiros desses pacientes vivem dissimulando elogios e presentes recebidos ou omitindo fatos e informações na tentativa de minimizar os graves problemas de ciúme, mas geralmente agravam ainda mais.

O que aparece no Ciúme Patológico é um grande desejo de controle total sobre os sentimentos e comportamentos do companheiro. Há ainda preocupações excessivas sobre relacionamentos anteriores, as quais podem ocorrer como pensamentos repetitivos, imagens intrusivas e ruminações sem fim sobre fatos passados e seus detalhes.

O Ciúme Patológico é um problema importante para a psiquiatria, que envolve riscos e sofrimentos, podendo ocorrer em diversos transtornos mentais. Na psicopatologia o ciúme pode se apresentar de formas distintas, tais como idéias obsessivas, idéias prevalentes ou idéias delirantes sobre a infidelidade. No Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC), o ciúme surge como uma obsessão, normalmente associada a rituais de verificação.

O ciúme é uma emoção humana extremamente comum, senão universal, podendo ser difícil a distinção entre ciúme normal e patológico (1). Na verdade, pouco se sabe sobre experiências e comportamentos associados ao ciúme na população geral, mas num estudo populacional, todos os entrevistados (100%) responderam positivamente a uma pergunta indicativa de ciúme, embora menos de 10% reconheceu que este sentimento acarretava problemas no relacionamento.

Ciúme seria um conjunto de emoções desencadeadas por sentimentos de alguma ameaça à estabilidade ou qualidade de um relacionamento íntimo valorizado. As definições de ciúme são muitas, tendo em comum três elementos:

Ser uma reação frente a uma ameaça percebida; haver um rival real ou imaginário e; a reação visa eliminar os riscos da perda do objeto amado.

A maneira como o ciúme é visto tem variações importantes nas diferentes culturas e épocas. Assim, no século XIV relacionava-se à paixão, devoção e zelo, à necessidade de preservar algo importante, sem conotações pejorativas de possessividade e desconfiança.

Nas sociedades monogâmicas o ciúme se associa à honra e moral, sendo até um instrumento de proteção da família, talvez um imperativo biológico ou uma adaptação à necessidade de ciência da paternidade. Até bem pouco tempo atrás, dava-se grande ênfase à fidelidade feminina, enquanto a infidelidade masculina era mais bem aceita. Mesmo em tempos modernos, atribui-se um papel positivo a alguma manifestação ciúme, considerando-o um sinal de amor e cuidado.

O conceito de Ciúme Mórbido ou Patológico compreende vários sentimentos perturbadores, desproporcionais e absurdos, os quais determinam comportamentos inaceitáveis ou bizarros. Esses sentimentos envolveriam um medo desproporcional de perder o parceiro (a) para um (a) rival, desconfiança excessiva e infundada, gerando significativo prejuízo no relacionamento interpessoal.

Alguns autores não consideram fundamental para o diagnóstico a crença superestimada da infidelidade, sendo mais importante o medo da perda do outro, ou do espaço afetivo ocupado na vida deste, para outros a base do Ciúme Patológico estaria em seu aspecto absurdo, na sua irracionalidade, e não em seu caráter excessivo.

Em psiquiatria o Ciúme Patológico aparece como sintoma de diversos quadros, desde nos Transtornos de Personalidade até em doenças francas. Enquanto o ciúme normal seria transitório, específico e baseado em fatos reais, o Ciúme Patológico seria uma preocupação infundada, absurda e emancipada do contexto. Enquanto no ciúme não-patológico o maior desejo é preservar o relacionamento, no Ciúme Patológico haveria o desejo inconsciente da ameaça de um rival.

No Ciúme Patológico várias emoções são experimentadas, tais como a ansiedade, depressão, raiva, vergonha, insegurança, humilhação, perplexidade, culpa, aumento do desejo sexual e desejo de vingança. Haveria clara correlação entre auto-estima rebaixada, conseqüentemente a sensação de insegurança e, finalmente o ciúme. O portador de Ciúme Patológico é um vulcão emocional sempre prestes à erupção e apresenta um modo distorcido de vivenciar o amor, para ele um sentimento depreciativo e doentio. Esse paciente com Ciúme Patológico seria extremamente sensível, vulnerável e muito desconfiado, portador de auto-estima muito rebaixada, tendo como defesa um comportamento impulsivo, egoísta e agressivo.

O potencial para atitudes violentas é destacado no Ciúme Patológico, despertando importante interesse na psiquiatria forense.

As estatísticas policiais sobre as vítimas do Ciúme Patológico normalmente estão distorcidas, tendo em vista o fato das mulheres raramente darem queixa das agressões que sofrem por esse motivo. O Ciúme Patológico pode até motivar homicídios, e muitas dessas pessoas sequer chegam aos serviços médicos. Para Palermo, a maioria dos homicídios seguidos de suicídio são crimes de paixão, ou seja, relacionados às idéias delirantes de Ciúme Patológico (Palermo, 1997). São, geralmente, crimes cometidos por homens com algum problema psicoemocional, desde transtornos de personalidade, alcoolismo, drogas, depressão, obsessão, até a franca esquizofrenia.

Leia depois a Parte II deste texto!

Carlos Henrique Mascarenhas Pires

Site do Autor: www.irregular.com.br