56 - SÔ RAPINHA ...

56 – “SÔ RAPINHA”.

O Folgado!

Fazenda situada no lado sul da mais famosa montanha de Minas por estes lados do quadrante, na verdade, pico do Cauê; fazenda de mesmo nome. Naquela fazenda onde de tudo se produzia e não era pouco, café plantado muitos hectares, cana a sumir de vista para atender a demanda dos dois engenhos que trabalhavam quase noite e dia, de três horas da manhã até quase o fim da tarde, a produzir: Rapadura, açúcar mascavo, pinga estocada em tonéis de madeira, cada um com gosto e jeito diferente, farinha de mandioca, rapé, fumo de corda, lingüiça da boa, porcos galinhas e gado de corte e leiteiro, nos dizeres do povo da época “só não se produzia ali, querosene”, Porém, azeite de mamona com refino especial, dava para iluminar o Brasil inteiro, carros de boi e carroças pra mais de mil (puro exagero, eu creio).

Ali nasceu Coriolano, nome de tio avô lá do nordeste. Cresceu tipo raquítico, miúdo, cabeça maior do que o corpo, figurinha feia, desajeitada, era tão feio de fazer dó. Apelido ainda de berço era Rapinha, talvez por isso tanto sucesso com as meninas dos colonos e dos meeiros.

Coriolano cresceu fazendo pequenas tarefas, ali ninguém, poderia se dar ao luxo de ficar coçando, no mínimo, costurando ou ajudando a costurar as bocas dos sacos de milho e feijão que os tropeiros sairiam para na cidade entregar, não sem antes de um lanche matinal de primeira, arroz com feijão já misturado, torresmo a gosto no tacho, farinha da última safra, café bem quente passado quase na hora na cozinha lá de fora ou de dentro. Sol quase nascendo, anunciava o galo a cantar na varanda ou no telheiro, bem perto da bica d’água. Satisfeitos dos desejos primários, carga no lombo dos animais pés e patas nos caminhos.

À tardinha, sol se pondo, vara de anzol e puçá, pegar lambari no córrego do Onça, traíra no rio Manso. Aos dezenove anos meter a mão no pesqueiro dos outros, disto ele já entendia bem, talvez por ser tão feinho, por pena ou sei lá o que, vivia metendo a cara com qualquer mulher casada ou donzela que em conversa lhe desse trela. Já estava ficando manjado, promessa de coisa no ar! Corria em boca pequena que ele fora visto de olho comprido para namorada de Juvêncio, cabra macho, tipo forte, carregava três sacos de milho, desses de sessenta quilos, um debaixo de cada braço outro na cabeça.

Coriolano perto dele, esquilo perto de onça. Por falar em onça e Juvêncio, facão bem afiado, promessa de quebrar o atrevido ao meio como cana de milho no palheiro, meter-lhe o facão no bucho, tirar as tripas colocar uma pedra dentro, jogar nágua, no córrego não! Muito raso. No rio abaixo das corredeiras, lugar de pescar piau, tal como se faz quando se quer cevar peixes com cabeça de boi! Coriolano passando dos limites com a moça do Juvêncio, um dia saindo para pescar de acordo com a jura não seria visto jamais.

Pai e mãe aflitos com a mania do rapaz de caçar na mata dos outros, pescar em poço fundo!

Antes que a coisa tomasse rumo pior, Coriolano sumiu da fazenda e da praça, como os pais continuassem tranqüilos sem mais esquentar a moleira com o sumiço do cabeçudo, dava para imaginar que eles ficaram avisados da fuga daquele folgado para Itabira, Monlevade ou mais longe, quem sabe Belo Horizonte.

Dizem que vivera por aí, pulando de galho em galho, bem ao seu estilo, em fuga sempre na calada da noite.

Anos, muitos anos depois, apareceu em Itabira, mancando, resultado de perna quebrada e serviço mal feito da quebradura engessada. Não ficara perfeito! Aliás, assim já nascera. Mesmo assim, arranjou serviço de ronda tomando conta da mata. Não deixava mulher feita, moça nem menina sair com feixe de lenha sem se atrever com elas. Defeito jamais curado, como sua perna quebrada, e seu vício de rapaz. Foi atentando a todas que precisavam de lenha, ficava de longe olhando deixando que amarrassem o fardo. Só depois aparecia, para cobrar o seu preço, que o patrão nada sabia. Conversa no pé do ouvido, escolhida a vítima, liberava a lenha se alguém pagasse o valor estipulado. De alguém ele queria uma rapinha, se o preço não conviesse a lenha ficava ali.

Tanto procurou que encontrou alguém que lhe pegou de jeito, mulher forte tipo masculinizado até no nome, neste dia o diabo de saia cobrou do malandro a conta!

– Hoje nós acertaremos: Galo não canta, hoje feito pinto pia! Tomou do danado o facão. Prendeu sua cabeça entre as pernas, deu-lhe surra de prancha de facão até deixá-lo estirado, bunda ardendo, humilhado por apanhar de mulher. Para a vila onde morava não voltou nunca mais! Sumiu, escafedeu-se!

maio/2009

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CLAUDIONOR PINHEIRO
Enviado por CLAUDIONOR PINHEIRO em 10/09/2009
Reeditado em 24/09/2009
Código do texto: T1803504