A IMORTALIDADE DO CORPO

A IMORTALIDADE DO CORPO

Em sonho me questionei sobre a mortalidade do corpo. Nada pior que a morte para encerrar e fechar numa “gaveta” os sonhos e ilusões, que em nós criamos. Sendo a vida tão preciosa como é, duma coisa poderíamos ser poupados, refiro-me à fé na imortalidade da alma. Se os crentes no Além a vêem como uma segunda oportunidade para viverem eternamente com encarnação para uns, ou só em espiritualidade, para outros, melhor seria criarem-se condições para obviar à morte. Afinal tudo me parece tão fácil. Era tudo uma questão de se montarem fábricas de fígados, rins, corações, intestinos, pulmões…e até para os mais exigentes e insatisfeitos com o visual, poder-se-iam produzir cabeças à Brad Pit, David Beckham, Catarina Furtado, Gisele Bundchen, Beyoncé, Britney Spears, Penélope Cruz, Jennifer Lopez, Eva Longoria, Cameron Diaz, Mónica Belluci ou mesmo como a de um vizinho ou vizinha ou de um ou uma colega de trabalho, que tanta inveja dá. Também poderíamos desejar uma inteligência à medida das nossas necessidades ou de um qualquer talento para o futebol, música, pintura, escrita…Poderíamos adquirir tudo isso, quiçá nas lojinhas de chineses que proliferam por todo o lado e a preços irrisórios ou em lojas de conveniência. Assim, ninguém teria razão de queixa e os governos poderiam ser poupados às críticas inflacionistas e de descontrolo orçamental. Os mais abastados poderiam sempre recorrer a mercados à medida da sua carteira, tais como o Alemão, Japonês, Sueco, Inglês, Francês…por uma questão de ostentação da marca ou apenas pela fiabilidade do produto. Pois, porque não haveríamos de ser como os automóveis? Pára-choques partido, substitui-se por um novo, farol partido, substitui-se e por aí fora…para as velas, cambota, filtro do ar ou óleo, calços de travões, tubos de refrigeração, tudo é substituível. Nas pessoas, porque não, também?

Foi então que acordei e recordei o sonho. Tão feliz fiquei que me apeteceu registá-lo como o primeiro, como o maior, o mais iluminado de todos quantos o homem alguma vez sonhara. Sim, que isto de ter sonhos tão iluminados, só para um homem inteligente como eu…

Mas, há sempre um mas, nestas coisas, a perturbar e a querer emperrar o processo natural e normal. Refiro-me ao que de pior viria a acontecer. Sim, não é que quando me dirigia ao serviço de registo de patente e propriedade na Sociedade Portuguesa de Autores e Criadores para registar o sonho, sem saber ao certo em que termos o fazer porque parte dele me havia esquecido? Decidi então parar para reflectir e procurei um banco de jardim num recatado local onde só o gorjeio das pequenas aves se fazia ouvir. Estava num esforço de rememoração do sonho e reparei que jazia a meu lado, abandonado no banco, um jornal que algum leitor terá deixado por esquecimento ou porque já o havia lido e agora lhe causava incómodo andar com ele debaixo do braço ou ainda porque o terá deixado para leitura de um qualquer anónimo leitor. Fosse porque razão fosse, do malfadado jornal guardarei para sempre a pior recordação. Sim, verdade, ele estragou-me o dia e quiçá toda a minha vida futura, da minha família e até do meu país, sim, que isto de ter inventores iluminados não acontece todos os dias. E o que dizia o jornal de tão substancial, pergunta-me o leitor? Tão simples: só tem mamas pequenas ou grandes, quem quer; se não gosta do seu nariz, temos a solução, (ilustração com foto da Princesa Letízia, de Espanha); se não gosta dos seus lábios e os quer sensuais, existimos para ajudar, (ilustração de Manuela Moura Guedes); se o seu pénis é pequeno, visite-nos (nada de ilustrações…); se os seus “pneus” lhe retiram auto-estima, sabemos como lha devolver; se é calvo ou os dentes lhe retiram o sorriso desejado, nós resolvemos; as patas de galinha têm os dias contados, porque a solução chega até si pela mão de quem sabe, (ilustração com foto da jet-set Lili Caneças) e por aí fora…, tantos eram os mais variados anúncios de reabilitação de visual e com nomes tão esquisitos e difíceis de ler, que não arrisco até escrevê-los.

Na verdade, o meu sonho chegou atrasado e com isso hipotecou a minha glória, restando-me agora ter a esperança de um dia sonhar com Madre Teresa de Calcutá, Martin Luther King, Mahatma Ghandi ou outros e patentear na Sociedade Portuguesa de Autores e Criadores a sua (deles) superioridade moral para que se produzam em fábricas cérebros e inteligências morais que possamos dar e não vender, em massa, quiçá a muitas pessoas que já adequaram o tamanhinho das maminhas, do pequenino pénis, do narizinho ou das banhinhas para receberem em mão o que a mãe natureza lhes roubou. Talvez desse modo pudessem perpetuar o que a carne não consegue.