Gato é esboço esquemático...

Foi Ilma Petruzzi quem lhe deu o nome de Mel devido a cor amarelada. Do primeiro cio pariu após sessenta e quatro dias quatro gatinhos cegos e esfomeados. Procuro desenhar seu contorno de sombra atrás da cortina, pronta para o arremesso de unhas entre linhas riscadas com perfeição. Gato em si é esboço esquemático.

Aos noventa anos de idade, lucida, alegre e saudável Mamaca estava realizada com a presença de lã do felino. Presente inusitado de Cláudia naquele dia de verão. Carregando aqueles olhos lunares socados dentro do pelo eriçado.

– Olhos de coruja, disse Mamaca imantada de amor e afeto pelo filhote felino. Por meses a fio exclamaria.

- Que gata sem-vergonha!

Única expressão que empregaria para todas as traquinices experimentais do bichano. A perna de Aglaia, uma das Três Graças, espatifou-se. Talia perdeu o seio e Eufrosina o cotovelo lascado num único pulo de contentamento. O fascínio exercido era tanto que Mamaca, mesmo constipada,antes do café da manhã, gritava em plena neblina:

- Mel, melzinha. Onde é que...

Mel sobe o limoeiro entre espinhos com precisão e desaparece sobre o muro recoberto com vidro partido. No limoreiro gotejante fica dependurtada a gaiola do cardeal em seu espetáculo de galho. É escada perfeita para subir e descer os telhados da vizinhança. Quanto aos desaparecimentos? Parecem eternos, portanto cada retorno é recebido com um gritinho especial de nonagenária. Alacridade afetiva que recobre todas as ausências. Suas aparições forjam a efígie para um esboço esquemático. Efígie de gata que se compraz num misto de ócio e langor. Pura veneração.

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