“O homem vale pelo que é e não pelo que faz”

Há alguns anos eu ouvi, ou li em algum lugar, esta frase: “O homem vale pelo que é, e não pelo que faz”.

Desde então, venho divagando, em conjecturas mil, analisando o real sentido e verdadeiro significado da expressão. Algumas noites tenho perdido o sono, procurando entender – e quem sabe? – aceitar a afirmativa contida no texto.

Em alguns momentos de meditação, aceitei como verdadeira tal assertiva. Mas, pensando mais profundamente, logo após a aparente aceitação, passei a negá-la, como falsa e até absurda.

Ao aceitar a frase como verdadeira, o fiz apoiado no raciocínio de que, muitas vezes, as pessoas são obrigadas a praticar atos contra seus próprios princípios e sentimentos, seja por força de uma obrigação legal, seja impelidas por circunstâncias e pressões incontornáveis e irresistíveis.

O soldado, por exemplo, durante a guerra é obrigado a matar o inimigo de sua paria. O carrasco tem como profissão a execução dos condenados. Em ambas as hipóteses, tanto o soldado quanto o carrasco podem estar agindo contra sua vontade, contra seus princípios, contra seus sentimentos.

Nessas ocasiões, com base nos exemplos citados e em razão do raciocínio feito, eu aceitei como verdadeira a afirmativa de que ‘ o homem vale pelo que é, e não pelo que faz”.

Em outras ocasiões, no entanto, eu pensei diferentemente.

Entendi que, se o individuo, por qualquer circunstancia, a mais imperiosa que seja, pratica um ato impiedoso ou cruel, ou se ele se omite, deixando de socorrer alguém que dele necessita, que está correndo perigo ou carecendo de socorro, este individuo jamais poderá ser considerado bom, justo, digno, valoroso.

Santo Antônio, em um de seus sermões, disse o seguinte: - “Cessem as palavras, falem as obras”.

Vemos assim, segundo Santo Antônio, que de nada valem as palavras desacompanhadas de obras, e mais, que as obras valem mais do que as palavras.

Então há que se concluir: o homem vale por suas obras, isto é, pelo que ele faz, e não pelo que ele fala, ou pelo que ele é.

Lembrei-me, então, da figura do punguista e do estelionatário, que têm, como profissão, a ilícita e danosa lesão do patrimônio alheio, mas que, em seu próprio lar, mantém um clima de respeito e propriedade, com total dedicação a família e bem relacionamento com a vizinhança.

Lembrei-me de alguns funcionários públicos e políticos que, envolvidos pelo clima de corrupção que impera na administração publica, deixam-se corromper, lesando o erário público e a própria sociedade, muitas vezes, sem terem consciência da ilicitude de sua conduta.

Lembrei-me da lendária figura de Robin Hood, que roubava dos ricos e poderosos, para distribuir com pobres e oprimidos o produto da rapinagem.

E novamente a dúvida tomou conta de meus pensamentos: “ O homem vale pelo que é ou vale pelo que faz?”

Durante noites e noites venho pensando no assunto e confesso até hoje estar em dúvida.

Por esta razão, resolvi dividir a dúvida com todos os leitores, na esperança de um raciocínio mais arguto ou um pensamento mais elevado permitam que eu possa finalmente me definir.

A expressão é falsa ou verdadeira? O homem vale pelo que é ou vale pelo que faz?

Texto retirado do “Anuário da Academia de Letras do Estado do Rio de Janeiro do ano de 1999”

Hugo Roma
Enviado por Hugo Roma em 02/03/2009
Código do texto: T1465270
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