Sonho, Loucura ou Realidade?

O ano era de 1997 e eu morava no Japão com meu marido. Mudei-me para lá para trabalhar junto a outros vários Dekassekis que aproveitavam a oportunidade de fazer o caminho inverso de nossos avós.

Logo na primeira noite ali vivi uma experiência incrível e atormentadora, diferente de outras que havia vivido. Mal sabia eu que muitas outras iria viver.

Embora tenha me mudado para a terra do Sol Nascente com o único intuito de trabalhar para poder fazer minha vida no Brasil, algo maior que eu não queria que fosse esse meu único objetivo. A decisão de seguir viagem se deu após um ano de intensas preces e meditações, esperando pelo tempo certo de todas as coisas e pela aprovação dos Regentes da Vida. E assim sendo, parti.

Mas, eventualidades foram surgindo para que eu criasse um tempo para estudos e pesquisas, para meditações e auto conhecimento. Não relutei... Quando não estava no trabalho, ocupava meu tempo livre um pouco com as amigas e a família, em muito com os livros. Embora não fosse dada a leitura, aquele momento de minha vida exigia isso. Considerava que ali eu fazia meu próprio caminho de Compustela, minha peregrinação pessoal. Mas, enquanto as eventualidades me ofereciam um tempo livre, alguns acontecimentos estranhos me levavam a entender o 'por que'. Busquei alguns livros...

Não sei como está agora depois das mudanças que o planeta já sofreu, mas na época, a provincia de Okynawa estava longe de ser uma área sísmica, como também não era rota de Taifu, ou seja, Tufões. Mas, recebia os reflexos de terremotos e Tufões que ocorriam em províncias próximas, e algumas vezes até de abalos vindos de Tókyo. Então, era comum sentir pequenos tremores, que refletiam a ocorrência de terremotos próximos, ou ventos fortes que anunciavam estar passando em algum lugar o temido Tufão.

Era tarde naquele dia... Estava de licença médica e não fui trabalhar. Aproveitei para ler meus livros e estudar um pouco mais. Dentro do pequeno apartamento, eu ouvia o assobio dos ventos que passavam lá fora. Meus estudos sempre abrageram a espiritualidade, a Filosofia e o auto conhecimento, e nunca fazia relação dos episódios com a possibilidade de vida extraterrestre.

Até aquele tempo, se um ser me visitava era apenas anjo ou demônio. Depois de uns anos, descobri que haviam outros com nomes diferentes, vindos de universos e dimensões diferentes.

Um sentimento muito forte induziu-me a ir para fora. Mas eu resistia. Eu sempre senti um misto de admiração e temor pelo vento, e ventava demais. Num dado momento não pude mais resistir, pois aquele impulso que se manifestava tornava-se incomodo. Então sai, levando comigo meu livro, e nos primeiros degraus da escadaria do prédio, que ficava ao ar livre, me sentei.

Cada vez mais o vento aumentava sua velocidade... Olhei para o céu temendo que por algum motivo algum Tufão tenha resolvido passear por ali. A vizinhança estava tranquila, os carros e trêns passavam como sempre... Tentava continuar a ler, mas o vento não permitia que as páginas ficassem imóveis.

De repente, senti uma sensação estranha, como se algo muito grande se aproximasse de mim. Olhei e era apenas a força do vento, mas este se acumulava ao meu lado. Fiquei confusa e ao mesmo tempo temerosa: não sabia da possibilidade do vento se aglomerar num mesmo espaço aberto desse modo. Esse acumulo de vento tornava-se cada vez mais evidente, que quase era possível ver um redemoinho ali. Eu fingia estar lendo... Eu fingia não estar percebendo aquilo... Meus olhos estavam arregalados, parados num ponto das páginas que se moviam. A sensação estranha aumentava, e ouvi como uma voz: '-Não tenha medo! Sou seu amigo!'

