Sem peixe, mas com muita água!

Com as traias preparadas para a pescaria, e o motor da potente camionete de muitos anos sendo aquecido naquela madrugada, que prometia um dia de sol e calor, se ouvia um cantarolar misto de alegria e tristeza no som emitido por aquele sertanejo. Como uma agradável surpresa Zico viu surgir às gotas preliminares de uma chuva de pingos grossos, que derramaria segundos após. Naquele momento ele se ocupou em agradecer a Deus, pois se ia pescar para se distrair, distração teria agora semeando o pão nosso de seu dia de homem que planta para o mundo comer. A paisagem do campo amarelado ganhava com espantosa rapidez uma capa verde. E o pão ali se multiplica!

A chuva foi engrossando de tal modo que já não passava pelas goteiras daquela casa de telhado esburacado, formava um grandioso lençol de água que já não buscava uma bacia colocada embaixo de buraco do teto, mas o açude que o retivesse para futura distribuição a cada homem de fé. Tem horas que o sertanejo pensa que a seca não vai acabar, porém Deus se vale da fé daqueles homens persistentes e alivia suas dores com um banho frio que deixa a toalha apenas para enxugar as lágrimas, desta vez de alegria. E o mato cresce e a pé de feijão também, “um dia chegará ao céu” imagina o homem que esta cultura planta, lembrando a historinha que a professora conta aos alunos da pequenina escola rural. Ali se amontoam a alegria e surpresa dos meninos e meninas obedientes aos livros reciclados que ali chegam vindos dos colégios da cidade.

Um exemplar raro da “Tabuada de Teobaldo Miranda” continua ensinado a matemática, que passa séculos sem nunca alterar seus resultados. Lá no campo desprovido de provedor da Internet, onde a máquina de calcular é a cabeça do indivíduo, as constas da venda do feijão já apontam um ano bom, de boas vendas, claro “se Deus quiser”. Não existe nada mais alegre para o homem que semeia a terra do que poder agradecer quando seu poder de compra tem um índice a mais, mesmo que não saiba essas expressões usadas pelos economistas. Corre para a “budega” e compra um real de balas que farão seus filhos sorrirem. Pablo Picasso bem poderia pintar uma tela denominada “A Ressurreição de Guernica”, lembrando que do céu não só caem bombas que destroem, de lá é enviada a maravilhosa chuva que renova a vida, a cada segundo que o globo terrestre gira.

Para as cidades grandes as chuvas que alagam são transtornos, mas para homem que por meses reza por ela, o brilho de suas laminas refletem como um presente embrulhado com papel prateado. E a vida no Sertão vive a continuidade da vida, e o político faz campanha dizendo que o preço do feijão abaixou nos supermercados, sem dizer que já vem temperado com o suor do trabalhador. E assim, na simplicidade do campo, a meia-dúzia de aluno continua aprendendo na “Cartilha do Povo”: - Vovô viu o ovo e papai viu a chuva!