O amor daqueles pardais...

A mim não me incomoda a sinfonia de pardais que aos primeiros raios de sol bolem com meu ouvido, assim como a água do café que ebule e o pó que desprende o cheiro de amanhecer. Sou um ser que acorda cedo para vida, só a morte a espero tarde! Assim para não fazer desjejum solitário, uma vez que os jovens da casa quando amanhecem a manhã já se recolheu para o dia, minhas mãos como se a semear espargem grãos de milho quebradinho no terreiro, nos fundos da casa. Os pardais que já saíram dos seus ninhos, enquanto avançam curiosamente me olham, não sei se assustados ou agradecidos, mas felizes com certeza. E se alonga aquela festa de felicidade até que recolham o último grão.

Os pardais já tomaram conta das minhas primeiras ações da manhã, e a eles aponto a gaiola que os preparei, que é do tamanho do mundo com o espaço que os ofereço para voar mesmo tamanho que Deus os legou na criação. Junto com eles vêem rolinhas e até um periquito já apareceu para o pasto matinal, e parece que avisados pelos meus amiguinhos de que ali não há perigo, pois a meio-século quebrei meu último estilingue, os pássaros vão entrando cada vez mais no espaço do meu alpendre, da cozinha e já até sala a dentro. Os pardais formam maioria dominante nas cidades, onde são irreverentes e fazem coco nas cabeças dos mais ilustres homens. Assim como na Austrália em que há dois cangurus para cada habitante, acredito que aqui esta proporção seja de três pardais por cada um de nós.

E nessa gostosa e respeitosa intimidade, na cama ainda aquecida pelo meu corpo, pela janela aberta para que os primeiros raios de sol entrem o que fazem junto com rajadas de brisas matinais, dois pardais também entraram e se aconchegaram no leito que eu pouco antes abandonara. Não consegui identificar se eram dois machos ou duas fêmeas, ou se um casal querendo voar na imaginação do amor, imitando a vida dos homens, muitos dos quais sem cama não sabem o que amar! As pequenas aves ao perceberam a minha indiscreta presença apressadamente vestissem suas roupas, e pularam a janela dos amantes em um vôo de quatros asas. Deixaram-me com saudades daquele dia, em que se eu soubesse demoraria mais tempo escovando os dentes.

Não consegui saber se era um par de Maria ou dois amigos João, mas prefiro a idéia de um João e Maria que não terminaram aquele momento lúdico, foram em busca do ninho de palha e gravetos trançados e lá certamente deram seqüência ao amor. E agora pelas manhãs meus olhares percorrem o terreiro, como se naquele exercito de pequenas aves pudesse encontrar o referido casal. As vestes são todas iguais, raro uma pena com alguma pequena diferença de tonalidade, que só percebe quem os cuida. Mas até hoje não matei minha curiosidade, não consigo ver a diferença. Trato por igual todas as aves e elas, todas, cantam para mim a sinfonia da liberdade!

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Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi – Bahia, e se orgulha em ser caçador da liberdade para as múltiplas aves, que enfeitam muitos mais na liberdade do vôo do que nas limitações de uma pequena gaiola. Tem opinião que os demais pássaros devem aprender com o pardal, não cantar em cativeiro!