O ATO DE ESCREVER

Em um sábado de julho, a noite chuvosa em Parati, o escritor Antônio Lobo Antunes (possui quinze obras publicadas), nasceu em 1942, em Lisboa, na zona de Benfica, afirmou para a platéia que o ouvia: "Tive a sorte de ter uma infância muito boa, passada em Benfica que, na altura, era um microcosmo, das várias classes sociais, tudo aquilo misturado, larguinhos, pracinhas."

Foi através de um paciente esquizofrênico, barbudo, uma espécie de “Cristo atormentado” que apareceu no hospital, considerado a grande revelação da literatura para Lobo Antunes, esbravejando: “o mundo foi feito por trás”.

“Na verdade, é isso mesmo. Na literatura, não se pode ver as costuras, o avesso. Em Francis Scott Fitzgerald (1896 - 1940) e Ernest Hemingway (1899-1961), é preciso ler quatro ou cinco vezes para tentar achar os pontos onde eles solucionaram impasses, os pontos difíceis. Escrever é muito, muito difícil. Mas ao mesmo tempo é uma experiência muito boa quando, como autores conseguimos ficar de pé, sobre as duas pernas, e projetar uma sombra.”

Lobo Antunes licenciou-se na Faculdade de Medicina, em Lisboa.

Nunca quis ser médico. Mas era o mais velho e, naquela altura, quando se chegava ao quinto ano, tinham de escolher entre ciências e letras.

“Ora, eu tinha treze anos o meu pai perguntou-me o que é que eu queria fazer, eu disse que queria ser escritor e, portanto, queria ir, naturalmente para a Faculdade de Letras, lembro-me de o meu pai me dizer, na altura, que, se eu queria ser escritor, o melhor seria tirar um curso técnico, que isso me daria uma preparação melhor. Eu penso que ele estava preocupado com a idéia de eu ter de ser professor de liceu e que tivesse uma vida mais ou menos difícil e triste, e achava que a medicina poderia ser uma via melhor para mim."

“Contou para todos sobre a sua infância no Brasil e declarou: “O Brasil não é só um país, são cheiros, ruas, os doces da minha avó, do meu avô. O Brasil não é um país é uma coisa tão intima.”

Humberto Werneck foi o interlocutor da mesa na Flip, e o português Lobo Antunes provou ter um vínculo afetivo e muito forte com o país, ao dizer ser leitor dos autores brasileiros do século XIX: Machado de Assis, José de Alencar, Raul Pompéia, Aluízio Azevedo. “Foi onde mamei”, disse Antunes. O escritor relembrou a relação com Jorge Amado e com João Ubaldo Ribeiro.

“Jorge Amado era muito terno comigo, tinha uma relação filial. Me dizia: ‘Gosto de lamber meus filhotes.”. Foi além, ao declarar que Jorge foi um homem de grandes virtudes amigo e sem inveja. A leitura da poesia, para o português, ensina mais que a prosa. Disse ter lido os grandes poetas brasileiros, e que, João Cabral de Melo Neto é o melhor poeta do século 20.

Sobre a arte de escrever; respondeu sem pestanejar: “O livro é um organismo vivo e que todo grande livro é uma reflexão profunda sobre a arte de escrever. Quando entra em você, ele se faz sozinho, deixa as mãos felizes.”

Contou que é necessário ir até as camadas mais profundas de todas as superfícies superpostas da consciência. “Por isso gosto de escrever por cansaço.”, e que todo escritor, para fazer boa literatura, precisa assistir a 10 minutos do Garrincha jogando bola. Também ousou uma imitação da voz rouca de João Ubaldo Ribeiro, e criticou a falta de memória sobre a obra de Paulo Mendes Campos (cronista e poeta brasileiro nascido em Belo Horizonte, Minas Gerais).

O escritor fez a platéia rir inúmeras vezes. Uma delas foi quando disse ter problemas com equipamentos como microfones, referindo-se ao formato fálico do aparelho. Ele contou que quando era jovem e já escrevia alguma coisa, seu avô, que era muito rígido e conservador, o chamou para uma conversa e disse: "Soube que você escreve versos. Você é viado?", e olhou para o microfone dizendo que imaginava; o que o avô diria se visse aquela cena dele com a boca próxima ao microfone.

O português falou que quando um autor escreve, é como se um "anjo ditasse o livro. A mão do escritor tem de ter alegria para escrever", e citou para ilustrar sua fala o trecho: Emissário de um rei desconhecido, Eu cumpro informes instruções de além, E as bruscas frases que aos meus lábios vêm Soam-me a um outro e anômalo sentido....", do poema "Emissário de Um Rei Desconhecido", de Fernando Pessoa, e afirmou para uma platéia perplexa não admirar o Pessoa.

Salientou para todos os presentes; o escritor precisa trabalhar 10 horas por dia; duas para escrever e oito para fazer a correção. Para ele, escrever é consumir, mas não pode conceber a sua vida sem escrever. Mesmo sendo um tormento e mesmo sendo um prazer.

Sobre a escrita, Lobo Antunes diz: "Eu escrevo livros para corrigir os anteriores. E ainda tenho muito para corrigir." Num outro momento afirmou também: "no fundo, a nossa vida é sempre uma luta contra a depressão e, em relação a mim, escrever é uma forma de fuga ou de equilíbrio. Por outro lado, há a sensação de qualquer coisa que nos foi dada e que temos obrigação de dar às outras pessoas: quando não trabalho sinto-me culpado. Há ainda a sensação do tempo, ou seja, ter na cabeça projetos para 200 anos e saber que não vamos viver 200 anos..."

No final, a pergunta esperada: por que, diante de tanta paixão pelos livros, Lobo decidiu parar, como anunciou no início deste ano? “Há que se ter às vezes caprichos de cocota. E eu também gosto de agitar o bumbum para mostrar as plumas.