Agonia de amor, agonia bendita! - Misto de infinita mágoa e de crença infinita. Nos desertos da Vida uma estrela fulgura; e o Viageiro do Amor, vendo-a, triste, murmura: - Que eu nunca chore assim! Que eu nunca chore como chorei, ontem, a sós, num voluptuoso assomo, numa prece de amor, numa delícia infinda, delícia que ainda gozo, oração, prece que ainda; entre saudades rezo, e entre sorrisos e entre mágoas soluço, até que esta dor se concentre no âmago de meu peito e de minha saudade. Amor, escuridão e eterna claridade... - Calor que hoje me alenta e há de matar-me em breve, frio que me assassina, amor e frio, neve; neve que me embala como um berço divino, neve da minha dor, neve do meu destino! E eu aqui a chorar nesta noite tão fria! Agonia, agonia, agonia, agonia! - Diz e morre-lhe a voz, e cansado e morrendo o Viageiro vai, e vê a luz e vendo uma sombra que passa, uma nuvem que corre, caminha e vai, o louco, abraça a sombra e... Morre! E a alma se lhe dilui na amplidão infinita... Agonia de amar, agonia bendita!
 
Em “Canto de Agonia” o poeta e jurista Augusto dos Anjos expressa a sua dor e o seu lamento no trem escuro e fundo de sua poesia magnífica que descreve o amor e a volúpia da relação entre amantes!
 
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no Século 19 na Paraíba e morreu no Século 20 em Minas Gerais; nasceu poeta, viveu jurista e poeta e morreu nos braços de todos que admiravam as mais apaixonadas composições. Foi crítico e criticado; louco para alguns e gênio para a maioria; algumas vezes deserto e muitas vezes multidão, enfim, Augusto dos Anjos, assim como poucos, deixou uma marca profunda na literatura brasileira e apesar de sua pouca idade, marcou uma época e permanece até hoje como sendo um dos mais admirados do gênero.
 
Na sua breve vida acadêmica como bacharel em direito, jamais enxergou qualquer possibilidade de seguir carreira nas ciências jurídicas; ele queria era escrever poesias, alentos, inspirações; Dos Anjos gostava das multidões, da generosidade das artes populares e encontrou no poema um pilar forte e sólido para basear sua vida.
 
Poeta aos 7, acadêmico aos 23, professor aos 24; os 30 já havia vivido tudo, inclusive se casado e breve morreria antes de completar os 31 anos. Visionário das coisas mais simples da vida, que ele enxergava como as mais importantes para o verdadeiro currículo humano, escreveu versos dedicados desde ao seu tamarineiro, que insiste em permanecer de pé, lá na Paraíba, até a aeronave recém criada por Alberto Santos Dumont.
 
“Cindindo a vastidão do Azul profundo, sulcando o espaço, devassando a terra, a Aeronave que um mistério encerra vai pelo espaço acompanhando o mundo. E na esteira sem fim da azúlea esfera. Ei-la embalada n'amplidão dos ares, fitando o abismo sepulcral dos mares, vencendo o azul que ante si s'erguera. Voa, se eleva em busca do Infinito, é como um despertar de estranho mito, auroreando a humana consciência. Cheia da luz do cintilar de um astro, deixa ver na fulgência do seu rastro, a trajetória augusta da Ciência.” (poema A Aeronave).
 
Poucos tinham este poder de brincar com as letras e formar palavras de tão grande valor cultural; da mesma forma que em sua época, poucos acreditavam que aqueles versos tão singelos fossem durar um, dois séculos, aliás, vários séculos.
 
Inspirado e influenciado por ninguém menos que Herbert Spencer, Ernst Haeckel e Arthur Schopenhauer; Augusto dos Anjos via também na Bíblia Sagrada uma breve oportunidade de contrapor os pontos nevrálgicos das discussões espiritualistas; utilizava a mais agressiva forma poética para expor seus pensamentos e como afirmam os que lhe conheceram, costumava gesticular e compor, para somente depois escrever aquilo que acabara de criar.
 
“Eu disse - Vai-te, estrela do Passado! Esconde-te no Azul da Imensidade, Lá onde nunca chegue esta saudade, - A sombra deste afeto estiolado. Disse, e a estrela foi p'ra o Céu subindo, Minh'alma que de longe a acompanhava, Viu o adeus que ela do Céu enviava, E quando ela no Azul foi se sumindo Surgia a Aurora - a mágica princesa! E eu vi o Sol do Céu iluminando A Catedral da Grande Natureza. Mas a noute chegou, triste, com ela Negras sombras também foram chegando, E eu nunca mais vi a minha estrela!” (A minha estrela).
 
A poesia brasileira estava dominada por simbolismo e parnasianismo, dos quais o poeta paraibano herdou algumas características formais, mas não de conteúdo. A incapacidade do homem de expressar sua essência através da "língua paralítica" e a tentativa de usar o verso para expressar da forma mais crua a realidade seriam sua apropriação do trabalho exaustivo com o verso feito pelo poeta parnasiano. A erudição usada apenas para repetir o modelo formal clássico é rompida por Augusto dos Anjos, que se preocupa em utilizar a forma clássica com um conteúdo que a subverte, através de uma tensão que repudia e é atraída pela ciência.
 
A obra de Augusto dos Anjos pode ser dividida, não com rigor, em três fases, a primeira sendo muito influenciada pelo simbolismo e sem a originalidade que marcaria as posteriores. A essa fase pertencem Saudade e Versos Íntimos. A segunda possui o caráter de sua visão de mundo peculiar. Um exemplo dessa fase é o soneto Psicologia de um Vencido. A última corresponde à sua produção mais complexa e madura, que inclui Ao Luar.
 
Sua poesia chocou a muitos, principalmente aos poetas parnasianos, mas hoje é um dos poetas brasileiros que mais foram reeditados. Sua popularidade se deveu principalmente ao sucesso entre as camadas populares brasileiras e à divulgação feita pelos modernistas.
 
Por esta fusão tão harmoniosa entre os versos românticos, de que tanto gosta o Ministro Ayres Britto, e as ciências jurídicas, o Irregular.com.br homenageia Augusto dos Anjos, o poeta mais simples da complexa sociedade ultrapassada dos séculos detrás; o homem, o jurista e o poeta nasceram e morreram juntos; o amante, o crítico e o objurgado, viveram pouco, mas o suficiente para deixar um rastro de saudosismo e uma vala aberta de profundidade assombrosa entre o racional e o emocional; vala que pelo visto, jamais deixará de existir!
 
Na crítica “A um mascarado”, dos Anjos diz: “...Sem que te arranquem da garganta queda a interjeição danada dos protestos, hás de engolir, igual a um porco, os restos duma comida horrivelmente azeda!”. Para o bom entendedor, “risco” quer dizer Francisco!
 
 
Carlos Henrique Mascarenhas Pires
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CHaMP Brasil
Enviado por CHaMP Brasil em 23/10/2009
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