Não sei explicar por que naquele momento passei a chorar copiosamente. Era como se meu inconsciênte soubesse o que estava ali. As páginas do livro iam e vinham, de trás pra frente, e várias informações numa vez só eram enviadas para mim através daquela voz. Mantive-me imóvel... Com o olhar a frente no horizonte montanhoso, apenas ouvindo e sentindo...

O mesmo impulso que me moveu a sair surgiu, agora me ordenando entrar. E entrei. Sentei-me no tatame do quarto, estiquei os braços e alcancei a caneta e o caderno. Minhas mãos pareciam anestesiadas e rabiscavam... Eu tentava firmar as mãos, mas elas pareciam tremer sobre o papel. Pensei ter escrito uma página de rabiscos... Anos depois, alguém que folheava o caderno encontrou a página e perguntou: '- Você escreve em libanês?'. Olhei, e identifiquei uma e outra palavra que já havia me sido apresentada. Procurei por algum escrito árabe e ali estava: identico. O que ali estava escrito? Não sei... Não me atrevi a mostrar a mais ninguém.

No outro dia, o vento novamente surgiu, entrando pela janela que mais parecia uma enorme porta. Criando aquele mesmo acumulo, e novamente eu estendi os braços e peguei o caderno e a caneta. Ouvi: '-Escreve!'

Ao final, foi me dado um livro. Começo, meio e fim de uma história que a primeira vista para mim parecia absurda. Só voltei a ler essa história e começar a escrevê-la nove anos depois. Quando o fiz, o começo possuia um novo começo, e reescrevi. O início original foi mantido, mas não era mais um começo. Conforme escrevia, fazia perguntas, considerando difícil prosseguir com uma história daquelas. Mas as respostas vinham... Quando chegava em determinado ponto, era o momento de parar. É como se a continuidade da história dependesse de como eu vivia e entendia a vida... E até hoje não terminei o livro...

No outro dia ainda o vento retornou, entrando do mesmo modo, me pegando sentada de pernas cruzadas no tatame, onde eu meditava. Senti um tipo de lapso e a sensação igual a que se sente quando se vai desmaiar. Meu corpo todo ficou dormente, e vi o vento tomando uma forma. Era uma silhueta humana, mas feita de um tipo de fumaça branca que quando se movia, deixava pequenos rastros como nuvens que passam...

O vento disse: '-Segura em minha 'mão'!' E segurei. E me senti sugada por um tipo de vácuo, e meus olhos já não enxergavam mais o quarto onde eu estava. Vi-me nas alturas como que flutuando enquanto segurava a mão do vento. Ele levava-me cada vez mais alto. O apartamento, a rua, a província iam ficando cada vez menores... Distantes...

Em certa altura, eu via uma ilha imensa e longa... Não podia mais ver as ruas, as casas e apartamentos, nem as linhas de trêm... Ví aquela água toda envolvendo aquelas terras. E o vento me disse: '- Eis, ai esta o Japão!'

Ele foi se movendo para acima do oceano, e percebi que descia. Temi e disse:

'-Não, o que está fazendo? Tenho medo das águas! Nunca entro nelas!'

Ele com serenidade, respondeu:

'- Não tema! Não deves temer tua pátria!'

Não entendi o que ele queria dizer... O medo se manteve e ele desceu em alta velocidade! Sentia meu coração ir a boca, e ao mesmo tempo não entendia como podia sentir meu coração. Entramos nas águas e tive a mesma impressão de quando mergulho uma colher na gelatina... Fiquei admirada, pois meus olhos podiam ficar abertos, eu podia ver a luz do sol descendo também, feito cortinas de um véu fino... Eu não respirava, como se não fosse necessária a respiração, então o medo de sufocar e afogar passou.

Ele não parava de descer... Cada vez mais fundo... E de repente, mudou de direção. Logo, eu avistava uma porção de rochas que lembravam placas. Seguiamos em direção a elas, mas ele não parava de descer. Erguia uma das mãos que estava livre, e apontava como que querendo que eu não deixasse de olhar aquelas rochas.

