Vem prá caixa você também!

Desde que me entendo por gente sempre me vi ante a contingência de ter que responder a pessoas que me perguntavam sobre qual era a minha “tchurma”. Dentro da minha própria família me lembro que, frente à TV onde meu pai assistia a um jogo de futebol – e eu tinha meus 5 ou 6 anos de idade – fui argüido sobre qual era o time para o qual eu torcia, e eu respondi o primeiro que me veio à cabeça, só de ter ouvido falar. Morando em Campinas eu só podia escolher entre ser Guarani ou Ponte Preta, porque se dissesse que gostava do Corinthians corria sério risco de levar porrada da garotada da rua.

Diga-se de passagem que, quando eu nasci, já havia um “time” esperando pelo meu cadastro – imediatamente realizado por minha família – e cresci ouvindo que eu era católico, antes mesmo de perceber que o que eles queriam que eu acreditasse não tinha nada a ver comigo.

E assim foi durante todo o tempo em que eu não me achava corajoso o bastante para peitar o que eu realmente queria ou, pelo menos, o que eu NÃO QUERIA. Até isso acontecer tive que freqüentar locais pré-determinados por outros e engolir “turmas” que me obrigavam a fazer escolhas que não eram minhas: comecei levando reguadas na mão esquerda da minha primeira professora só porque insistia em ser canhoto num mundo criado para destros, e ai não parei mais de ser sempre reconduzido para algum trilho que minhas rodas recusavam, e que buscavam insistentemente transformar em trilhas que me permitissem criar meus próprios atalhos.

Não me perguntem quando nem porque começou a acontecer! Eu não me lembro, e nem compreendia os motivos, mas algo mais forte do que meu próprio entendimento me impelia para caminhos que eu não sabia aonde iam dar mas que, com certeza, não eram as avenidas de mão única que todos à minha volta – ou pelo menos a grande maioria deles – queriam que eu percorresse. Eu tinha que sentir que estava abrindo minhas próprias clareiras e seguindo meu instinto que me conduzia para bem longe dos times. Um adolescente sem time, que detestava usar uniforme! Sabem o que é isso? O distintivo do colégio bordado no bolso da camisa me promovia uma desagradável sensação de ovelha recolhida ao aprisco.

Aos 16 anos eu ainda não tinha a menor ideia do que queria, mas a primeira atitude de rebeldia me saltou do peito sem que eu tivesse planejado nada, e declarei que não mais assistiria à missa (obrigatória!) dos domingos. Lá em casa quem não assistisse à missa das dez, no domingo, não recebia a mesada da semana e não pegava a matinê da tarde. Mas eu me lixei para isso e enfrentei a falta da grana e do cinema, mas a decisão foi mantida.

Na faculdade de Direito, em pleno período da ditadura, todo mundo tinha que ser de esquerda, é claro! Todos? Eu não! Nem de esquerda, nem de direita: muito pelo contrário! Eu queria estar livre para escolher o meu lado, que podia não ser nenhum dos dois que se enfrentavam. Nem Arena nem MDB! Política partidária passava ao largo! Mas nem por isso deixei de votar em quem eu acreditava ser o melhor. As idéias para mim sempre falaram mais alto que o lugar de onde elas saíam. E mesmo sem ter planejado nada e nem defendido minhas escolhas por efeito de alguma filosofia, elas sempre aconteceram do meu jeito: sem trilhos, sem arreios, sem esporas ferindo o ventre.

Eu não agia baseado em qualquer filosofia para que ela não virasse uma bandeira, que eu não queria ser usado de mastro para hastear nenhuma! Apenas um sentimento de liberdade me guiava. Um intuitivo sentimento de não estar preso a qualquer linha, corrente ou ideia importada de qualquer cabeça alheia. Eu queria poder avaliar cara e coroa e optar, se melhor o achasse, por escolher a moeda em pé; pintar meu quadro misturando cores “incompatíveis”; escrever minha história sem me ligar no estilo literário, deixando que as mãos seguissem o curso do sentir.

Mas, por mais que eu o fizesse, sempre havia alguém para “encaixotar” o que eu fazia e colocar uma etiqueta para identificá-lo. De “rebelde sem causa” a “revoltado”, “contestador”, “alternativo”, “volúvel”, “imprevisível”... foram alguns dos adjetivos anotados nos rótulos das embalagens que usaram para tentar me manter empacotado, mas eu sempre dei muito trabalho durante a “dissecação”, e eles acabavam se cansando de trocar as etiquetas. A última sempre vinha com os dizeres “Caso perdido”, numa derradeira tentativa de me identificarem. O Raul Seixas teria me entendido? Talvez ele tenha feito o mesmo antes de se descobrir uma metamorfose ambulante.

Times! Times! Alguém ainda sempre aparece querendo me encaixar num. Na tentativa me puxam para suas igrejas, para seus clubes, seus partidos. Insistem em me enquadrar em padrões psicológicos, em modelos comportamentais, buscar tarjas para minhas formas de amar, na vã tentativa de um enquadramento nos referenciais que desenvolveram para si mesmos. Ninguém aceita que eu não queira ser encaixado num “ismo” qualquer!

Tá! Você quer que eu esteja atrelado a um “ismo” para desatar o nó de suas próprias ansiedades? Precisa que eu seja um “ista” como todo mundo? Vá lá que seja: sou universalista então! Tá bom assim? Fica feliz se pelo menos eu optar por Universalismo em vez de Exclusivismo? Escolher ser anarquista em lugar de conformista? Meu “status quo”, meu amigo, é não ter “status”, deu pra sacar?

Mas se você não acredita que eu não possa ter um time, então eu me rendo e te ofereço até um passaporte de acesso pra também fazer parte dele: se você consegue não escolher um lado, uma bandeira pra levantar, uma filosofia para pregar, cor, raça, credo ou gênero pra se relacionar, e mesmo assim nunca fica “em cima do muro”, então vem! Vem pra caixa você também! Entrei no seu pacote e ninguém precisa se preocupar com a etiqueta pelo lado de fora: Você, meu amigo, já faz parte da minha “tchurma”, ou eu da sua... mas, ufa! Somos um time, hehe!

Obras publicadas: www.lojasingular.com.br

Luiz Roberto Bodstein
Enviado por Luiz Roberto Bodstein em 25/01/2009
Reeditado em 26/11/2021
Código do texto: T1404225
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