A minha casa

No sótão da minha casa, há tanta, mas tanta coisa guardada que, às vezes, penso que uma hora ou outra vai tudo desabar na minha cabeça. Ou será que perigam as pequenas janelas se abrirem e, de lá de cima, expurgarem aquelas passadas e obsoletas quinquilharias? Qualquer dia, me animo, emprenho-me de coragem e faço uma faxina geral, inclusive no velho baú...

Por que guardar coisas que já não nos servem mais? Não sei, mas estão lá, à espera de que alguém possa precisar delas, quem sabe...

Minha mãe dizia: quem guarda o que não usa, um dia, tem o que precisa...

A sala de jantar, cortinas arriadas, janelas fechadas, tem, como móveis, apenas as vozes que passaram por ali... Até os aromas, que eram deliciosos, dos jantares e almoços, com a mesa repleta de comensais, já se foram, encobertos pelo tempo impregnado nas paredes, nas madeiras. Pretendo, em breve, escancarar-lhe os postigos, levantar os cortinados, espanar a poeira que já cobriu até o rastro do último repasto e colocar, na mesa, manjares de outros tempos e algumas novas receitas, mesmo que as cadeiras estejam vazias...

Na cozinha, o velho fogão de lenha ainda mantém as panelas acesas, esperando a hora de as minhas mãos colocarem a magia dos cheiros e sabores, para um novo banquete e, sobre a toalha simples da mesa da minha infância, bule fumegante, pão fresco e leite quente. Perdura ali o eco de crianças em volta do bolo recém saído do forno; ainda há, pregada nos azulejos e ladrilhos, a sombra tão distante da minha mãe enfarinhada, pintando de alecrim os assados e musicando os doces. Mas um lugar vazio, reservado para aquele que, certa vez, saiu sem tomar o café da manhã, empana todos meio-dias...

Corredores compridos, largos, ainda dormindo...

Nos quartos acordados, com o sol esticado sobre as camas, tapetes e armários dizem dos segredos das meninas e das brincadeiras de um menino ausente. Todos os dias, eles são limpos e perfumados; nunca se sabe, pois os segredos de ontem podem se revelar a qualquer hora. Há que estarem prontos...

No cômodo ao fundo do corredor, a porta sempre aberta deixa ver a cama grande, com lençóis e travesseiros brancos, que se anima quando o dia se aurora e, à noite, deixa sem cobertas a insônia da rotina... A um canto, almofadas macias que se confundem com a maciez dos pêlos das minhas incansáveis companheiras e amigas felinas: uma tem os olhos azuis; a outra é branca como a neve.

Em um dos banheiros, entre os espelhos e as paredes, uma banheira com água tépida para amornar o corpo dos cheios de frio. Em outro, sobre o piso desenhado com tintas de cores quentes, uma grande tina de madeira, com água fresca, para refrescar a pele dos prenhes de calor...

Varandas e sacadas, ainda com a memória das mãos cruzadas sobre os peitos e de corpos debruçados, esperam o momento de se estenderem para quem quiser chegar...

Na minha casa, não há porão, nada é subterrâneo, nem uma adega que se digne a guardar os vinhos, mesmo porque esses já foram todos sorvidos em cálices que se espatifaram nas vigas porosas e frágeis dos encontros.

A porta de entrada e... de saída é grande, de madeira nobre, forte, resistiu a muitas tempestades... Não tem fechadura nem trancas. Só não permanece aberta, porque pode haver invasores que, por maldade, queiram entrar para destruir o pouco que resta por trás dela...

Não há mais jardins floridos, apenas poucos vasos onde ainda cultivo algumas folhagens, pequenas, mas verdes e sempre sedentas.

Com licença, tenho de ir saciá-las...