Conforme iamos descendo, percebia que de cima abaixo iam formando um tipo de funil... Um cone... Eram placas e mais placas de pedras, umas sobre as outras, parecendo formar um pedestal. Depois de muito tempo, chegavamos quase ao fundo... Todas aquelas placas estavam apoiadas em algumas rochas comuns, mas de tamanho considerável... Ao lado delas, uma enorme fenda, que parecia a entrada de um abismo. Algumas vezes, saiam de dentro desse abismo algumas bolhas, e um ruido estrondoso era ouvido.

O vento então me disse: '- Logo a abertura desta fenda será maior... Logo estas pedras dentro deste abismo cairão... Todas estas placas que você viu irão ceder e cair! Este Japão será engolido pelas águas e desaparecerá! Um dia assim já aconteceu, te lembras?'

Eu não conseguia compreender o que ele dizia ou o que eu deveria lembrar... Minha atenção se focava apenas no espanto de imaginar aquele monte de placas cedendo e como me parecia óbvio que a ilha iria afundar ali! Um pânico me tomava cada vez que imaginava a situação, e de repente, novamente me senti sugada para um vácuo. Vi-me no quarto e senti que meu corpo caia.

Meus olhos se abriram e a sensação de que muitas horas haviam se passado era forte. Estava desnorteada e corri para o relógio para ver as horas... Dez minutos haviam se passado. Fiquei confusa, confusa e confusa... Não conseguia entender se eu havia dormido e sonhado, mas como poderia, se tão pouco tempo passou e que sonho era esse tão longo e tão rico em sensações?

Eu suava frio... Não conseguia me orientar... Não sabia de fato onde estava e como estava. Lembrei de tudo o que havia visto. Pensei naquele país lindo afundando e perdendo-se no oceano...

Tentei me convencer de que foi um sonho... Imaginei que é impossível um monte de terra daquele estar em cima de placas de rocha... Idéia absurda! Não, embaixo do Japão não podia ser desse jeito... Não, não há abismos engolidores de pedras... Ri de mim!

Mas, por quase uma semana, esse episódio me atormentou, até que a crise Asiática começou. Convenci-me que havia sonhado e que significava apenas a crise. Que o Japão afundou, caindo financeiramente. E me convenci disso e os temores passaram, a vida seguiu e eu retornei ao Brasil.

Mas, anos depois, fui ao litoral... Uma vez por ano pelo menos, desciamos até a praia... Tornou-se uma tradição, pela minha necessidade de banhar-me em água do mar... Não sei explicar exatamente o porque, mas comprovei essa necessidade e me habituei a ela. A penúltima vez que fui, não pude esquecer... Eu não consegui entrar nas águas... Tanto tempo observando as ondas quebrando, eu percebi que estavam diferentes... Aquele medo que senti no sonho voltou de súbito. Não ousei entrar e me banhar...

Fiquei sentada nas mesas, rabiscando e observando as crianças jogando futebol.

Fomos pegos de surpresa por uma enorme onda que subiu até as escadas, levando mesas, cadeiras, sandálias, bolsas e toalhas. Subiu e parecia não querer ir embora... Vagarosamente recuava levando o que não tiveram tempo de pegar...

Foi a cinco anos atrás... E enquanto as ondas recuavam, lembrando-me do desespero do recente tsunami, o vento voltou a falar: '- As águas receberam a ordem e irão subir!'

Meu marido pegou-me estática, sem cor, perguntando se eu estava dormindo de pé... E eu, tentava me convencer que estava ficando completamente louca, e que não haveria porque o nível do mar subir...

São Paulo, 12 de Maio de 2009.

Shimada Coelho A Alma Nua
Enviado por Shimada Coelho A Alma Nua em 12/05/2009
Reeditado em 12/05/2009
Código do texto: T1590401
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