Da janela
            do meu gabinete



     Apesar da miopia que me atropela e me atormenta, da janela do meu gabinete, eu vejo tudo. Vejo, por exemplo, minha graciosa vizinha desfilando, descontraída, no seu iluminado e limitado apartamento de quarto e sala.
     Vejo-a despertando, todas as manhãs, companheira dos primeiros raios do sol; e fazendo sua ginástica matinal, com alongamentos seguidos de saltinhos cadenciados; mais parecendo uma garça  se divertindo na beira de uma lagoa serena.
     
Por volta das 8 horas da matina, ela sai. E só volta no fim do dia; mais precisamente na hora do crepúsculo. Será ela uma funcionária pública? Pela rotina que cumpre, diariamente, assemelha-se a uma burocrata de alto nível. Uma diretora? Uma chefe de seção?
      Chega em casa sempre na mesma hora. 
      Tira as sandálias e se desfaz da sua bolsa vermelha, com a rapidez de quem quer se livrar de um pesado fardo.
      Vê a televisão, comendo alguma coisa. Toma banho, e veste, com elogiável sutileza, uma camisola azul, de decote generoso e convidativo...
      Ainda não consegui avaliar-lhe a idade. Mas isso não me preocupa.  Li em Humberto de Campos que "se o vinho é bom, e se a mulher é bela, que vem ao caso a certidão de idade?"
     Como a menina da piscina - se lembram que falei nela e sobre ela em outra crônica? - também minha vizinha não liga, ou finge que não liga, para este enxerido escriba, a espiá-la, horas a fio, discretamente.
     Aproveito sua (aparente?) negligência, e vou registrando imagens maravilhosas da sua descontração. Imagens que, negar não posso, fazem a alegria e a distração deste ousado setentão.
     Nunca pensei em me utilizar de um binóculo para melhor mirá-la. Invadiria, claro, com maior precisão, seus aposentos e sua intimidade.  Mas, para que afrontá-la? Mais ousado, e correria o risco de perder, para sempre, o espetáculo da quase nudez da minha distraída (?) vizinha.
     Continuarei a contemplá-la por entre as cortinas do meu gabinete; ou protegido pela  escuridão dos fins-de-noite, quando ela, de repente, pensa que já estou roncando.
     Na última sexta-feira ela chegou quando o crepúsculo descia suave sobre a Pituba. Acendeu a luz da sala e depois o abajur do seu quarto.
     Mergulhado nos meus afazeres, ainda assim a vi arrancando os sapatos, jogando a bolsa vermelha sobre o sofá, e tirando, com dificuldade, sua saia justa. Deixou à mostra o seu exuberante bumbum, e desfilou como se estivesse numa passarela, disputando valioso título.
     Não resisti: escancarei minha janela, aprumei os óculos que ameaçavam cair, e comecei a aplaudir suas arrebatadoras nalgas e seus suplicantes seios com um largo, longo e demorado olhar...
     E ela, sem dá bolas para o meu impetuoso mas compreensível atrevimento, continuou se exibindo, agora como uma gazela em pleno cio. E ficou assim, até quando se jogou na poltrona, e cochilou.
     Terminei de alinhavar esta página vendo-a fechar a cortina rósea do seu quarto de dormir. Adormeceu, sem saber que seu abelhudo vizinho acabara de, em uma insulsa crônica, bendizer-lhe o lindo bumbum, num clima de quase orgasmo...
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 14/05/2006
Reeditado em 11/03/2020
Código do texto: T156101
Classificação de conteúdo: seguro