18 - VOU TE BUSCAR DEBAIXO DE VARA...

VOU TE BUSCAR DEBAIXO DE VARA...

O meu irmão mais novo nasceu com o dom de aprontar. Esse negócio de irmão mais velho às vezes é uma furada, ou a maior roubada como se fala! Era tal de ser responsável por ele... Olha que a nossa diferença de idade nem é tanta assim para eu ter que responsabilizar-me pelo piralho. Mas em família grande é assim mesmo, os maiores tomam conta dos outros.

Desde cedo o moleque preparava das suas, até quando e ou principalmente quando não estava eu junto dele... Ele aprontava e como!

Meu pai tentava nos ensinar a cuidar dos animais que eram os cavalos, as dezenas de galinhas e os patos.

Era obrigação de todos os dias limpar, as gaiolas feitas de madeira onde ficavam os pintinhos de raça, trocar água dos patos e das galinhas. E a passarinhada, Deus me livre! Era melro, azulão, canário chapinha curió, catatau, godelo, até sabiá... E toma serviço! Limpar gaiolas, colocar areia, soprar os cochinhos renovar a comida e a água das mais de trinta gaiolas trazidas lá de Dom Silvério e Alvinópolis.

Quando nós já estávamos com mais ou menos dez anos de idade, eu não tinha nenhuma vontade de executar as tarefas de buscar animal no pasto.

Raspar o danado do cavalo para retirar os carrapichos e carrapatos, dar banho, enfim, deixá-lo pronto para o velho sair, quando voltasse do serviço.

Para fugir desta tarefa ingrata, desde cedo, eu cortava volta. Preferia cuidar de buscar lenha, ou esterco lá no pasto do caminho da chácara ou sair para vender pastel.

Logo após a aula, tinha eu que arranjar alguma coisa para fazer deixando o negócio de buscar animal no pasto para o Pitôco.

Invariavelmente ele deixava as suas obrigações para o fim da tarde. Mas o jogo de bola no campinho lá perto de casa não perdia um sequer!

Quando ele não fazia os seus deveres a gente podia preparar o lombo a nossa mãe vivia falando o dia inteiro: quando seu pai chegar eu vou falar com ele!

O danado do Neguinho, não estava nem aí, entre uma surra e outra, que a bem da verdade eram merecidas, ficava a certeza que ele ia aprontando e amontoando na sua conta, na hora do acerto, sobrava para todo mundo, era por atacado!

Ele era daqueles que já aos doze anos era tirado a um joguinho de sinuca lá no Bar do Refeitório.

Achava que ficava escondido... Eu, por minha vez, não passava nem lá perto na vã tentativa de escapar da surra. Ledo engano!

Ele ia com alguns rapazes mais velhos do que ele. Só que a maioria dos freqüentadores que jogava sinuca era amigos do meu pai ou, pelo menos, colegas de serviço (e ele tinha ojeriza do tal jogo). Certo é que papai chegava lá em casa assim “como não quer nada e de nada sabe” e ia logo perguntando para minha mãe ou para quem estivesse por perto: “os meninos onde estão?”.

Dependendo da resposta, ele já pegava a taca ou um chicote e colocava sobre a mesa. Era um tremer nas bases. Mesmo que pai tivesse que sair a sova já estava encomendada e garantida. Como ele não tinha hora para voltar, nós corríamos para deitar achando que daria para escapar... Quase sempre não dava!

Era uma surra hoje, amanhã já estava o moleque aprontando de novo.

Nossas obrigações durante a semana, isto é de segunda até sexta-feira, eram intercaladas pelo menos com um tapa-canoa, famoso pescoção no pé-do-ouvido. Hoje em dia, basta olhar com cara fechada para os filhos e eles mesmos se encarregam da denúncia ao Conselho tutelar! É a nova pedagogia, a nova maneira de ensinar. Só que a maioria dos jovens cresce sem limites tanto dentro de casa quanto fora. Não da para fazer apologia a nenhuma violência, mas, porém, contudo, entretanto, todavia...

Como diria o professor Rubens Moreira: “melhor não sair do discurso politicamente correto”.

Se escapássemos do chicote e da taca, havia uma câmara-de-ar de bicicleta dependurada que nós tratamos logo de arrancar o bico (parte de metal). Mesmo assim, a danada era cheia de remendos e quando dobrada era uma lambada que fazia urinar nas calças – se gritar apanha mais, se urinar nas calças apanha em dobro.

O caldo engrossou de vez quando meu pai soube que o Pitôco fôra visto com um cigarrinho na boca, não teve meu pé me dói: ele teve zarpar como num rabo de foguete e o mais perto que ele foi parar foi na casa de uma tia, irmã da minha mãe, lá no Rio de Janeiro. Isto aconteceu quando ele já estava com mais ou menos quinze para dezesseis anos.

A rotina mudava aos sábados. Era pegar a caixinha de engraxate e buscar os sapatos, botas e blusões de couro para engraxar, na Pensão do Sô Lulu e do senhor Jadir. Impressionante: quase todo operador de máquina e ajudantes não dispensava um par botas-de-sanfona, ou a famosa meia-bota de cano liso!

Trocar gibis e ganhar um dinheirinho para as matinês do domingo ou ainda ter um dindim para gastar nos campos. Era de lei! Por falar em era de lei o título desta crônica não tem nada a ver com o termo jurídico, “buscar sob vara”

“Vou te buscar debaixo de vara”. Os pais estavam se referindo às muitas promessas que ouvíamos sempre.

E me engana que eu gosto, até onde sei, essas coisas eram rotina.

Quando muito, só mudavam de endereço... Vai me dizer que na sua casa não era assim?

Itabira,marçode 2009

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CLAUDIONOR PINHEIRO
Enviado por CLAUDIONOR PINHEIRO em 29/09/2009
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