LUA DE MEL, CALIENTE!

LUA DE MEL, CALIENTE!

Naquela família, em pleno final do século XX, noiva, que se preza tem que casar virgem!

Para isso acontecer o cerco, se fecha aos casais de namorados. Os olheiros de plantão, não sossegam um minuto sequer, procuram pegar os incautos em deslizes. Beijo na boca só pode acontecer na despedida fora dos olhares dos vizinhos. Bem! Evidente, que, com tanta marcação os casamentos acontecem antes da cegonha alçar o seu primeiro vôo.

Tudo que Virgínia sabe sobre relacionamento sexual aprende nos livros. A literatura propicia um pouco de conhecimento sobre o outro sexo. Fica instigada pela personagem Capitu, com seus olhos de cigana oblíqua e dissimulada, além de toda a complexidade desse olhar tão poderosamente descrito por Machado de Assis em Dom Casmurro.

Em, Eça de Queirós, a jovem toma conhecimento; do quanto é perigoso confiar o amor a um homem conquistador e "bon vivant" como Basílio. Virginia esconde o livro no fundo falso do seu guarda roupa, e quando, a casa entra no silêncio inquietante das madrugadas, os livros tornam seus amantes! Assim, ela deita na cama do rei Luís XV da França, travestida de Madame Pompadour, ou como Emma Bovary, trai o marido para fugir de uma vida medíocre!

Se sente muitas vezes como o alfaiate Peeping Tom, aquele voyeur que, resolve fazer um buraco na janela da sua casa para ver a nudez real de Lady Godiva desfilando sobre o cavalo nas ruelas miseráveis de Coventry,na Inglaterra.

Virginia, estirada na rede, segura nas mãos um livro. Os raios de sol, quase não penetram no seu corpo, o local esta assombreado por duas goiabeiras, arredondadas, perfumadas por dezenas de frutos carnudos. Ensopam de néctar, abelhas e beija-flores, além de despejar o pólen das suas flores pelo ar. Ali, sonolenta, de bem com a vida, ela lê, relê e, desse modo, se transporta para os reinos de magia das princesas; Branca de Neve, Gata Borralheira, Rapunzel, Pequena Sereia!

A luz do dia Virginia é a própria Bertoleza, mostra um comportamento de total submissão ao "seu dono", na figura da sua família. Mas, quando a madrugada chega Rita Baiana a incorpora. Mulher independente e rebelde, diferente de Bertoleza, oprime e seduz os homens, faz desmoronar a idéia do modelo patriarcal da sociedade em que a mulher era apenas: objeto.

Machado de Assis, Gustave Flaubert, Aluisio Azevedo, e tantos outros autores, e poetas desfilam suas obras pelo incansável desejo da leitura, através de todo viés erótico descrito pelas palavras.

Virginia, enfim, se casa. Como manda as regras da etiqueta e da sua família, literalmente, de branco, de véu, grinalda, flores de laranjeiras, tapete vermelho e igreja! Depois da lacrimosa cerimônia houve uma festa de arromba. Comida e bebida a vontade.

A lua de mel vai acontecer no sul do país, presente de um dos padrinhos. Logo pela manhã, após a viagem, já estão andando pela praia, de mãos dadas. A areia branca, fria, úmida arranha os pés da moça, massageando, erotizando os pensamentos. Neste momento é a própria Alaíde, a protagonista de Vestido de Noiva de Nélson Rodrigues.

De repente, gritos se fazem ouvir, os noivos perplexos tomam o conhecimento de um afogamento, logo um bombeiro se joga ao mar. As braçadas firmes mostram os seus músculos. A vitima é resgatada, com sucesso! Corre, corre! Uma dezena de homens fardados ajudam a remover o incauto banhista. Um deles inicia o procedimento dos primeiros socorros!

Primeiro, ele faz a desobstrução das vias aéreas, através da extensão do pescoço, da retirada da água, e da tração mandibular atentando sempre para a possibilidade de um trauma cervical. Como a vítima mostra estar com parada respiratória, o bombeiro procede à respiração boca-a-boca. Tem como objetivo manter a oxigenação cerebral.

Depois de todo esse acontecimento inédito na vida dos dois pombinhos, eles vêem, a saber, que tudo não passa de treinamento do corpo de bombeiros local.

A manhã adentra pela tarde, com muitos passeios, o de escuna deixou o seu marido mareado! Voltam para o hotel para ele se deitar. Virginia nervosa dispara a falar sobre a família Schürmann, e, de como, eles reproduzem a histórica viagem de circunavegação de Fernão de Magalhães, um português que encontrou uma passagem para o Pacífico, através do estreito que recebeu seu nome.

Nem a palidez de Camilo faz com que a jovem interrompa, a tal, da mareada narrativa! Ela só percebe, quando aparecem os outros sintomas; sudorese, palidez, salivação, náuseas, tonturas, dor de cabeça, fadiga e vômitos. Nossa! O quarto foi inundado por vomito, com o seu cheiro característico. Virginia precisa de estomago para limpar tudo! E, o noivo, após o fato, relaxa e dorme!

Lá pelas 21 horas, finalmente, Camilo acorda! Sem dúvida, aquele pequeno comprimido, o tal do dramim, nocauteia o noivo!

Mas, a fome esta nocauteando a noiva! Com jeitinho, e muito dengo, ela pede para Camilo tomar banho. Dessa maneira, ele cria coragem para sair e comer alguma coisa.

Escolhem jantar em uma pizzaria. Encarando assim, uma comida mais leve, devido ao estado físico do noivo.

Virginia calcula nunca haver comido uma pizza de mussarela, tão saborosa como aquela. Satisfeitos voltam ao hotel.

O noivo ainda meio dorminhoco, meio atordoado, escova os dentes, e a chama para deitar.

Ela quer estrear o seu jogo de camisola e penhoar longos, da marca Valisère, rosa, de cetim e renda, comprada em várias prestações no magazine mais chique da cidade: A Porta Larga,

Que infortúnio! Ao sair toda arrumada o noivo já esta dormindo! E como ronca!

Lá pelas três horas da madrugada, Virginia desperta com gritos:

_Fogo! Fogo! Fogo!

O desespero corrói o seu cérebro. Não consegue pensar. Pula da cama, e se esborracha no chão. O chinelo tinha enroscado na barra da camisola. Ergue a camisola e a segura no braço.

Procura no local uma vasilha para colocar água e apagar o fogo. O lixo do banheiro não serve, pois esta furado! Lembra de abrir o chuveirinho e espirrar água no fogo. Foi o que fez!

No momento em que está molhando o quarto, olha para o noivo sentado na cama, com os olhos arregalados, fala e gesticula:

_Esse é o meu amigo Júlio, o bombeiro! Fogo, fogo, fogo!

Camilo vira para o lado e volta a dormir.

Virginia, somente, assim pode perceber que ele é sonâmbulo! Rindo, mas ao mesmo tempo, cheia de raiva e assustada, olha para o seu noivo, já roncando, fala com seus botões:

_Nem o Nelson Rodrigues escreveria uma comédia igual a esta!